Com o final do mangá, vamos conversar sobre a ARTE e o DESIGN de Attack on Titan/Shingeki no Kyojin, seus pontos fortes e fracos etc? Vamos. Segue o fio:
Primeiramente antes de tudo: não me interessa suas opiniões políticas acerca das opiniões políticas do Hajime Isayama, nem sua opinião sobre o final do mangá. Essa thread é SEM SPOILERS, mas eu vou abordar alguns eventos da quarta temporada do anime sem entrar em detalhes.
Segundamente: vou tentar manter a minha opinião o mais técnica possível e explicar porque certas decisões no mangá e no anime FUNCIONAM. Isso não significa que você não pode odiar SnK ou seilá. Faz o que você quiser. Essa é minha opinião profissional.
Eu vou focar primariamente no ANIME, e tem uma razão para isso que vou explicar no final da thread. AFINAL, porque o design de Attack on Titan funciona? Por um simples motivo: ele mantém um bom nível de suspensão de descrença entre todos os elementos que compõem o universo.
SUSPENSÃO DE DESCRENÇA é o mecanismo psicológico que leva você a aceitar situações absurdas ou fantásticas dentro do contexto narrativo de uma obra ficcional. Exemplo: acreditar que o Superman voa é um tipo de suspensão de descrença. Pessoas não voam, mas NAQUELE universo sim.
Qualquer trabalho fictício se utiliza de suspensão de descrença. Mas os MELHORES roteiros tomam o cuidado em deixar essa suspensão coerente, e isso é administrado com maestria em Attack on Titan, que usa de elementos fantásticos e históricos pra compor a "vibe" da série.
A história se estabelece inicialmente em um universo inspirado na Alemanha do século 18. Toda a configuração urbana e a arquitetura já apresentam indícios do que o leitor pode esperar desse universo: algo entre o medieval e pré-revolução industrial, com pouca tecnologia avançada.
Ao mesmo tempo, já se estabelece alguns elementos fantásticos: as enormes muralhas, muito além do que qualquer tecnologia pré-revolução industrial poderia produzir. Isso indica ao leitor, de forma sutil, que esse universo não é realista, então é esperado algumas licenças poéticas
Mesmo esperando algumas licenças potéticas, a suspensão de descrença só vai até um ponto. Por exemplo: você não acharia estranho os personagens usarem um CELULAR, mesmo que as muralhas demonstrem uma capacidade tecnológica superior a o que a arquitetura medieval indica?
E é isso que Attack on Titan faz muito bem, ele introduz elementos fantásticos de forma coerente e suficientemente convincentes pra situação: as muralhas são robustas, e seu design remete as cidades muradas europeias, o que dá credibilidade ao design MESMO que +
+as paredes sejam infinitamente mais altas. Seguindo o mesmo ponto está a organização urbanística das muralhas como um todo, que não apenas nos fornece mais segurança de que o mundo apresentado é coeso, como também nos dá informações visuais claras da situação política do local.
O autor manteve a estrutura correta da organização urbana baseada em classes: o castelo age como o centro da vida política, enquanto o subúrbio é dedicado as camadas menos favorecidas.
Outro elemento que não é acurado para a época mas é suficientemente convincente são as roupas. Mas eu te digo que essa suspensão de descrença é muito ajudada pelo fato de que as pessoas em geral tem MUITA dificuldade em identificar períodos históricos através da vestimenta.
Enquanto a arquitetura e o contexto urbano e tecnológico em geral claramente aponta para uma sociedade pré-revolução industrial, a moda é mais baseada em modelos de 100 anos depois, especialmente do início do século 19, que tinham essas jaquetinhas curtas:
Isso se dá por alguns motivos: 1) As pessoas não sabem a diferença entre 100 anos de moda. Qualquer bota alta e cordinha já passa credibilidade. 2) Foi uma decisão prática. Imagina desenhar roupas assim toda vez?
O que também que amarrou a vestimenta com o ambiente com sucesso são...as CORES! SIM, a paleta neutra, quase até monocromática, é para amarrar visualmente o espaço com os personagens! Note como as jaquetas remetem aos telhados, as capas as montanhas, e as camisetas a muralha!
Outra clara inspiração foram os designs das jaquetas do exército nazista, apesar do corte geral da roupa dos militares das muralhas serem inspirados em ternos mais antigos.
