O day-after. Trago notícias do front inimigo. Não sabemos ainda o que a próxima sexta-feira nos reserva, já que as duas anteriores foram muito animadas. Uma coisa, porém, é certa: a saída de Moro do governo abalou as estruturas da rede bolsonarista no WhatsApp
Bolsonaro construiu silenciosa e obstinadamente sua rede no WhatsApp nos últimos seis anos. Há relatos que dão conta de que, desde pelo menos 2014, o atual presidente vinha arrebanhando grupos privados para erguer seu império
No WhatsApp, a rede bolsonarista é ativa distribuidora de links, e conta com participantes engajados que convocam para votações em enquetes favoráveis ao governo, tuitaços e outras manifestações. Por isso foi surpreendente acompanhar o silêncio dessa rede durante algumas horas
No Twitter, não houve hashtag com o objetivo explícito de desqualificar Moro como houve com Mandetta. Até por volta de meia noite, não havia sequer uma hashtag em defesa ao presidente, como de hábito
Mas o movimento mais curioso, eu diria, se deu mesmo no WhatsApp. Os primeiros minutos após o pronunciamento de Moro, às 11h, testemunharam um êxodo significativo de usuários dos grupos
Alguns administradores da rede bolsonarista, decepcionados, mudaram os nomes dos grupos para BolsonaroTraidor ou similares. E, ainda mais significativo, foram criados os primeiros grupos explicitamente moristas no WhatsApp
Os títulos eram variações de "Moro Presidente 2022". Alguns desses grupos, tomando emprestado o modelo dos agora rivais, abriram frentes regionais, como "Nordeste 100% MORO". Muitos foram criados pelos mesmos usuários, o que é também algo comum do outro lado
Os grupos bolsonaristas procuraram conter a sangria injetando mais números em massa em seus grupos. Mas os convites para grupos públicos moristas não paravam de circular. E eles também aderiram ao cadastro em massa de usuários em suas fileiras
Como os convites para os novos grupos não paravam de chegar, a base morista sofreu muitos ataques nas suas primeiras horas. Como é comum em grupos públicos de discussão política no WhatsApp, os canais foram invadidos por hostes adversárias
Tanto bolsonaristas quanto usuários de diversas matizes de esquerda declararam guerra por meio de táticas já há muito conhecidas, como o flooding de figurinhas ou o compartilhamento de imagens e links pornográficos, com o objetivo de afugentar ou pelo menos neutralizar o inimigo
No fim de semana, um padrão saltou aos olhos. Os grupos moristas estavam muito mais ativos que a maioria dos grupos bolsonaristas. Para se ter uma ideia, em um intervalo de seis horas, no sábado, havia grupos moristas com média de 87 mensagens por hora
No mesmo intervalo, entre cerca de 150 grupos bolsonaristas que monitoramos, o mais ativo deles gerou 71,5 mensagens por hora. Uma rara exceção, diante dos demais que, quando muito, superavam por pouco a faixa das 20 mensagens em média
Outro dado relevante, que até mesmo ajuda a explicar esse panorama anterior, é o de que os grupos moristas são muito diferentes, em comportamento, dos grupos bolsonaristas. A rede de Bolsonaro se notabilizou por compor uma estrutura de comunicação basicamente transmissional
Já a rede morista, não. A novidade é que estamos diante de uma rede com característica conversacional clara. Ao menos nesse primeiro momento, os usuários estão ali para discutir, e muitas vezes divergir
Naturalmente, a tendência é que, em algum momento, esta rede se homogeneize, e tenhamos menos debate e mais conformidade. Mas o que se vê, até aqui, é que estes usuários reiteradamente tecem críticas ao que eles próprios têm denominado de "gado" bolsonarista
Com a rede morista, temos a oportunidade de acompanhar os primeiros passos no desenvolvimento desses circuitos. Se Moro terá interesse ou saberá se aproveitar disso tão bem quanto Bolsonaro, só o tempo irá dizer
Mas este me parece que é o alvorecer de uma base morista no WhatsApp que veio para ficar. Periga 2022 as correntes progressistas, que seguem visivelmente desarticuladas, terem não apenas uma, mas duas militâncias aguerridas no WhatsApp para enfrentar
