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Jun 5, 2023, 24 tweets

Em 1975, um jovem de São Lourenço da Mata, em Pernambuco, decidiu deixar a casa do pai após ver a sombra de uma perna passeando pelas paredes.

Dias depois, o seu pai também passou a ver a tal sombra. Ele chamou os vizinhos, que confirmaram o fenômeno. Segue o fio 👇 +

As informações acima foram publicadas em notícia do Diario de Pernambuco, em 10 de dezembro daquele ano. Na casa, localizada no distrito da Usina Tiúma, viviam José Borges e seu filho Wanderley Borges, de 20 anos. +

Treze dias antes da publicação, Wanderley estava escrevendo na sala quando viu a sombra da perna pelas paredes. Desacreditado pelo pai e assustado, ele decidiu morar na casa de parentes no Centro enquanto procurava emprego no Recife. +

Oito dias depois, José viu a perna. Tratava-se de uma imagem ou sombra. Alguns acreditavam que era uma sombra projetada pela lâmpada, outros diziam que a perna era do antigo morador, já falecido. Um vizinho disse à reportagem que daquela mesma casa, há anos, "se ouvia uma voz”. +

Logo a casa passou a atrair centenas de curiosos.

Preocupado, José recorreu ao padre da cidade, que se negou a prestar ajuda por não acreditar na história. Isso revoltou os fiéis de Tiúma, que esperavam apoio espiritual ou ao menos uma explicação religiosa. +

José, então, resolveu chamar um pastor protestante. Após iniciar as orações, o religioso saiu correndo da casa e desmaiou em seguida, por ter visto a perna. Sem saber o que fazer, o morador chamou dois médiuns para entender o fenômeno +

📷Foto ilustrativa de São Lourenço

Os médiuns recomendaram lavagem da casa com água de sal e defumador, o que fez as aparições diminuírem. Em uma segunda reportagem, José disse que estava disposto a contatar a polícia: "A perna engana todo mundo e ninguém consegue pegá-la". +

A segunda reportagem entrevistou uma doméstica que disse que viu a imagem: “primeiro o pé, depois uma perna cabeluda". Ela ainda disse que um homem tentou pegar na perna e levou um tapa no rosto: "Quando alguém se aproxima, dá um frio danado". +

Já um motorista viu a perna e começou a zombar, recebendo como recompensa uma "cipoada" na cabeça. Um menino de 13 anos também confirmou que viu e não dormiu nem comeu o dia todo: "Só pode ser bruxaria". +

O Diario chegou a realizar uma pesquisa com operários, comerciários e funcionários públicos, revelando que muitos deles estavam dispostos a acreditar na perna ou em algum outro fato sobrenatural. O jornal se amparou em antropólogos para explicar o fenômeno da “crendice popular” +

Os boatos sobre a perna cabeluda ganharam tanta proporção que a Arquidiocese de Olinda e Recife teve de dar um basta , informando que a perna não passava de uma invencionice popular sem fundamento, visto que as pessoas diziam ver até a perna virando animal, como peixe ou ave. +

A reportagem no Diario, no entanto, também conversou com o Pai Edu, um babalorixa que explicou que o fenômeno poderia ser explicado por um espírito atuante, "que fica na terra para perturbar as pessoas".

Em 1º fevereiro de 1976, a Perna Cabeluda ocupou uma página inteira com um romance policial de Raimundo Carrero. Numa aparição em Olinda, a perna agrediu uma pessoa com três pernadas no pescoço e uma na barriga. Também invadiu a residência de uma bela moça e agrediu-a. +

"A perna cabeluda somente se deu por vencida quando foi escutar o gemido do carro da polícia."

Anos depois, Raimundo Carrero confessou que chegou à redação do Diario com “algumas cervejas a mais na cabeça” e inventou a tal matéria de página inteira. +

O que aconteceu com José Borges e seu filho Wanderley? O noticiário deixou de cobrir o caso. Acredita-se que a perna tenha sido uma invenção de um jornalista do Diario de PE ou Diario da Noite.

Mas ela nunca saiu do imaginário. Ainda em 1976, virou tema de musical: +

A perna cabeluda acabou terminando como tantas outras coisas em Pernambuco: carnaval. Troças foram criadas nos municípios de Nazaré da Mata e Moreno, sendo até criado "hinos". +

Ainda no carnaval de 1976, a perna cabeluda apareceu no concurso dos Carros Decorados da Empetur, num carro inspirado no filme Tubarão, de Spielberg (lançado no ano anterior). Hollywood encontrava São Lourenço da Mata. +

Após uns anos esquecida, "A Perna Cabeluda" reapareceu na cultura pop durante os anos 1990 com o documentário "A Perna Cabiluda" (1995), de Gil Vicente, Marcelo Gomes, Beto Normal e João Jr., do qual Chico Science e Fred Zero Quatro participaram. +

A propósito, a perna cabeluda está imortalizada na faixa "Banditismo por uma questão de classe", que abre o disco "Da Lama ao Caos" da Nação Zumbi:

"Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha Não tinha medo da perna cabeluda".

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