Esse é mais um fio sobre uma das ideias falhas que permeiam a Reforma Administrativa, especificamente quanto às avaliações de desempenho propostas pelos seus defensores. Segue:
Os integrantes do Instituto Millenium propõem que haja uma ampla reforma de RH no setor público. Segundo os mesmos, a reforma precisa promover uma melhora na gestão de pessoas.
Contudo, é importante examinarmos o que significa uma melhor gestão de pessoas para eles, o que está claro e cristalino nessa entrevista da economista Ana Carla ao jornal O Povo:
Esse pensamento também permeia o documento formulado pela citada economista, juntamente com o também economista Armínio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld, que pode ser visto aqui: iepecdg.com.br/wp-content/upl…
Assim, aparentemente, as propostas desse grupo para melhorar o RH público seguem o trio avalição > recompensa > punição > demissão. E qual seria o problema disso? O problema é que esse modelo já falhou antes e provavelmente vai falhar de novo.
Em 2002 foi aprovada a Lei 10.404, que instituiu a Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico–Administrativa – GDATA. Essa gratificação objetivou criar os incentivos financeiros para promover maior produtividade no setor público, em analogia ao setor privado.
A magnitude dessa gratificação dependia de avaliação de desempenho individual e institucional, sendo a primeira com maior peso no valor final atribuído à folha de pagamento do servidor público.
Contudo, estudos mostram que essa avaliação de desempenho falhou miseravelmente. O IPEA produziu um documento que buscou avaliar a efetividade da GDATA, que pode ser acesso aqui: repositorio.enap.gov.br/handle/1/690
No texto, os pesquisadores constataram que:
Ou seja, os dirigentes não eram avaliados. Mostrei nesse fio aqui que eles são responsáveis por medidas de gestão que impactam na produtividade dos servidores.
Logo, dirigentes/gestores ruins derrubam a produtividade de bons servidores e não são sancionados por isso. Um segundo problema constatado pelo IPEA foi o seguinte:
Com base no exposto acima, apresento a vocês, senhoras e senhores, o famoso rodízio. Como a norma previa que apenas uma quantidade de servidores poderiam progredir ou receber os maiores valores na avaliação de desempenho, os servidores se organizavam [...]
[...], com a batuta do chefes imediatos, para que todos ao final do ano ganhassem os valores máximos da GDATA.
E porque isso acontecia? Segundo os pesquisadores Rebeca Chu e Thomaz Wood Jr., quando da coleta de dados em entrevistas com 25 gestores, 16 brasileiros e nove estrangeiros, sobre os traços da cultura organizacional brasileira, constataram o seguinte:
Também observaram que:
O curioso é que os gestores entrevistados eram todos do setor privado. Contudo, essas categorias de análise notoriamente também se aplicam no setor público.
Entretanto, a cultura organizacional não deve ser visto como o único fator explicativo para o fracasso das avaliações de desempenho da GDATA. Temos mais evidências para rejeitar a eficácia das avaliações que estão sendo novamente propostas.
O primeiro ponto tem relação com o problema da multitarefa. As instituições de serviço público muitas vezes têm que fornecer produtos e serviços complexos, como ‘‘ boa saúde ’’ ou ‘‘ boa educação ’’, de difícil mensuração. academic.oup.com/pa/article-abs…
Especificar todos os aspectos dos serviços prestados na Adm Pub é muito difícil. O resultado é que pessoas motivadas, sujeitas a um sistema de desempenho, têm um forte incentivo para cumprir apenas o que é fácil de medir, ou seja, [...]
[...]os aspectos quantificáveis relacionados ao desempenho de uma tarefa. O que não é fácil de medir é desconsiderado, embora possa ser importante para o cumprimento da tarefa.
E nem preciso mencionar que isso atrapalha todo o fluxo processual necessário para o cumprimento da tarefa como um todo, ocasionando perda de eficiência no processo, e logo, perda de produtividade.
Uma avaliação de desempenho mais subjetiva poderia resolver o problema da multitarefa, mas, em vez disso, criaria os mesmos problemas da GDATA. Os procedimentos subjetivos de avaliação de desempenho estão sujeitos a vieses cognitivos sistemáticos na avaliação.
Isso acontece inclusive na iniciativa privada: vide o caso dos motoristas de aplicativos e os bloqueios injustos que eles sofrem: reporterbrasil.org.br/2020/07/entreg…
De uma perspectiva político-econômica, a aplicação de recompensas atreladas ao desempenho também traz o perigo de manipulação política. Os pesquisadores têm se focado nas possibilidades e incentivos dos políticos para manipular os critérios pelos quais são avaliados.
Nessa visão, avaliar o desempenho de agentes de serviço público de alto nível (e também de políticos) não faz sentido porque são esses indivíduos que decidem os próprios padrões pelos quais são remunerados. jstor.org/stable/20159282
Isso significa que sou contra avaliações de desempenho? De forma alguma! Mas é importante relevar o conhecimento científico sobre o tema e não repetir os erros do passado.
Para isso, o importante seria uma implementação de uma “avaliação da avaliação”. E como isso poderia se dar? Felizmente, o atual governo, vez ou outra, faz coisas pelas quais vale uma salva de palmas.
Uma delas é uma ampla pesquisa de Clima Organizacional prevista para setembro agora. gov.br/economia/pt-br…
Nos componentes da pesquisa relativos ao apoio institucional, indicadores sobre a qualidade do sistema de avaliação de desempenho e sua justeza poderiam ser incluídos. A própria secretaria responsável pela pesquisa [...]
[...] poderia intervir e monitorar órgãos com avaliações deficientes e ruins. Os gestores deveriam ser também avaliados, com o uso da mesma ferramenta. Gestores que pioram rotineiramente um indicador de Clima Organizacional deveriam sair da função [...]
[...] dado que gestores ruins derrubam a produtividade de toda uma equipe. E por fim, a avaliação do desempenho de servidores deveria constar de sistema de informações próprio, o qual pudesse auferir esquemas indevidos de rodízio e que discriminasse os critérios de avaliação.
Como já foi dito e repetido por aqui, mudar tudo para deixar como está não é mais aceitável a essa altura.
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Chegou a Reforma Administrativa. Um dos princípios dela é a promoção de maior eficiência e produtividade dos servidores públicos. Reparem que falei ‘servidores públicos’ e não do serviço público. Vamos a um fio para mostrar que dificilmente essa eficiência será significativa:
A reforma parte do pressuposto de que a produtividade no serviço público decorre exclusivamente do servidor, ignorando que a produtividade TAMBÉM é impactada, e muito, pela gestão dos dirigentes. Mostro a seguir a base científica para tanto.
Existe uma área de estudos na Administração chamada de Public Service Motivation (PSM) –Motivação no Serviço Público. Esses estudos mostram que: