A ideia de "marcar" no futebol sempre esteve relacionada à ter jogadores que roubam a bola e são fortes.
Isso vem mudando.
Hoje, marcar é um exercício de tirar espaço do adversário, justamente o que o Flamengo não fez no massacre do Independiente Del Valle.
Segue o fio👇
Dá para tirar espaço de muitas formas: deixando quem está com a bola livre e cercando quem tá ao redor, impedindo que o passe seja feito, ou pressionando ao máximo a bola para roubar e não deixar o time jogar.
O Flamengo optou pelo segundo jeito.
Para ganhar em musculatura, o mecanismo de Dome foi fazer Gérson saltar o tempo todo no zagueiro com a melhor perna e deixar Gabigol, ainda fisicamente abaixo, no volante que fazia a saída de três. O @schmidt_felipe desenhou aqui.
Não adianta só tentar roubar, é preciso certificar de que o adversário não vai escapar dessa pressão. Veja que o Gérson avança pra ir dar aquela pressão no zagueiro aqui.
Como a ideia é roubar e roubar o tempo todo, o Michael se junta a ele. Mais gente contra um só.
Só que NINGUÉM vigiou o meia que passeava nas costas do Gabriel e do Diego, que aliás, ficam parados o jogo todo.
O Arão percebe o perigo e até corre pra ajudar...
Só que o descuido do Fla é tão grande que o Del Valle já leu TODA A JOGADA.
Aquele meia que ficava nas costas vai receber a bola e já entendeu que tem outro jogador livre e que vai receber.
O Diego até corre. Mas estamos falando de um time num outro patamar de inteligência.
O Del Valle mantém um trabalho de base há anos, já tinha um técnico espanhol antes do Ramiréz. Mais que organizado, é uma equipe preparada para identificar fraquezas no rival.
Sabe como foram construídos quatro dos cinco gols no Flamengo?
Em lances exatamente como os acima.
O terceiro gol do nó tático é o melhor exemplo.
O Flamengo vai que nem índio roubar a bola. Isla e Arrasca se embolam no mesmo espaço, Isla e Gérson também.
Enquanto isso, Arão de novo tá sozinho.
Mas o principal problema é aqui, na linha defensiva. Ela tá totalmente desorganizada. Cada um tá pra um canto.
R. Caio faz o que dá, só que o Léo Pereira não avançou como manda a linha alta e deu espaço para que o jogador nas costas do Arão infiltre, receba e continue o lance.
Esse espaço, um puro erro de posicionamento como tantos no jogo, é mortal.
Em apenas quatro segundos, o Del Valle chega no ataque em igualdade numérica com o Flamengo. Arão fica sobrecarregado e vendido como antes e corre, já errado, pra diminuir o espaço.
E aí o passe do cara que infiltrou tira o Arão da jogada e termina de machucar o Flamengo, que até fez a linha de defesa quando deveria se proteger mais ao tentar roubar a bola.
É um gol gerado por vários erros...o maior deles é não tirar espaço de um time tão rápido.
Como o @vitorsergio falou na transmissão, essa primeira linha de marcação do Flamengo - que era quem deveria roubar a bola - estava tão frouxa que todo mundo fazia o que queria.
Gabigol ficava parado.
Michael corria.
Éverton ficava no lado.
Tudo desconexo.
Mesmo um meio mais precavido com Thiago Maia, como muita gente notou, não surtiria efeito.
Veja: o problema é coletivo, não individual. Não bastava colocar um cão de guarda ali. O meio ficou aberto o jogo todo. O Del Valle só soube aproveitar isso da melhor forma possível: gols.
É normal a torcida espumar de raiva com Dome...fomos criados assim e isso nunca vai mudar.
Mas é nesse momento que é preciso ser racional.
Pequena pergunta: a diretoria sabia que tudo mudaria quando contratou o catalão?
Outra pergunta: a diretoria vai colocar tudo na conta do técnico, como sempre é feito no Brasil, ou vai estabelecer PROCESSOS e cobrar quem deve ser cobrado por uma derrota tão dura?
E uma última pergunta: você sabe que Miguel A. Ramiréz ficou um ano nas categorias de base do Del Valle, com um espanhol no time profissional, antes de ser promovido?
Sabe que os jogadores lá são formados por anos e anos no clube, jogando no mesmo estilo e sob o mesmo processo?
Numa derrota tão dura é fácil encontrar culpados. Falar que o Diego não dá, que o Gabriel tá péssimo.
Mas futebol é coletivo. Assim como marcar é um ato de negar espaços e não ir roubar a bola com tudo.
Entender isso é o que difere o Flamengo do Del Valle hoje.
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O Palmeiras de Abel Ferreira segue batendo recordes.
Equipe já histórica no Brasil, o time que vem executando o Jogo Posicional de maneira cada vez mais ofensiva.
