O Sistema Único de Saúde (SUS): antecedentes, história, princípios, conquistas e desafios – um fio, vulgo thread.
No Brasil, a saúde é um direito de todos, mas nem sempre foi assim! Durante o período colonial, somente as classes com maior poder aquisitivo tinham acesso aos médicos e tratamentos da época, sobrando ao restante da população a caridade, nas Casas de Misericórdia, e curandeiros.
O interesse da corte portuguesa pela saúde ocorrerá somente no século XIX, visando, sobretudo, o aumento da produção e a defesa da terra. (Foto da Santa Casa de Misericórdia de Santos, fundada em 1543 - a primeira do Brasil)
Com a chegada da família real e posterior independência, começaram a ser criadas as primeiras faculdades de medicina e os primeiros órgãos de vigilância sanitária, que tinham como função propor medidas para a salubridade nas cidades. (Foto: Faculdade de Medicina da Bahia)
As intervenções em saúde restringiam-se as cidades, que tinham condições sanitárias precárias e conviviam com surtos e epidemias - como a febre amarela e varíola. Ao fim do Império houve um agravamento das condições de saúde e piora da imagem do Brasil internacionalmente.
Com o fim da escravidão e, posterior Proclamação da República, o Brasil, que tinha uma economia agroexportadora, necessitava da mão de obra de trabalhadores sadios e condições sanitárias mínimas para a venda do café – principal produto brasileiro da época.
É nesse contexto, durante a República Velha, que foi criada a Diretoria Geral de Saúde Pública, sob jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores e se iniciava uma série de reformas sanitárias, visando, sobretudo, atrair a mão de obra e compradores estrangeiros.
Nesse período, no Brasil, coexistiam dois modelos de atenção à saúde: o Modelo Sanitarista-Campanhista e o Assistencialista-Previdenciário. A saúde ainda não era um direito de todos e as intervenções estatais ocorriam de forma esporádica.
O Modelo Sanitarista-Campanhista objetivava prevenir as doenças através de campanhas de vacinação e higiene, bem como intervenções sobre os espaços urbanos de cunho estatal. Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e a Revolta da Vacina são marcos importantes dentro desse contexto.
O Modelo Assistencialista-Previdenciário era puramente curativo. As ações eram baseadas na assistência médico-hospitalar e restringiam-se aos trabalhadores formais que contribuíam com as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) – gênese da Previdência Social.
Assim, a saúde continuava restrita aos que podiam pagar ou contribuíam com as CAPs, que, posteriormente, na Era Vargas, foram unificadas e ampliadas para outras categorias de profissionais formais através dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs).
Além disso, foi durante a era Vargas que o Ministério da Educação e Saúde foi criado, em 1930 - e em 1953 separados em ministérios independentes. A população pobre continuava dependendo das Casas de Misericórdia e a saúde pública se limitava ao modelo Sanitarista-Campanhista.
Durante a ditadura empresarial-militar a saúde perdeu recursos, as ações foram reduzidas e, com isso, ocorreu um retorno das epidemias - antes controladas – e uma piora nos indicadores de saúde, como, por exemplo, com o aumento da mortalidade infantil.
Mesmo no auge do milagre econômico, os recursos destinados à saúde representavam apenas 1% do orçamento da União, as condições de saúde eram cada vez piores e as epidemias eram escondidas pelos militares – exemplo nítido foi a grave epidemia de meningite durante o Governo Geisel.
Em 1966 os IAPs são unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). E, em 1974, ele é transformado em Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), para assistência médica e financiamento público de prestadores de serviços privados.
Com isso, ocorre diversos desvios de recursos do Inamps no setor privado, expansão do complexo médico-hospitalar - pautado pelo Paradigma Flexneriano - e privatização da saúde, em detrimento das condições da classe trabalhadora.
Diante da ineficácia dos militares em assegurar condições mínimas de saúde para a população, inicia-se na década de 1970 o Movimento de Reforma Sanitária (MRS) composto pela sociedade civil organizada.
E aqui destaco a criação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (@CebesBR) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (@ABRASCO). Entidades importantíssimas no MRS
Em 1978 o Inamps entra em crise e ocorre o aprofundamento do colapso no setor saúde, em grande parte pelo fim do Milagre Econômico. A ditadura começa a perder força e se inicia o processo de redemocratização.
Em 1996, após o fim da ditadura, ocorre a 8° Conferência Nacional de Saúde (CNS), responsável por dar forma ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Nela, pela primeira vez, integrantes da sociedade civil participaram, juntamente com profissionais de saúde, gestores, acadêmicos e (infelizmente) empresários.
Cinco dias de debates, mais de quatro mil participantes, 135 grupos de trabalho e objetivos muito claros: contribuir para a formulação de um novo sistema de saúde e subsidiar as discussões sobre o setor na futura Constituinte.
O Sérgio Arouca, um médico sanitarista e político brasileiro filiado ao Partido Comunista Brasileiro (@PCBpartidao), foi o responsável por presidir a CNS e teve uma participação ativa na Constituinte de 1988 – sim, os comunistas tiveram um papel fundamental na construção do SUS!
A 8° Conferência Nacional de Saúde debateu três temas principais: A saúde como dever do Estado e direito do cidadão, a reformulação do Sistema Nacional de Saúde e o financiamento setorial.
No relatório final, concluiu-se que a saúde não deve ser tratada como uma mercadoria, mas um direito fundamental do ser humano, sendo essa compreendida em seu conceito ampliado e não apenas como ausência de doenças.