Um adendo importante: o Japão é FASCINADO pela estética nazifascista. Isso não é uma questão apenas de Attack on Titan: TODA a indústria de animes se inspira abertamente em elementos estéticos produzidos durante o III Reich, especialmente a moda militar.
Outra função clara do design geral dos personagens, as cores, roupas etc é a de passar a sensação de UNIDADE. Visualmente nenhum personagem se destaca. É um artifício comum nos animes se utilizar de cores ou formas de cabelo diferentes para "marcar" o protagonista, mas isso é +
+ propositalmente evitado aqui, com o objetivo de apresentar os personagens como "partes" de uma mesma engrenagem. Isso tem repercussões mais profundas no roteiro, mas de qualquer forma é muito efetivo até mesmo para manter aquele bom equilíbrio entre o real e a fantasia.
A última coisa acerca das roupas, que pra mim dá um toque genial, é o uso dos CINTOS. "Cintos demais" é quase que uma piada recorrente no campo de design de personagens, porque em geral não existe NENHUMA razão prática para existir tanto cinto!
Mas isso não é o caso aqui! Veja que o uniforme tem SIM muitos cintos, mas todos eles são DELIBERADOS por conta da tecnologia que eles utilizam para se locomover. Por isso eu digo que não existem DOGMAS quando falamos de design. Quer fazer muitos cintos? Faça DIREITO!
O uso dos cintos e o fato do equipamento funcionar a ar comprimido (ser mecânico em vez de exageradamente tecnológico) também potencializa o visual pré-industrial da série. Tudo COMBINA, mesmo que não seja historicamente acurado.
O que Attack on Titan nos ensina com todos esses elementos é: TUDO BEM não ser historicamente correto em universos de fantasia, desde que você consiga passar o SENTIMENTO de que é correto para o leitor e manter a sua suspensão de descrença equilibrada entre os elementos.
Vamos nos aprofundar mais em personagens coadjuvantes que também são grandes definidores do universo...os titãs! Eu não estou brincando quando digo que os titãs são um dos grandes contribuintes para o sucesso dessa série. Eles são GENUINAMENTE assustadores e agoniantes.
Mas POR QUE eles nos passam tanta sensação de agonia e terror? Um dos principais motivos é a resolução da anatomia. Primeiro: eles são GIGANTES. Segundo: eles são anatomicamente "tortos" e vem em múltiplos formatos.
Essa técnica é muito usada em filmes de terror. Silent Hill, por exemplo, é muito proficiente em se utilizar de deformações da forma humana para causar nojo e estranhamento:
Attack on Titan, por incrível que pareça, se utiliza de deformações mais sutis, porém igualmente efetivas: os torsos são alongados e os braços finos. Os titãs também podem se locomover de forma pouco natural, o que também provoca a sensação de terror.
Mas acima de tudo, é a EXPRESSÃO que causa a mais efetiva sensação de completo horror. Sabe aquele termo "sorriso que não chega aos olhos"? O mais frustrante na expressão dos titãs é o fato de muitos terem expressões sorridentes, serelepes ou até plácidas, mas esse sentimento +
+ não é retratado se utilizando de TODO o rosto. Se você cortar a expressão entre olho/boca, você recebe dois "sinais" de expressão diferentes, o que nos causa agonia a nível psicológico.
O fato que eles comem gente também ajuda, bora combinar. Mas é um conjunto de fatores que faz deles excepcionalmente assustadores!
E por fim, eu gostaria de falar sobre O ANIME X O MANGÁ. Eu não gosto desses vídeos e textos que falam que o Isayama desenha mal. Ele é, na real, um excelente artista. O maior problema do mangá não é a arte, e sim o DINAMISMO do estilo.
A quadrinização japonesa é pensada para trazer mais dinamismo aos quadros, então eles costumam abusar de imagens que "sangram" entre os quadrinhos.
Isayama tem uma abordagem quase que americana na sua quadrinização. Ele raramente "sangra" as imagens, o que deixa tudo menos dinâmico e mais difícil de ler, considerando a densidade da história:
Outro problema também é o fato de tudo ser preto e branco. A história foi ALTAMENTE beneficiada pelas cores, que deu mais uma forma de diferenciar os personagens. Além disso, os designers do anime fizeram mudanças na forma geral dos personagens, que permitiu maior diferenciação +
+ entre eles. No mangá, com os quadros pequenos, muitas vezes as cenas acabam ficando confusas com a quadrinização travada e os personagens com anatomias e formas semelhantes.
