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Ilustradora • Falo sobre Arte e coisas que me interessam~ Ela/Dela • Contato: joanafraga@yahoo.com.br • LOJA ABERTA!

May 13, 2021, 31 tweets

A Representação de Arquitetura e da ideia de Cidade nos Videogames: como interagimos com o ESPAÇO no mundo digital, e porque isso é relevante para a forma como enxergamos a arquitetura HOJE? - A Thread

Diferente de outras mídias, os games possuem uma característica particular que nos permite experimentar o espaço arquitetônico de uma maneira muito mais profunda: a interatividade. Em um filme, você pode imergir no universo no campo da sua imaginação, mas apenas nos videogames+

+ nos é permitido interagir diretamente com o espaço. E melhor ainda: os games não estão atrelados a nenhuma lei da física ou estrutura, nem amarrado as limitações do corpo humano, do espaço construído, e nem da temporalidade.

O tipo de jogo que eu quero focar nessa análise são os sandbox (apesar de que eu darei exemplos de outros tipos):os jogos onde a interação do jogador não é baseada em "níveis",e sim na interação com o espaço de forma orgânica, que depende das SUAS decisões.

Jogos sandbox são a epítome da expressão arquitetônica dentro de jogos: com possibilidades ilimitadas, o designer do jogo precisa traduzir com precisão a IMAGEM do espaço urbano (ou rural), seja ele fantástico ou realista.

A arquitetura torna-se o principal alicerce de referência para o jogador nesse sentido. Não só o espaço funciona como definidor da atmosfera do jogo (terror? Fantasia? Aventura? Guerra?), ele também é a referência primária: sem algum elemento arquitetônico +

+o jogador não saberia nem por onde começar. Além disso, a atmosfera promovida pelos jogos altera a forma como nos comportamos em relação aos elementos arquitetônicos: você já reparou que no dia a dia, tendemos a ignorar certas partes da casa como janelas e corredores?

Para além de abrir a janela, nossa interação com esses elementos é mínima. Nos jogos, já notou que eles se tornam elementos a serem PROCURADOS? Corredores e janelas indicam possibilidades de saída ou entrada, e ganham uma outra dimensão de importância dentro dos jogos.

Quando falamos de arquitetura no ambiente virtual, o ponto a ser discutido principalmente é o seu valor representativo desses elementos e o que eles podem fazer para servir ao gameplay.

Burton Pike, em 1981, escreveu como CIDADES são percebidas dentro da literatura, e eu acredito que muitos dos princípios apontados por ele podem ser aplicados quando analisamos cidades e arquitetura nos jogos: "a imagem da cidade serve como uma conexão de significados, +"

" + todos caracterizados por fortes sentimentos ambivalentes: (...) Perversão (Sodoma e Gomorra), Poder (Roma), Destruição (Troia), Revelação (Jerusalém)". A cidade de Roma, tendo sido um símbolo de poder na Antiguidade, traduz esse sentimento através da sua Arquitetura, e é +

+ interessante ver como essa percepção perdurou ao longo dos tempos: você nota que uma pessoa rica, quando quer PARECER rica e magnânima, ela vai gravitar para elementos greco-romanos para representar isso (com variados graus de sucesso)?

É basicamente esse sentimento que os melhores jogos se aproveitam, o ESTEREÓTIPO e o ARQUÉTIPO arquitetônico. De uma certa maneira, os designers de jogos conseguem encontrar o núcleo do que É uma cidade, para fazê-la acreditável e familiar ao jogador. Vamos ver alguns exemplos?