Assim, o Paradigma Flexneriano cede lugar ao Paradigma de Produção Social da Saúde. Ou seja, a saúde passa a ser compreendida como produto social. Logo, a saúde implica educação de qualidade, saneamento básico, segurança alimentar, segurança pública, prevenção de doenças, etc.
Com isso, a Constituição de 1988, em seu artigo 196, reconhece a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços".
O SUS somente será regulamentado com as Leis Orgânicas de Saúde: 8.080/90 e 8.142/90, responsáveis pela organização e financiamento. Assim, ele foi instituído com base em 7 princípios doutrinários:
A universalidade significa que todos os cidadãos brasileiros possuem direito à saúde. Nessa perspectiva, a saúde deixa de ser uma mercadoria, onde somente quem possui um alto poder aquisitivo pode acessá-la e se torna um direito inalienável dos brasileiros.
A equidade é a intersecção entre igualdade e justiça. Ou seja, em poucas palavras, significa priorizar o atendimento dos indivíduos de acordo com suas necessidades, oferecendo mais a quem mais precisa.
A descentralização diz respeito a divisão das responsabilidades em saúde entre as esferas governamentais (federal, estadual e municipal).
A hierarquização, grosso modo, divide os cuidados em saúde em três níveis: atenção primária, caracterizado pela baixa complexidade (Unidades Básicas de Saúde); atenção secundária, de média complexidade (ambulatórios, centros de especialidade etc.);
e atenção terciária, definida como alta complexidade (hospitais).
A regionalização diz respeito ao atendimento das particularidades de cada região de saúde.
Por exemplo: se em uma determinada região, as cidades possuem pouca demanda para hemodiálise (alta complexidade), não existem motivos para implementar um Centro de Nefrologia em cada uma, bastando apenas a construção de uma para todas.
A integralidade pode ser compreendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços de prevenção, cura e promoção da saúde, em nível individual e coletivo, em todos os níveis de complexidade. Em síntese, o atendimento de todas as suas necessidades em saúde.
E o controle social assegura a participação de toda a sociedade nas decisões do SUS através dos conselhos e conferências municipais, estaduais e nacional de saúde. Esses órgãos possuem caráter deliberativo e as suas cadeiras são reservadas aos usuários, profissionais e gestores.
CONQUISTAS: O SUS é referência internacional em diversos aspectos: 100% da população brasileira utiliza o SUS – 80% exclusivamente; o SUS possui o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo -96% dos transplantes realizados no país são financiados pelo setor público;
o SUS possui o maior programa de vacinação do mundo, ofertando 45 imunobiológicos diferentes para a população de um território de proporções continentais; o SUS realiza mais de 500 milhões de consultas médicas por ano; etc. etc.
Em apenas 30 anos do Sistema Único de Saúde, conquistamos a cobertura universal, atendimento integral e melhora em todos os indicadores de saúde, como, por exemplo, na redução da mortalidade materno-infantil.
Obviamente, isso não significa que o SUS seja perfeito, ainda existe muito o que melhorar e se alcançar. DESAFIOS: O financiamento, para além da gestão, é a principal fragilidade do sistema.
Historicamente o SUS foi subfinanciado, tendo seus recursos inferiores ao almejado pelo MRS e, atualmente, sofre um processo de desfinanciamento - ou seja, estamos retirando recursos que antes, já insuficientes, eram garantidos.
Em 2018, o Gasto Total em Saúde no Brasil foi 8% do PIB, sendo que 4,4% são de gastos privados (55% do total) e 3,8% de gastos públicos (45% do total).
Apesar da saúde privada atender apenas 20% da população, os gastos em saúde no setor privado são superiores ao público – que atende toda a população (80% exclusivamente).
Ao se comparar os gastos totais em saúde do Brasil com outros países com sistemas de saúde universais, perceberemos que: No Canadá o valor corresponde a 9,8% do PIB, sendo que, deste, 6,8% são de gastos públicos (69,4% do total);
Já no Reino Unido esse valor é 8,1% do PIB, sendo 6,9% de gastos públicos (85,2% do total).
Os gastos em saúde pública no Brasil, em 2017, foram de R$ 3,48 ao dia por pessoa. E eu me questiono: qual plano de saúde, em 2017, tinha uma mensalidade de R$ 104 por pessoa em? Qual é o plano de saúde que oferece toda a cobertura do SUS por esse valor?
Existe uma falácia de que os planos de saúde são mais eficientes do que o SUS. Na verdade, o Brasil está fazendo milagres com tão pouco recursos na saúde. E as políticas de austeridade dos governos neoliberais quer fazer você acreditar que precisamos limitar os gastos em saúde!
A Emenda Constitucional (EC) n° 95/2016 é a expressão mais perversa das políticas de austeridade, que, ao criar um teto para os gastos em saúde, condena milhões de brasileiros ao precipício. De acordo com o Conselho Nacional de Saúde, somente em 2021, o SUS perderá R$35 bilhões.
Vamos permitir que a saúde suplementar (privada), continue sugando recursos do setor público e que a saúde no Brasil retorne a ser uma mercadoria? Somente a luta organizada pode mudar esse cenário! Pelo poder popular! #RevogaEC95 #DefendaOSUS #SUS #MovimentodeReformaSanitária
Share this Scrolly Tale with your friends.
A Scrolly Tale is a new way to read Twitter threads with a more visually immersive experience.
Discover more beautiful Scrolly Tales like this.