Thread by @Depoisdas19

Oyèrónké Oyěwùmí – Conceitualizando gênero: A fundação eurocêntrica de conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas

No Mês das Pretas é preciso também afrocentrar as discussões, nada melhor do que com as palavras introdutórias de Oyèrónké

"Feministas usaram seu poder recém-adquirido nas sociedades ocidentais para transformar em questões públicas o que antes era percebido como os problemas particulares das mulheres."

"As feministas mostraram como os problemas pessoais das mulheres, na esfera privada, são na realidade questões de ordem pública, constituídas pela desigualdade de gênero da estrutura social."

"É evidente que as experiências das mulheres euro/estadunienses e o desejo de transformação forneceram as bases para questões, conceitos, teorias e preocupações que produziram a pesquisa de gênero."

"Pesquisadoras feministas utilizam gênero como o modelo explicativo para a subordinação e a opressão das mulheres em todo o mundo. De uma só vez, elas assumem a categoria "mulher" e sua subordinação como universais. Mas gênero é acima de tudo uma construção sociocultural."

"Muitas estudiosas têm criticado o gênero como um conceito universal e têm demonstrado o quanto essa categoria é particular da política das mulheres brancas anglófonas, especialmente nos Estados Unidos."

"Talvez a crítica mais importante das articulações feministas de gênero seja aquela feita por uma série de pesquisadoras afro-americanas, as quais insistem que nos EUA não é possível de maneira alguma que gênero seja considerado independente das noções de raça e de classe."

"Essa posição levou à necessidade de insistir na diferenciação entre as mulheres e de teorizar múltiplas formas de opressão, particularmente aquelas nas quais as desigualdades de raça, gênero e classe são evidentes." +

+ "Fora dos EUA, as discussões têm focado na necessidade de prestar atenção ao imperialismo, à colonização e outras formas locais e globais de estratificação, que dão peso à afirmação de que o gênero não pode ser abstraído do contexto social e de outros sistemas hierárquicos."

"Embora o feminismo tenha se tornado global, é a família nuclear ocidental que fornece a base de grande parte da teoria feminista." +

+ "Assim, os três conceitos centrais que têm sido o pilar do feminismo são: mulher, gênero e irmandade [sororidade], são apenas inteligíveis quando se dar atenção especial à família nuclear da qual emergiram."

"A família nuclear é uma família generificada por excelência. Como um domicílio de uma única família, a família nuclear é centrada em uma esposa subordinada, um marido patriarcal e crianças."

"A estrutura da família é concebida como tendo uma unidade conjugal no centro que coloca gênero como categoria natural e inevitável, uma vez que dentro dessa família não há categorias transversais para além de gênero." +

+ "Em uma família homoafetiva, uma família de dois pais, por exemplo, o masculino é o chefe concebido como provedor e o feminino é associado aos afazeres doméstico e ao cuidado."

"O gênero é o princípio organizacional fundamental da família e as distinções de gênero são as fontes primárias da hierarquia e da opressão dentro da família nuclear.Pela msm razão, a igualdade de gênero é a principal fonte de identificação e solidariedade nesse tipo de família."

"No entanto, a família nuclear é um modelo notadamente euro-estadunidense; ñ é universal. Mais especificamente, a família nuclear continua a ser um modelo alienígena, estrangeiro na África, apesar dos esforços para promovê-la feitos pelo pelos Estados coloniais e neocoloniais,"+

+"pelas agências internacionais de (sub)desenvolvimento, pelas organizações feministas, organizações não-governamentais (ONGs) contemporâneas, entre outras."

"Metodologicamente, a unidade de análise é o domicílio da família nuclear q, teoricamente, reduz a mulher à esposa. Uma vez q as variáveis raça e classe não são consideradas família, faz sentido q o feminismo branco, que está preso na família, ñ seja capaz de levá-las em conta."

"A tradicional família Yurùbá pode ser descrita como uma família não-generificada, já que os papéis de parentesco e categorias não são diferenciados por gênero. Significativamente, os núcleos de poder dentro da família são difusos, e não são especificados pelo gênero."

"O princípio fundamental da organização familiar Yurùbá é senioridade, que se baseia na idade relativa, e ñ no gênero; ou seja, as categorias de parentesco codificam de senioridade, e ñ gênero. Senioridade é a classificação social de pessoas baseado em suas idades cronológicas."

"Portanto, a palavra “egbon” refere-se ao irmão ou irmã mais velho(a), e “aburo” para o irmão ou irmã mais novo(a), independente do gênero. O princípio da senioridade é dinâmico e fluido; ao contrário de gênero, não é rígido nem estático."

"Dentro da família Yurùbá, “omo”, nomenclatura para designar criança, é melhor traduzida como rebento. Não há palavras específicas que denotem menina ou menino, num primeiro momento."

"No que se refere às categorias de marido e esposa, dentro da família Yurùbá utiliza-se o termo “oko”, o qual usualmente é traduzido como o marido em português. Esse termo não é marcado por um gênero específico, abrangendo ambos, masculino e feminino."

"“Iyawo” traduzido como esposa em português se refere a pessoa para casar. A diferença entre oko e iyawo não está relacionado a gênero, mas sim a distinções entre aqueles que nasceram membros de uma família e aqueles que se tornaram membros da família através do casamento."

"A distinção entre esses termos expressa a hierarquia na qual a posição oko é superior a iyawo. Desse modo, essa hierarquia não é marcada por gênero, pois uma mulher oko é superior a uma mulher iyawo."

"Na sociedade, em geral, até mesmo na categoria iyawo inclui ambos, homens e mulheres, que são devotos do Orisa (divindades) e são chamados de iyawo Orisa."

"Portanto, os relacionamentos são fluidos e papéis sociais são situacionais, colocando continuamente os indivíduos em funções variáveis, hierárquicas e não hierárquicas, a depender do contexto."

"A família nuclear é uma família conjugal constituída em torno do casal – os cônjuges são centrais. No oeste africano (onde os Yurùbás estão inseridos), é a linhagem que é considerada como família." +

"A hierarquia é um sistema familiar baseado na consanguinidade que se constrói em torno da centralidade dos irmãos e irmãs – relações de sangue."

"A dificuldade em aplicar os conceitos feministas para expressar e analisar as realidades africanas é o desafio central dos estudos africanos de gênero."

"O fato das categorias de gênero ocidentais serem apresentados como inerentes à natureza dos corpos e operarem de maneira dicotômica - binariamente opostas entre masculino/feminino, homem/mulher -," +

+ "em que o masculino é considerado superior em relação ao feminino e, consequentemente, a categoria definidora, é particularmente exógeno a muitas culturas africanas."

"Quando realidades africanas são interpretadas com base em demandas ocidentais, o que encontramos são distorções, disfarces na linguagem e, muitas vezes, uma total falta de compreensão devido à incomensurabilidade das categorias sociais e institucionais."

"De fato, as duas categorias básicas de mulher e gênero precisam ser repensadas."