Eu explicando os detalhes de funcionamento de um sistema capitalista.
A aluna (3° ano):
_ Professor, mas o que é a bolsa de valores? E por que a imprensa se preocupa tanto se ela subiu ou desceu no dia?
Ahhh, senta que lá vem história...
Alguns companheiros estão pedindo para eu explicar detalhadamente o que é a bolsa de valores e por que a imprensa se interessa tanto. Posso fazer uma thread explicativa, com prazer. Mas estou dando aula e depois vou para o mestrado. Só de noite consigo fazer com calma.
Vamos lá. Por partes. Bolsa de valores. Origens. No século XVII, as tulipas se tornaram uma espécie de moda momentânea nos Países Baixos. Explodiu a procura e, com ela, o preço. Quanto mais rara a tulipa 🌷, mais cara era e investidores começaram a vender ativos e investir nelas.
O preço subiu exponencialmente e ao invés de investir apenas nas flores em si, investidores começaram a comprar títulos que garantissem sua compra futura, assim que florescessem. A impressão que tinham é que a tulipomania, como foi conhecida, duraria para sempre. Promessa: 💰
Em pouco tempo não se negociava mais as flores, mas sim os títulos, cujos preços variavam. Conforme a "febre" das tulipas passou e a procura diminuiu e o preço baixou, diante dos riscos, quem tinha investido ficou em pânico. Queria resgatar seus papéis na hora. E a bolha estorou.
As tulipas são o primeiro caso conhecido d grande bolha especulativa. Mas o nome "bolsa" de valores remete ao século XIII. Na época, diversos tipos de negócio eram feitos em casas particulares de nobres e um desses era a família Van der Burse, na Bélgica, cujo brasão tinha bolsas
Após a Revolução Industrial, a bolsa de valores passa a ser muito importante e institucionalizada. Podiam negociar diversos títulos, como, por exemplo, títulos da dívida pública (basicamente particulares emprestando dinheiro aos governos em troca de um título com juros variáveis)
Além da dívida pública, através da bolsa, os investidores particulares poderiam investir também em "ações" de uma empresa. Então, por exemplo, uma empresa de capital aberto poderia te vender uma pequeníssima fração da empresa. Assim, entrava mais dinheiro de investimento...
Em troca do seu precioso dinheiro investido, vc recebia um título, garantindo a propriedade da ação. Se a empresa em que vc investiu tivesse lucros e se seu valor de mercado se valorizasse... o seu título aumentaria de valor. Do contrário, perderia valor. Ao mesmo tempo,
...uma parte dos lucros da empresa (quando houvesse lucro) poderiam ser divididos entre os acionistas investidores: são os famosos dividendos: lucros divididos. No início do século XX, no Brasil, era possível investir em produções futuras de café. ☕️ Alto preço no mercado europeu
Até que em 1929... Boom! Uma mega-bolha estourou. Após o fim da I Guerra, em 1918, a Europa estava em frangalhos e foram os EUA que tiveram sua década seguinte dourada de crescimento, emprestando dinheiro para a Europa e vendendo industrializados aos velho continente.
Assim, houve uma espécie de euforia especulativa e muitos enriqueceram ao longo da década de 20 c investimentos na Bolsa de Nova York em Wall Street. Em 1929, no entanto, houve uma crise de superprodução. A Europa já se reerguera em sua indústria e os EUA produziam cada vez mais
A consequência desse desequilíbrio entre superprodução e queda da demanda foi a deflação. Queda d preços. Prejuízos das empresas. Investidores percebendo q previsões de lucros eram menos realistas do que supunham... pânico. Investidores correram à bolsa para resgatar seu dinheiro
Assim, com a quase totalidade de investidores querendo resgatar seus títulos imediatamente (antes que fosse tarde!), percebendo que a bolha estourara... de um dia para o outro praticamente todas as ações estavam a venda e não havia ninguém que as quisesse comprar. Crash da bolsa!
Do dia para a noite, títulos valiosos valiam zero dólares. Isso provocou uma cascata de empresas quebrando, sem valor de mercado e particulares quebrando sem que seus títulos valessem nada. Desemprego altíssimo como consequência. Crise de deflação (queda de preços)
Foi a crise do Liberalismo. Diante da crise, juraram os liberais, era só deixar tudo quebrar mesmo pq a "tendência natural do mercado" era se autorregular. E da crise viria naturalmente a solução. Enquanto isso, os americanos desempregados passavam fome e faziam fila do sopão.
Nessa foto de 29, vê-se o choque entre o passado dourado (propaganda de "não há nenhum estilo igual ao jeito americano" / "o mais alto padrão de vida do mundo") e a dura realidade do desemprego, da fome e da fila do sopão.
Para resolver a crise do Liberalismo, o presidente Roosevelt (que era cadeirante devido à poliomielite e à paralisia infantil) decidiu adotar solução keynesiana: intervir na economia, em especial via obras públicas, gerando empregos diretos e imprimindo dólares.
Em seu plano econômico, Roosevelt socorreu financeiramente as empresas e os bancos, além de gerar empregos diretamente com obras públicas e utilizá-las para construir estruturas de estradas e hidroelétricas que dessem conta da demanda futura quando a indústria se reerguesse.
Por óbvio, Roosevelt salvou o capitalismo americano de sua maior crise da história. Mas muitos liberais enlouquecidos até hoje (eles vivem do futuro do pretérito) afirmam com nariz em pé que a economia se reergueria com ou sem a interferência do Estado... 🧐
E a imprensa o que tem com isso? Bem, a bolsa quebrar ou ter uma crise prolongada é um problema. Mas a bolsa variar dia a dia, conforme especulação, expectativas e notícias diversas (falsas ou não), seja liberal "nervoso" que se vai aumentar bolsa-família... é "normal".
Cada investidor sozinho na bolsa age por seus vieses: conforme o q cada um acha q cria melhores ou piores expectativas para uma dada empresa ou setor, cada um vende ou compra determinadas ações. Muitos vendendo, o preço cai e vice-versa. E aí q entram os bancos de investimentos.
Antes focados apenas em bancos tradicionais e grandes investidores, os novos bancos de investimentos prometem orientar o investidor médio comum, que não tem informações de mercado hora a hora. E aí que veio a genialidade: esses bancos começaram a patrocinar canais jornalísticos.
Óbvio que em nenhum lugar do contrato de patrocínio 💰 ninguém vai dizer q, ao patrocinar a #GNews, p exemplo, o canal vai chamar mais economistas dos bancos patrocinadores para fazer análises de macroeconomia como se analistas isentos fossem... mas o dinheiro lubrifica relações
É aí q a nova estratégia desses bancos se consolidou. Antes, a inprensa comentava índices da bolsa c tranquilidade (exceto na crise de 2008), como a cotação do dólar.Coisas cotidianas. Agora, economistas DOS BANCOS tinham poder d influenciar fatos políticos por dentro da imprensa
Em poucos anos, o discurso liberal entrou na imprensa paga, via Globo News principalmente, com o dinheiro do patrocínio, esse lubrificantes das relações. Em poucos anos, o mesmo discurso chegava à TV Globo e à toda a TV aberta.
Assim, as variações da bolsa, que acontecem de forma intensa e diária em todos os lugares do mundo há mais de um século, viraram pauta diária de longos debates na mídia. A culpada? Dilma! O dólar? Dilma! A solução? Impeachment e reformas neoliberais. O resto a gente conhece...
Fim da thread. Outro dia, farei outro fio sobre a crise de 2008, a maior crise no sistema financeiro americano desde 1929. Spoiler: a raízes da coisa estava novamente no discurso de ultraliberalismo e desrulamentação completa do sistema financeiro americano... Pois é.
Para a minha aluna, não aprofundei tanto pq a aula geral era sobre o sistema capitalista. Expliquei o conceito da bolsa, os valores de ações e dividendos, os interesses gerais da grande imprensa e de investidores particulares em tudo isso. Mas de forma resumida.
Bolsa de valores. A palavra-chave para compreendê-la é especulação. E para compreender suas crises: bolhas especulativas estourando. 💣💵
Para finalizar com bom humor...
Tadinha da menina...
*Imprensa (com "m") , digitei errado lá atrás.
**desregulamentação (idem)
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