Thread by @Mathletics1984

[THREAD COVID] Tenho evitado grandes análises e conclusões sobre os números da pandemia porque eles são, na sua maioria, altamente falaciosos

O número de casos é influenciado pelo número de testes, a contagem de mortos não tem sempre uma causa clara, mas há algo bem mais fiável

O site de vigilância de mortalidade do Min. da Saúde (evm.min-saude.pt) permite-nos comparar, dia a dia, os núms de mortalidade dos últs anos e, obtendo a diferença entre o número de óbitos das últs semanas e o padrão, temos uma medida bem mais fiável do impacto do vírus

Desde logo é curioso observar que 2020 estava a ser um ano com números de mortalidade bastante positivos em relação ao período 2016-2019. Até ao dia 8 de Março, 2020 tinha tido menos 2441 mortos do que o ano anterior, e menos 1410 em relação á média dos últimos 4 anos

O registo oficial de óbitos por COVID-19 era, até ontem, 740. Com o comparativo que estou a utilizar, o incremento total desde 17 de Março (data do primeiro óbito oficial e, curiosamente, do 1º ponto positivo do gráfico) é de 1070

Fica portanto a ideia que o núm de mortos com "causa COVID" estava a ser subestimado, sobretudo numa fase inicial (a linha agora já coincide melhor)

O desconhecimento sobre a doença e os seus sintomas, assim como uma escassez na testagem aos próprios mortos, ajuda a explicar

Apesar de tudo, e mais de uma mês após a "chegada em força" do vírus ao nosso país, o número de mortos em Portugal continua abaixo de anos recentes

As medidas de contenção resultaram no sentido de travar a propagação, pelo menos até agora, e "corremos o risco" de chegar ao final do ano com menos mortos do que o normal, em ano de pandemia, o que seria extraordinário, mas isso leva-nos a outra questão

Traçando um gráfico semelhante para o inverno 16/17, reparamos que o surto sasonal da altura teve um impacto na mortalidade bem maior que o do COVID-19

Na pior fase chegaram a morrer + de 100 pessoas por dia em relação ao esperado, num total superior a 4000 entre 12-Nov e 08-Fev

publico.pt/2017/10/13/soc…

Isso foi notícia apenas no fim de Outubro e, sabemos agora, podia ter sido suavizado e deve ser evitado no futuro, mesmo que com medidas mais leves do que as actuais (teletrabalho é uma das óbvias) e com incentivos a práticas de higiene recorrentes

Voltando ao COVID, estes dados permitem-nos também ver como o vírus está a afectar certas regiões de forma diferente

Entre 5 e 8 de Abril, o distrito de Aveiro (que inclui Ovar) chegou a ter uma mortalidade mais de 50% superior ao esperado

Porto e Braga estão em planalto, mas aparentemente com uma taxa de infecção bem superior às de Lisboa e Setúbal, onde o incremento na mortalidade chegou apenas aos 10% nos piores períodos

Em distritos de tamanho médio, Leiria é o verdadeiro caso de sucesso

A diferenciação por idade dá-nos uma perspectiva muito interessante

Sim, o vírus afecta sobretudo a população mais velha e assim tem sido desde meados de Março, onde a sobremortalidade dos idosos tem estado sempre entre 10 e 20%

No entanto, o efeito das medidas de confinamento notam-se sobretudo na população em idade activa, visto que não só está menos exposta ao vírus como está menos exposta a outros riscos (acidentes rodoviários, etc)

Ontem morreram menos 44% de pessoas até 55 anos do que é normal

Ainda era possível aprofundar mais, mas daqui já se tiram lições

1) É possível salvar muitas vidas sendo mais racional nos comportamentos em qualquer período de actividade viral. Isso está a acontecer nesta epidemia, mas já podia ter acontecido noutras

2) O COVID-19 parece já ter atingido o seu (primeiro) pico, mas é preciso muito cuidado porque isso não é verdade para alguns distritos bastante populosos

3) O lockdown a Ovar foi das medidas mais importantes tomadas pelo governo

4) O número de mortos devido ao COVID-19 foi, mt provavelmente, subestimado, mas ainda assim está longe de surtos virais recentes

5) É preciso muito cuidado com as conclusões que se tiram de análises superficiais e baseadas em dados pouco fiáveis