Outra coisa que beneficia o anime é a questão da VENDABILIDADE. O Isayama tem um estilo de desenho MUITO único e particular, com claras inspirações góticas. É basicamente um estilo AME OU ODEIE. Eu particularmente amo, mas não é pra todo mundo.
O anime "suavizou" as particularidades do estilo do Isayama e deixou a história mais vendável pro grande público. Foi MUITO benéfico pra série como um todo.
O que aconteceu na quarta temporada? A mudança de direção e a necessidade de cortar gastos/tempo de produção aproximou o anime ao estilo do mangá, que nem todo mundo ama. Artisticamente falando, foi um IMENSO glow up em relação a 1a temporada, se formos falar apenas de estilo.
Mas com um estilo diferente, o AME OU ODEIE também volta. Não tem muito jeito.
Esses foram os meus 2 centavos sobre Shingeki no Kyojin! Queria ter escrito muito mais, mas essa thread já ta gigante
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Eu preciso muito dividir essa informação com vocês.
É sobre essa pintura de uma bunda feita pelo artista Hieronymus Bosch
Vamos lá 👇
Essa bundinha faz parte de uma obra bem maior: O Jardim das Delícias Terrenas é uma das obras mais conhecidas de Bosch, um artista holandês do final do medievo!
A obra é um tríptico, representando o Jardim do Éden a esquerda, e o Inferno a direita. No meio estão cenas de "prazeres terrenos", sexo, bebida, etc.
"Ah porque tanta gente que quer pagar de artista gosta tanto de Van Gogh"?
Antes de tudo, isso nada tem a ver com Van Gogh em si!
Tal como outros artistas, Van Gogh foi escolhido para virar uma "marca", e é pesadamente promovido por museus e lojas como um produto. Aqui mora+👇
+ o problema: dentro do capitalismo marcas são,infelizmente, referências na construção da identidade pessoal de todo mundo, pra mais ou pra menos.
Então tem gente q acha q se "apresentar" com esses simbolos os dá algum nivel de identificação em relação ao q eles querem ser,+
+ e principalmente uma ideia de que se usar esses símbolos a pessoa será aceita pela "comunidade". O negócio é que a comunidade artística não funcionam exatamente como outros tipos de áreas de trabalho.
Eu tinha 30 anos quando descobri que existe um poeta romano chamado Gaius Valerius Catullus, que escreveu o que é considerado O POEMA MAIS OBSCENO JÁ ESCRITO EM LATIM. A coisa é tão séria que esse poema só foi traduzido oficialmente na sua integridade no SÉCULO 20 🤡👇Vem ver
Pelo que entendi, esse poeta tinha um namorado, um tal de Juventius, que traiu ele com um outro poeta chamado Marcus Furius Bibaculus. Esse Marcus, junto com um outro cara chamado Aurelius, criticaram os poemas do Gaius dizendo que eram "leves demais". Gaius ficou puto, +
+ não sei mais se pela crítica ou pela traição, e resolveu lançar esse poema que é catalogado como CATTULUS 16. Eis o poema traduzido em português 👁️👁️ O cara lançou o equivalente a "vou comer teu c& com farinha" antes de cristo sabe, uma lenda
Esse é "O Homem Chinês", um busto esculpido pelo francês Jean Baptiste Carpeaux, em 1872! E existe uma história bastante bizarra relacionado a ele, que foi apontado pela minha colega Teri Hu, em um grupo sobre descolonização:
Pelo que pude pesquisar, Carpeaux fez esse busto a partir de um modelo vivo! A escultura foi posteriormente usada como molde para um de seus trabalhos maiores, a "Fonte das Quatro Partes do Mundo", feita em colaboração com outro escultor, Eugene Legrain
A escultura tem quatro mulheres, que representam 4 partes do mundo. Inicialmente a escultura que representava a Ásia deveria ser um homem, mas por razões de "equilíbrio e harmonia" foi alterado para um corpo feminino. E é aí que mora a bizarrice: