Eu quero aproveitar essa pergunta (que considero infeliz) pra compartilhar a fala que fiz no @pintofscienceBR esse ano.

Sou pesquisadora em ciências humanas, e minha pesquisa pode gerar certo questionamento sobre "impacto": eu estudo nome de Pokémon (segue o fio 1/15).
Resumindo a pesquisa, minha pergunta é: pq as coisas têm o nome que têm? Algumas pessoas dizem que nomes são arbitrários. Não à toa, um mesmo objeto tem nomes diferentes em várias línguas. No entanto, Sócrates, no Crátilo de Platão, diz que alguns sons da língua evocam imagens.
O /a/, por exemplo, estaria relacionado à ideia de grandeza. O /r/ daria a ideia de movimento. Será que o Sócrates tava certo? Resolvi testar, trabalhando junto com alguns alunos e um pesquisador do Japão. Como testar? Pedimos para as pessoas criarem nomes para novos Pokémon +
e aí analisamos esses nomes. Identificamos que, de fato, as pessoas associam determinados sons a percepções de tamanho. Um desses sons é o /a/, que aparece mais no nome de Pokémons maiores (boa, Sócrates!). O mais legal: resultados parecidos para falantes de português e japonês.
Você pode ler mais sobre a pesquisa nesse link aqui.

blogs.unicamp.br/linguistica/20…
Esse fenômeno que a gente estudou chama simbolismo sonoro: a relação que humanos, independente da língua que falam, fazem entre um som da língua e categorias de percepção como tamanho, velocidade, luz, cor.

roseta.org.br/pt/2018/05/13/…
Um dos motivos de nós termos essa capacidade pode estar relacionado à aquisição da linguagem: fica mais fácil aprender língua se existe um mapa entre o que vc percebe e o que você sente. E aí você me pergunta: e para que estudar isso? Qual o impacto?
Do *meu* ponto de vista (sou linguista) é entender como nossa língua funciona. Só. Um linguista faz isso: descreve língua, a interação de seus falantes com elas e como nós representamos esse conhecimento na nossa mente. O benefício da pesquisa é entender melhor nosso mundo. "Só".
Minha área faz parte das ciências cognitivas. É possível pegar essa pesquisa e se perguntar "hm, se existe ligação natural entre som e percepção, será que a perturbação nessa capacidade explicaria pq algumas crianças tem distúrbios de linguagem?" (tô chutando, ñ é minha área)
ou ainda, será que dificuldade na conexão som/percepção explicaria condições como dislexia, em que há dificuldade de mapear letras com sons da língua? (há pesquisa sobre isso)

Aí vc começa a ver algumas perguntas que *TALVEZ* produzam aplicações práticas a partir dos meus dados.
Mas eu vou estudar isso? De modo algum! Estudar isso requer conhecimento de áreas que não domino. O meu objetivo é produzir conhecimento sobre a língua, e esse conhecimento depois pode (ou não!) ser usado para produzir novas pesquisas, dentro ou fora das ciências humanas.
Talvez nunca seja usada, talvez seja usado só dali muito tempo. Veja o Sócrates: quem imaginou que aquele diálogo, registrado no Crátilo de Platão, mais de 2000 anos depois serviria para estudar um negócio que as pessoas tão chamando de dislexia?

pure.mpg.de/rest/items/ite…
E pro Sócrates e Platão terem chegado até aos estudos da dislexia, precisamos de gerações de pesquisadores de humanidades, que comentaram, anotaram, preservaram e traduziram esses textos, geraram conhecimento sobre a época em que eles foram escritos.
É simplesmente IMPOSSÍVEL saber o que vai gerar impacto até que algo comece a gerar impacto. E, qdo gerar, lembremos que aquilo seria impossível sem o trabalho de mta gente que teve a utilidade de sua pesquisa questionada (que é justamente o que essa enquete faz).
Por fim, ñ se faz um bom cientista sem humanidades. Se vc está trabalhando na criação de tecnologias sem se perguntar qual será o papel delas na sociedade, você tá fazendo isso errado. Se está se perguntando, está fazendo ciências humanas. E vai precisar da nossa ajuda pra isso.

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Jun 19, 2019
Uma thread sobre escrever textos de divulgação científica se vc é pesquisador.

Pra quem não sabe, sou editora da @revistaroseta, revista de divulgação científica da @abralin_oficial. Vou tentar dar umas dicas de como transformar sua pesquisa num texto de divulgação (1/18).
Um disclaimer: há textos e textos de divulgação, com propósitos variados. Aqui, tô falando daqueles curtinhos, que dão uma ideia geral da pesquisa, algo que vc consegue ler em 5 minutos ou menos. Meio que "como explicar pesquisa pro Uber se minha viagem é de 10 minutos".
O maior desafio na @revistaroseta, no momento, é explicar o que é um texto de divulgação científica para nossos colegas pesquisadores. Muitos mandam textos com assuntos **muito** interessantes, mas esses textos se assemelham a artigos científicos, e só acadêmico lê artigo.
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