1) Região serrana do RJ: uma tragédia indescritível. Negacionismo climático mata. Ausência de políticas sérias de mitigação e adaptação mata. Como eventos extremos se conectam ao aquecimento global, é o tema do fio de hoje. 😥🧶👇
2) O que define evento extremo é “a ocorrência de um valor de uma variável meteorológica/climática acima (ou abaixo) de um valor limite próximo às extremidades superiores (ou inferiores) da faixa de valores observados da variável”. O caso de Petrópolis se encaixa perfeitamente.
3) A distribuição de ocorrência dessas variáveis (como a chuva) pode se alterar com o aquecimento global, tanto nas escalas planetária quanto regional ou local. A média pode se deslocar, a variabilidade pode aumentar etc.
4) O ciclo hidrológico e as variáveis que dizem respeito a ele (como as variáveis de precipitação) são fortemente afetados com o aquecimento global.
5) Isso acontece porque existe uma dependência não-linear entre temperatura e "pressão de vapor de saturação", uma medida da capacidade da atmosfera em armazenar umidade. Quanto mais quente o ar, mais vapor d'água ele comporta.
6) Alguns negacionistas falam que "é tudo modelo", "é tudo projeção". Obviamente mentem. É dado observado. O planeta aqueceu e, com esse aquecimento, cresceu a quantidade de vapor d'água na atmosfera (em torno de 7%, compatível com aumento de temperatura de pouco mais de 1°C).
7) O comportamento físico de uma atmosfera capaz de armazenar mais vapor d'água se altera, favorecendo os extremos. Um reservatório maior favorece extremos. É mais difícil "encher" a atmosfera (secas), mas uma vez cheio o reservatório, há mais água para despejar (enchentes).
8) Na maioria das regiões em que há séries de longo prazo disponíveis, com dados de qualidade, constata-se um aumento da ocorrência de extremos de precipitação. Isto inclui o sudeste da América do Sul (SES no diagrama).
9) No presente, estima-se que a frequência de extremos de precipitação tenha aumentado em torno de 30% e que sua intensidade esteja 6,7% maior com relação ao período pré-industrial. Mas isso piora a cada grau de aquecimento global, na verdade a cada décimo de grau!
10) Com o aquecimento global estabilizado 1,5°C, melhor cenário possível, teremos cerca de 50% a mais de extremos de precipitação (10,5% mais intensos). A 2°C, a frequência deve aumentar em 70% e a intensidade em 14%. A 4°C, a catástrofe é inimaginável.
11) Petrópolis foi arrasada por uma chuva de 272,6 mm (259 mm em apenas 6 horas). A depender do cenário futuro, o aumento da máxima precipitação acumulada em um dia pode crescer muito além disso.
12) O Atlas do @IPCC_CH (interactive-atlas.ipcc.ch) não projeta aumento substancial no TOTAL de precipitação no sudeste da América do Sul (4,2% no fim do século, no cenário SSP2-4.5, de "mitigação moderada"), mas o aumento projetado no TOTAL DIÁRIO é bem mais significativo (18,1%).
13) Em cenários piores, a situação se agrava ainda mais, e mais cedo. No cenário SSP3-7.0, a máxima precipitação diária tende a crescer, no final do século, em 25%. No SSP5-8.5, o aumento projetado é de mais de 31% (quase 16% já em meados do século, ou seja logo ali).
14) As Leis da Física empurram o clima de um planeta aquecido para os extremos de chuva, ,esmo em regiões onde o total de chuvas tende a DIMINUIR. Nelas, mesmo com um total menor, o acumulado diário tende a crescer, caso da região do Mediterrâneo.
15) E lembrando que essas projeções são médias sobre grandes áreas. Ainda há muita investigação sobre o comportamento individual de sistemas meteorológicos precipitantes que, com mais vapor d'água disponível na atmosfera, tendem a se tornar mais e mais intensos.
16) Com esse tipo de tragédia não se brinca, não se tergiversa, não se mente. Os avisos da comunidade de Ciência do Clima vêm sendo dados (aos gritos) há décadas e passou da hora de dar ouvido a eles. Chega de negacionismo, chega de irresponsabilidade.
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