Eduardo Sato 🏴🚩 Profile picture
Mestre em Física de Partículas, Doutorando em Ensino de Ciências e Coordenador de DC do @inst_principia. Email: easato1@gmail.com

Nov 11, 2022, 25 tweets

[Como hippies salvaram a Física]
#FísicaThreadBR
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Parece um título estranho e talvez um clickbait safado? Acontece que este é o título de um livro do físico e historiador de ciência, David Kaiser do MIT.
E essa história se liga ao prêmio Nobel desse ano!

📸: Fred Alan Wolf

No final da década de 60, os EUA ainda viviam efeitos do pós-guerra, além da própria guerra do Vietnã. Movimentos de contracultura como os hippies estavam em grande destaque.

Já na Física, havia muito desemprego. Além disso, os tempos áureos dos grandes debates sobre como funcionava a mecânica quântica (aquela que descreve o mundo microscópio) haviam passado. O importante é que funcionava e a lei era "shut up and calculate" (cale-se e calcule)

Físicos famosos como Niels Bohr e outros deixaram claro que não existia lugar na física para quem questionasse a interpretação de Copenhagen (a mais famosa interpretação da quântica, sendo a apresentada em livros-texto).

Uma famosa revista (PRL) até mesmo BANIU formalmente artigos discutindo conceitos de interpretação e filosofia da mecânica quântica.

Esse autoritarismo de pensamento não parece algo que os hippies iriam tolerar, certo? Em 1975, um conjunto de físicos hippies fundam o Fundamental Fysyks Group (FFG), um grupo que se reunia em Berkeley toda sexta-feira pra discutir fundamentos da mecânica quântica que durou anos.

E não se engane, eles eram hippies, as discussões envolviam também elementos de misticismo, uso de alucinógenos para abrir a mente e tudo que era comum a contracultura.

Como se pode imaginar, muita coisa estranha saiu de lá, como o primeiro livro de misticismo quântico, "o tao da física", onde o físico teórico Fritjof Capra tenta relacionar a física quântica com a filosofia oriental..

Mas a liberdade de pensamento e debate no FFG também rendeu bons frutos! Em especial, o grupo gostava muito de discutir um tema: transmissão de informação mais rápida que a luz!

Um famoso experimento mental proposto por Einstein-Podolsky-Rosen introduz bem essa ideia: Imagine um experimento onde duas partículas são criadas de forma que seus spins apontem para direções opostas. Porém não sabemos para que direção eles apontam.

Podemos separar estas duas particulas, mandando elas pra direções opostas de forma que a relação entre os spins se mantenha. Neste caso dizemos que o sistema está emaranhado.

Até que façamos uma medida, a mec. quântica diz que este sistema existe em uma superposição de estados, i.é, antes da medida, as possibilidades de spin pra cima ou pra baixo em cada partícula existe. Como um gato que pode estar vivo e morto ao mesmo tempo até que alguém observe

Agora perceba, se medirmos o spin de uma das partículas e obtermos um spin pra cima, não quebramos apenas a superposição existente nela, mas na outra partícula também pois ela precisa apontar necessariamente pra baixo. Essa informação viajou mais rápido que a luz?

Este problema, ficou conhecido como paradoxo EPR e era uma forte crítica a teoria quântica.

Surgiram teorias concorrentes, como a teoria das variáveis ocultas, que diz que uma interpretação quântica não era necessária, mas apenas considerar que existiam variáveis no sistema que não conseguimos medir e que determinavam a direção do spin das partículas no paradoxo EPR

Antes mesmo do FFG começar suas discussões, um trabalho seminal feito pelo físico John Bell mostra que teorias com variáveis ocultas deveriam respeitar uma desigualdade que teorias quânticas não respeitam.

Um dos fundadores da FFG, John Clauser, construiu um aparelho capaz de gerar pares de fótons emaranhados! E usando esse aparelho, ele foi capaz de mostrar que a desigualdade de Bell não era respeitada! Isto é: esse sistema precisa de uma interpretação quântica!

Adivinha só: Clauser foi um dos três ganhadores do prêmio Nobel de física desse ano!

Além das discussões presenciais, o FFG decidiu publicar um jornalzinho mimiografado com as conclusões para difundir os debates. O chamado "Epistemological Letters"

As publicações atraíram a atenção de vários físicos famosos como John Wheeler e Richard Feynman.

Mas uma colaboração fundamental saiu devido ao Epistemological Letters. Um físico chamado Alain Aspect ouviu sobre os experimentos de John Clauser, viajou até os EUA e propôs que fizessem uma segunda versão do experimento, ainda mais sofisticada.

O resultado deste novo experimento também resultou na violação da desigualdade de Bell, mostrando a necessidade de uma interpretação quântica. Esse experimento trouxe o assunto de volta a tona na academia.

Aspect foi outro dos três cientistas laureados com o Nobel de 2022.

Diversas outras discussões importantes saíram de publicações do Epistemological Letters, que era um lugar onde se conseguia discutir coisas que não eram consideradas física "séria" na época.

O FFG foi importante historicamente para trazer novamente interpretações alternativas da mecânica quântica como ciência rigorosa, além das imensas contribuições na área de emaranhamento quântico.

Um viva aos hippies e suas imensas contribuições para nosso atual entendimento da mecânica quântica!

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