GTA e a arquitetura como arquétipo: desde as primeiras edições, GTA sempre conseguiu elevar o gameplay a um novo nível de complexidade através da representação do espaço urbano. As cidades da franquia são TODAS fictícias, mas tem fortes referências de cidades reais +

(Liberty City é basicamente Nova York, por exemplo). Como os jogadores encarnam criminosos como personagens, o jogo tem decisões arquitetônicas interessantes que usam a percepção que as pessoas tem de "crime": a escolha das cidades-modelo, grandes metrópoles com forte +

+ violência urbana, crime organizado e desigualdade social. O jogo também se aproveita do precedente marcado pelos "mob films" americanos que definiram a estética, e GTA potencializa isso ao se utilizar de tipologias arquitetônicas que traduzem essa atmosfera: becos escuros, +

+ calçadas quebradas, restaurantes e bares suspeitos,lixo na rua, em contraste com as áreas"nobres": prédios executivos, carros caros, regiões comerciais, etc. O design explora os piores aspectos da vida urbana e os condensa em uma mensagem: a cidade não está a salvo do jogador.

The Sims e a cidade como estereótipo: apesar de The Sims 3 ser o único sandbox da franquia, todos eles dividem a mesma característica no design das cidades do jogo. Por conta de sua natureza complexa, o jogo é MUITO +

+pesado, então era necessário traduzir a ideia de vida urbana da maneira mais resumida possível: você já percebeu que todas as cidades de The Sims são equipadas apenas com o ABSOLUTAMENTE ESSENCIAL do que a gente entende como elementos de uma cidade?

Um Hospital, um Parque, um restaurante, as vezes uma prefeitura, e uma área residencial. A 3a edição introduziu um conceito mais forte de transporte, com carro etc, para estimular o jogador a viver essa vida urbana "resumida". Mas acho que a característica mais +

+ marcante do jogo é A FORMA como eles elegem esses elementos essenciais através de estereótipos. Isso é particularmente marcante na expansão "Around the World", onde podemos visitar cidades turísticas como Paris, Beijing e Egito. Essas cidades foram escolhidas +

+ estrategicamente pela possibilidade de resumir a cidade em basicamente UM elemento arquitetônico, o ESTEREÓTIPO da cidade toda: A Torre Eiffel, a Cidade Proibida e as Pirâmides. Com isso, a jogabilidade não é comprometida, mas o jogador ainda reconhece essas cidades como tal.

Meu último exemplo e talvez o mais importante vai ser Assassin's Creed: essa franquia tem a fama de ter reproduções "realistas" de cidades antigas, mas a realidade é que as cidades em questão não são nada realistas: elas são feitas para que você SINTA que são. (Continua)

Os designers de Assassin't Creed tomaram diversas licenças poéticas por questões e design e por questões de representação. Um exemplo marcante talvez seja o Coliseu: essa estrutura, na realidade, é elíptica, mas no jogo, ela é redonda. Isso ocorreu para facilitar a modelagem,mas+

+ a nível representativo, isso também não é problema: ele PARECE o Coliseu e isso é suficiente. Isso também ocorreu na hora de diferenciar Roma de Florença em jogos diferentes da franquia: historicamente falando são cidades muito parecidas, então foi decidido usar+

+ estilos arquitetônicos diferentes da época estabelecida pelo jogo para permitir um reconhecimento melhor da cidade por parte do jogador. E você provavelmente nem percebeu, porque RECONHECER esses elementos é mais importante que ser acurado historicamente.

Como esses elementos de reconhecimento, junto ao fato de que o meio virtual nos fornece infinitas possibilidades de representação, afeta a forma como podemos enxergar a arquitetura no mundo real? O arquiteto Bjarke Ingels, no seu documentário WORLDCRAFT, critica o mercado +

+ atual de arquitetura, que preocupado demais em reproduzir o que já existe, esquece de procurar o que a arquitetura pode se tornar: "The beauty is that architecture not only allows you to dream stuff up. It also allows you to alter the facts." (BIG, 2014)

Bjarke Ingels acredita que a ficção tem um grande papel no VANGUARDISMO arquitetônico: a ideia de poder projetar algo sem as limitações da realidade nos permite ter um vislumbre de possibilidades que podem, eventualmente, se tornarem realidade.

Essa thread é um resumo da minha dissertação feita para a DeMontfort University em Leicester, Reino Unido. Vocês podem acessar a dissertação completa aqui: drive.google.com/file/d/1NACWpo…
Eu analiso outros games como Monument Valley e Minecraft!

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