Muito tem se discutido sobre a pertinência de manter ou derrubar estátuas de figuras históricas com problemas. A primeira vez em que o tema chegou a mim foi em Brasília.
Queriam trocar o nome da Ponte Costa e Silva para Honestino Guimarães - estudante morto pelo regime militar. O tema não é nada simples, evolve um debate profundo e algo subjetivo sobre justiça, temporalidade e o papel dos monumentos.
Para mim, o caso dos monumentos às bandeiras e a sua conotação racista é vítima de uma dupla apropriação.
Primeiro, uma da historiografia paulista clássica de tornar heróis homens do sertão, de um histórico nada nobre, com o objetivo de enaltecer o "frontiersmen" brasileiro.
Primeiro, uma da historiografia paulista clássica de tornar heróis homens do sertão, de um histórico nada nobre, com o objetivo de enaltecer o "frontiersmen" brasileiro.
Agora, adotam-se conceitos contemporâneos para julgar um fenômeno social dos profundos sertões no Século XVIII.
A quem os condene, afirmo que não abono a crueldade das bandeiras. Na medida em que o movimento entra na pauta contemporânea, sua conduta - já condenável à época - torna-se absolutamente indefensável.
Derrubar a estátua é menos um agravo aos bandeirantes e mais um golpe no imaginário paulista da República Velha, com o que poucos hoje se importam. E Borba Gato não ficará chateado onde quer que se encontre. Talvez até agradeça aos que terminem com essa aberração estética.
O debate central é pertinência da celebração de figuras que - ao menos hoje - são vistas como opressoras por parte importante dos brasileiros.
Se queremos nos afirmar como um povo verdadeiramente multiétnico, a cabeça de algumas estátuas é o menor dos preços a se pagar dentro de uma agenda que não é apenas cultural. O que é certo é que o peso simbólico da iconoclastia vai se dissipar à medida que ela avance.
Ninguém se preocupa muito com Borba Gato. E o monumento de Brecheret? Mais simbólico, mas vai. E as estátuas de Tiradentes, dono de escravos? E aqueles que já querem sumir com os bustos de Álvares Cabral que há por ai? Ou outros que do outro lado acusem Vargas? Ou Zumbi?
Aqui na minha UFPR, a briga em torno do busto de Flavio Suplicy de Lacerda - ministro da Educação da ditadura - se desenrolou por anos a fio com estudantes retirando e sumindo com o homem.
A solução, recente, foi a criação de um memorial à ditadura a ser montado em torno do busto. Em alguns casos, a informação é o melhor caminho.
Haverá fatalmente um ponto de tensão no momento em que o Monumento às Bandeiras de Brecheret entre na mira. A estátua me incomoda, estabelece uma divisão que, por ainda existir entre nós, não é meramente um fenômeno do passado.
Derrubamos? Quem sabe caberia, em frente, criar um antimonumento, do mesmo porte e estilo, a retratar a resistência de indígenas e africanos contra as investidas bandeirantes. Quem sabe de Zumbi e dos índios de M'Bororé que botaram as bandeiras para correr?
Na batalha dos símbolos expostos, no fim, a tendência é a acomodação em algum meio termo. O que fica - e é importante - é que se reconheça a complexidade de figuras usadas aqui e acolá como heróis e vilões.