Os 33 gols na Libertadores são uma prova.
Mas, afinal, como que funciona o jogo posicional? Segue o fio👇
Ano passado, no SporTV, o treinador Abel Ferreira deu uma verdadeira aula (como sempre faz em suas coletivas) e explicou que sua ideia principal de jogo, ou seja, a forma como organiza os jogadores em campo é o que podemos chamar de Jogo Posicional, ou Jogo das Posições.
Abel revelou que divide o campo em quadrados e diz o seguinte:
"Digo muito aos jogadores para aguentarem dentro do quadrado. Imaginem um quadrado e o jogador tem que esperar a bola chegar. Precisa de tempo para o jogador perceber que pode jogar muito mesmo sem tocar na bola".
Se o elenco não é montado pelo treinador, ele precisa se adaptar ao elenco e encontrar soluções para encaixar o time com o que tem.
Não é regra, mas na maioria das vezes, essas soluções não produzem um tipo de jogo que o torcedor gosta de ver.
Atacar é um sistema de ações. O time tem que iniciar bem lá de trás, construir bem no meio e criar espaço na defesa adversária para que a bola chegue nos finalizadores com qualidade. Com tempo e espaço.
Não basta ter talento. Atacar é complexo, leva tempo para acontecer.
Você já parou pra pensar que todo mundo vê o MESMO jogo? Como pode ter tanta opinião diferente sobre a mesma coisa?
O gol do Deyverson na Libertadores é um exemplo.
Foi uma falha do Andreas. Foi também uma tática criada pelo Palmeiras. As coisas não se anulam!
Segue o fio⬇️
O escritor David Foster Wallace diz que é impossível sabermos a verdade, porque tudo o que vivemos e pensamos teve um protagonista, um filtro, que é nossa mente.
Tudo o que você sabe sobre o mundo tem você como protagonista. Logo, é impossível não ter viés. Por mínimo que seja.
O futebol é o maior exemplo do que Wallace fala.
O jogo que você vê é aquele que sua mente diz pra você. Não exatamente o que aconteceu. Por isso tem tanta opinião diferente sobre o gol de Deyverson: cada um puxa a sardinha pra um lado diferente da história.
Se o adversário te enfrenta para se defender, todo na área e fechando espaços, o que você faz:
reclama na coletiva?
ou pensa em soluções?
O Flamengo de Renato Gaúcho peca no último quesito. Simplesmente por não ter mecanismos para criar o que faz o time jogar: espaço. Fio🔽
Não existe futebol sem espaço. Pode ser um metro, dez metros, campo inteiro: pra um jogador fazer o gol, precisa ter nem que seja meio metro para chutar.
Levar a bola da defesa até o ataque também. Eles precisam, como time, criar espaço no adversário.
Existem muitos jeitos de criar espaço numa defesa.
Todos eles se resumem a tirar um jogador do lugar em que ele está, para que aquele espaço esteja desocupado e seja aproveitado pelo time.
Um exercício de atração. De "ludibriar" o oponente.
Dizem que o Brasil tem 200 milhões de treinadores.
Mas você entende aquele um que tá lá na beira do gramado?
O jogo em que o Palmeiras bateu recordes no Brasileiro é um bom exemplo de como é fundamental entender a lógica do seu treinador para compreender suas decisões. Fio🔽
A vitória do Palmeiras por 2 a 1 no Sport foi o jogo em que o time mais chutou (36), acertou o gol (16) e acertou cruzamentos (14) no ano.
Foi, inclusive, o jogo em que uma equipe mais finalizou a gol e mais acertou o gol em qualquer jogo do Brasileirão desde 2013.
Massacre.
Parte da melhora do time veio com a entrada de Gustavo Scarpa no 2º tempo, no lugar de Danilo - que vem fazendo algumas partidas abaixo.
Scarpa é o maior assistente do Brasileirão. Foi dele os escanteios dos dois gols, de cabeça, que deram a vitória.
Há uma discussão muito grande sobre falta de drible no futebol.
Esse debate é respondido sempre do ponto de vista individual: falta talento, falta driblador, o técnico é ruim…
Se olharmos para o jogo, veremos que a resposta não está no indivíduo, mas sim no coletivo. 🔽
Muito do que pensamos sobre o drible vem do mito, do imaginário construído sobre ele. Afinal, o futebol é um fenômeno dentro de uma coisa maior, o jogo, uma atividade lúdica. Competitiva, mas lúdica, o que faz com que o futebol jamais seja uma atividade puramente racional.
É normal puxar esse imaginário quando julgamos que falta drible, seja naquele time que não consegue furar uma retranca e fica tocando de lado (alô, Flamengo) ou naquele jogo da Seleção em que o Twitter vira um lamaçal de reclamações.