Uma thread sobre escrever textos de divulgação científica se vc é pesquisador.

Pra quem não sabe, sou editora da @revistaroseta, revista de divulgação científica da @abralin_oficial. Vou tentar dar umas dicas de como transformar sua pesquisa num texto de divulgação (1/18).
Um disclaimer: há textos e textos de divulgação, com propósitos variados. Aqui, tô falando daqueles curtinhos, que dão uma ideia geral da pesquisa, algo que vc consegue ler em 5 minutos ou menos. Meio que "como explicar pesquisa pro Uber se minha viagem é de 10 minutos".
O maior desafio na @revistaroseta, no momento, é explicar o que é um texto de divulgação científica para nossos colegas pesquisadores. Muitos mandam textos com assuntos **muito** interessantes, mas esses textos se assemelham a artigos científicos, e só acadêmico lê artigo.
Às vezes, há cuidado em usar termos mais fáceis (por exemplo, falar "r caipira" em vez de "R retroflexo"), mas só isso não garante que um texto seja acessível ou interessante. O principal, a meu ver, um ponto principal é escolher DO QUE falar.
Isso depende, claro, do público. O @iserrapilheira tem vídeos em que um mesmo cientista explica seu trabalho para crianças, alunos de graduação e para especialistas. O meu preferido, que mostro em oficinas de divulgação, é do prof Bruss Lima.
Nesse aqui, ele explica o trabalho dele para crianças. Bruss estuda sinais elétricos do cérebro e tem hipóteses mto específicas, mas aqui ele fala algo que desperta o interesse do público infantil: o que é um pensamento? Vejam os outros vídeos no YT.

Eu quero só colocar aqui o título dos três vídeos do Bruss:

O que forma o nosso pensamento? (p/ crianças)
Como as diferentes áreas do cérebro se comunicam? (p/ graduandos)
Por que um mesmo estímulo é processado por diferentes áreas do cérebro? (p/ especialistas)
É a mesma pesquisa, mas a seleção de informações muda. Com certeza o Bruss adora falar de processamento paralelo (veja o 3o vídeo), mas talvez uma criança se interesse mais em saber o que é o pensamento, e ele fecha o foco dele nisso (sério, vejam os vídeos. eles são fabulosos).
Nós, acadêmicos, amamos TUDO sobre o nosso trabalho. Desde a concepção do objeto até nossos métodos de pesquisa, achamos que só é possível compreender o que fazemos se explicarmos tudo, tintim por tintim. Pq achamos isso? Ora, pq isso é o que se espera de um artigo científico!
Mas leitores acadêmicos não são pareceristas. Portanto, antes de escrever divulgação científica, temos que nos perguntar: que assunto do meu trabalho costuma despertar o interesse dos meus amgs não acadêmicos? E aí focamos nisso.
Às vezes, isso é muito fácil. Uma das minhas pesquisas é sobre nomes de Pokémon. É facílimo fazer as pessoas quererem ouvir sobre isso. Quem trabalha em ciências aplicadas também tem essa facilidade. Você pesquisa se o ovo é vilão ou mocinho?! Todos querem te ouvir.
Às vezes, é difícil. Outra pesquisa minha é sobre resolução de pronome ambíguo. Se eu falar esse título, a pessoa já dorme. Se eu falar do que eu realmente gosto nessa pesquisa (que é o modelo bayesiano pra resolução de pronome), eu mato alguém de tédio.
Então o meu objeto de pesquisa, minha teoria e os meus resultados são pouco interessantes. Mas eu posso cutucar a curiosidade pelo método: pra investigar isso, a geste rastreia o olho da pessoa para saber pra onde ela tá olhando qdo escuta uma frase.
Geralmente o pessoal se interessa por isso. Vou falar pouco da pesquisa, ela provavelmente vai servir só como exemplo do método, mas é o que posso usar pra mostrar que entender pronome é algo dificílimo que fazemos sem esforço (ainda preciso escrever esse texto, por sinal).
Uma participante da oficina da @revistaroseta me disse que trabalhava com uma certa construção sintática numa língua indígena específica. Talvez as pessoas não queiram ouvir sobre sintaxe, mas têm curiosidade sobre pq ela faz isso, como ela consegue os dados, como +
ela estuda uma língua que ela não fala... Vai doer o coração ñ abordar TODOS os aspectos do trabalho? Vai. Vai doer ser pouco específico sobre o tema e falar algo que não é errado, mas é genérico? Sim. Vai doer deixar de lado justamente aquilo que vc mais gosta? Claro.
Mas let it go. Vc tem que se lembrar pq tá fazendo isso: não é para defender sua hipótese frente a acadêmicos, nem pra transformar seu interlocutor num especialista, nem para dar uma aula. É para despertar o interesse de alguém. Pra isso, foque no que é interessante para o outro.
No caso da linguística, ainda é pra explicar que essa ciência existe hehehe. Me alonguei demais. Se quiserem, os slides da oficina que costumo dar estão disponíveis aqui: mahayana.me/oficinaroseta.…
A @revistaroseta também fez um Guia do Autor com exemplos de como começar um texto (foco em linguistas). Se você trabalha com linguística (independente da área), escreva pra gente.

roseta.org.br/wp-content/upl…

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