Thread by @andrevbt

Sobre um calcanhar de Aquiles do projeto do Ciro Gomes, segue o fio:

1) O PDT está feliz pela recém conquistada posição nas alianças político-partidárias de esquerda. Mas elas, por si só, não significam capital eleitoral. Que o diga Alckmin em 2018. Muito palanque, pouco voto.

2) Daí se estabelece um problema fundamental para o projeto de Ciro, para o qual ainda não há resposta clara, a não ser uma vaga crença no poder de convencimento, típico de quem cultua um debate e não compreende eleição como mobilização de paixões;

3) De pouco adianta o desejo de que o debate pública seja racional e movido pela arte do convencimento. Um líder tem de meter a mão na realidade nua e crua. Projetos políticos falam para o lado afetivo, psicológico, emotivo, para o imaginário das populações;

4) Ciro Gomes não tem uma base eleitoral [base social] que lhe permita alavancar esse projeto. Ele não sabe ao certo a quem se dirige. O dilema já estava nítido em respostas de Mangabeira Unger a jornalistas: ele dizia que o foco devia ser os ''empreendedores populares'' do NE;

5) O NE é um dos principais focos do messianismo politico no país, mas isso causa repulsa em Ciro, que gostaria que tivéssemos a cultura política de uma Suécia. Graças a Deus não temos, e não nos faz falta. Espero que não faça falta também ao Ciro, patriota que é;

6) Tampouco há ''empreendedores populares'' na região. Unger usava o termo pra se referir à ficção da nova classe média, vendida pelo PT, e que teria uma base evangélica. O NR é a região menos evangélica e mais católica-romana do país;

7) Se Ciro entende por ''empreendedor'' o pobre católico-romano que tem de vender o almoço pra compra a janta, tudo bem. Porque, no fundo, seja no NE ou no SE, é disso que se trata. Pobre se vira, não ''empreende''. E se vira orientado por valores religiosos;

8) A esquerda não suporta que os pobres tragam a religião para a política. Mas eles nunca deixaram de fazer isso e não deixarão de fazê-lo em qualquer horizonte discernível. Não somos um país iluminista, nosso povo nunca foi varrido pelas ''luzes da razão'';

9) Iluminismo entre nós é um dos fetiches de parte da classe média. Mas só parte, porque boa parte dela já se abraçou ao pós-iluminismo, e é também movida explicitamente por narrativas de teor mitológico antes que por ''convencimento racional em um debate público'';

10) Ciro precisa de menos Tomás de Aquino e Ratzinger, e muito mais Antônio Conselheiro, Pde Cícero, Sepé Tiaraju. O catolicismo que encanta nosso povo não é o das bulas papais ou dos tomos teológicos, mas o popular, de êxtase, transe, da era franciscana do Espírito Santo;

11) De modo que, querendo falar para o povo, tudo que Ciro consegue é falar pro núcleo esquerdeiro pequeno-burguês que, além de não ter voto pra eleição majoritária, e ter tendência a se dividir fortemente em apoio a Haddad, gera uma imensa repulsa no seio da população;

12) Boa parte do eleitorado de Bozó são pessoas que não estão nem aí pra liberalismo, americanofilia ou diminuição do Estado, mas já não aguentam mais progressismo de classe média orientando o Estado. Ciro está vendendo peixe para aqueles que as classes populares tem por rivais;

13) É uma estratégia furada, que afasta uma maioria esmagadora de votos pra investir em nichos altamente minoritários. Se Ciro percorrer esse caminho, seus palanques de esquerda serão insuficientes pro projeto que pretende viabilizar.