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Jul 16, 2021, 14 tweets

Qual o "caráter original" de um bairro? Ao analisar o desenvolvimento de uma quadra na Greene St. em Nova York ao longo de quatro séculos, a cidade se mostra um processo constante de desenvolvimento, e a resposta para a pergunta se mostra mais difícil do que parece. Segue o🧶:

A Manhattan de arranha-céus que conhecemos é relativamente recente na sua história. Antes dos holandeses chegarem no que chamaram de "Nova Amsterdã" em 1625, Manhattan tinha florestas e pantanais, um ecossistema rico que tinha até ursos e lobos.

No início século 18 a área da Greene St. foi comprada para instalar uma grande fazenda, que não conflitou com o desenvolvimento urbano de Nova York, que até então ia apenas até Wall St., hoje considerado extremo sul da ilha de Manhattan.

Com a epidemia de febre amarela no final do séc. 18, residentes ricos, como médicos, advogados e professores, e pequenos artesãos e comerciantes, migraram para a área ainda periférica da Greene St., gerando um boom construtivo de residências entre 1820 e 1830.

A partir de 1840, com a instalação de companhias privadas de transporte de carruagens omnibus, comerciantes se mudaram ainda mais para norte, levando ao declínio econômico da quadra, que se transformou em uma área de entretenimento noturno com teatros e casas de prostituição.

Até o final do século 19, as construções eram basicamente pequenas casas de tijolos. Nesta época, empreendedores demoliram quase todas as casas para erguer edifícios de 6-7 andares que serviriam para abrigar o epicentro da crescente indústria têxtil de Nova York.

A demanda industrial triplicou os valores imobiliários de 1880 a 1890, subindo até 1910. Os edifícios tinham estrutura metálica pré-fabricada e eram considerados pastiches baratos de arquitetura neoclássica.

Um grande incêndio em uma das fábricas em 1911 levou à modificação dos padrões de segurança contra incêndio nos prédios, tornando praticamente todas as construções industriais nos arredores da Greene St. inviáveis para aquele uso, com a migração das indústrias mais para o norte.

A região passa por um longo período de declínio, com vacância nos prédios e até um acampamento de pessoas em situação de rua. Planejadores de 1940 consideravam a área "obsoleta" e planejavam demolir os prédios para construção de um grande rodovia urbana que atravessaria o bairro.

Na década de 1950, Robert Moses propunha demolir 20 hectares para consolidar 27 quadras em 10 "superquadras", acompanhado de uma grande rodovia chamada LOMEX (Lower Manhattan Expressway). A hoje célebre Jane Jacobs era uma voz contrária a esse tipo de renovação urbana.

Na década de 1960, motivados pelos amplos espaços e preços acessíveis, artistas e galerias de arte começaram a ocupar os espaços industriais abandonados de forma irregular, que ainda eram zoneados para uso industrial apesar de muitas décadas já sem esta vocação.

A mudança de público mudou o caráter do bairro mais uma vez, e o antes "obsoleto" SoHo passou a atrair uma elite criativa com o consequente aumento dos alugueis. Nos 1990, começa a atrair residências e varejo de luxo, dando início às características hoje presentes.

A incrível pesquisa "A Long History of a Short Block", de @bill_easterly, @laurafreschi e Steven Pennings mostra a contínua transformação de usos, públicos e valores imobiliários de um trecho da Greene St. e pode ser acessada em greenestreet.nyc

O estudo nos mostra que a preservação arquitetônica atual da Greene St. guarda apenas um período específico da sua história, não sendo possível traçar ou preservar um caráter "original" para uma cidade dinâmica como Nova York.

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