Tá. Vamos conversar sobre a semiótica da hipersexualização na ilustração, dessa vez focando no caso recente que rolou com o J Scott Campbell- A thread
Pra quem não acompanhou, essa capa do JSC é bem famosa, e como muitos produtos da indústria de quadrinhos americana, tem a personagem MJ retratada de forma hipersexualizada (vou explicar pq depois). Um usuário do tumblr fez uma tentativa de "consertar" isso, desenhando por cima:
O que levantou o ultraje geral da internet foi o fato dessa pessoa ter qualificado a arte do JSC, um artista renomado nessa indústria, de "ruim". Esse caso é um exemplo CLÁSSICO do quão enfadonha essa discussão pode se tornar e quanta besteira pode ser dita de qualquer lado.
JSC, em um esplêndido momento de maturidade, resolveu "consertar o conserto" da pessoa anônima do tumblr, levantando ainda mais discussão sobre o assunto:
Entendam de uma vez: hipersexualização é uma DECISÃO DE DESIGN baseada na forma em que percebemos certos signos. Um desenho hipersexualizado NÃO SIGNIFICA, inerentemente, que ele é RUIM na técnica. Especialmente se estamos falando de um profissional.
O PROBLEMA de trabalhos hipersexualizados é a sua CONSTÂNCIA no mercado. Entender hipersexualiação como uma questão de design ajuda a gente a identificar quando essa solução funciona ou não, e se é positiva ou não no CONTEXTO, tanto da imagem quanto socialmente.
Discutir sobre isso não é meramente falar sobre anatomia ou dinamismo. O ponto principal da discussão é falar sobre como a constância desses signos no mercado naturalizam e dessensibilizam o público a reconhecer marcadores de hipersexualização.
Nesse sentido, é perfeitamente cabível criticar e questionar artistas quanto ao uso de hipersexualização em contextos que você não acredita que sejam necessários. Isso perpetua sim um estereótipo. PORÉM eu posso fazer isso sem tocar UM DEDO no trabalho de pessoas que o fazem.
O trabalho do JSC é sexualizado. Sem dúvida nenhuma. Ele é conhecido pelo seu estilo inspirado em pinups, mas eu acredito que existe uma diferença crucial na forma como ele trata esses signos - o fato de que as personagens que ele desenha não serem desenhos únicos.
Pinups e outros desenhos sensuais tem o sensual como tema. A sensualidade é o objetivo PRINCIPAL da imagem e tudo em volta trabalha para enfatizar isso. Mas essas pinups são apenas isso: pinups. Elas não tem uma história. Raramente sequer tinham um nome.
Não há o interesse em conhecê-las para além do contexto sexual/sensual a qual elas são inseridas. Eu vejo que esse tipo de arte em geral incomoda menos (apesar de haver discussões super válidas sobre o male gaze e tal), porque a gente sabe que o objetivo é esse: a figura sensual.
Mas quando falamos dessa capa específica do JSC, por exemplo, a gente nota que a posição da MJ é inspirado nas pinups...mas ele incomoda pelo fato do CONTEXTO não pedir esse tipo de apelo visual. MJ está tomando chá, esperando o Aranha voltar. MJ é uma personagem que tem um plot+
+, uma história. Ela não é meramente uma imagem única de uma mulher gostosa. Mas mesmo assim nessa imagem ela está PERFORMANDO sexualmente em um contexto que não pede. Note: os braços são estendidos para acentuar o decote apertando os seios dela.
O seu tronco está projetado para cima, para evidenciar ainda mais a posição de "oferecimento" dos seios. O ato de apertar os braços para aumentar o decote e se prostrar para frente é um dos estereótipos visuais de sedução mais comuns que existe. Mas... quem ela está seduzindo?
O Peter, que seria o namorado dela, está de costas para a ação enquanto ela está em primeiro plano. O que nos leva a conclusão de que a MJ, nessa capa, está marcada para seduzir...o leitor. JSC sacrificou o contexto da cena (fazer a gente pensar na história entre MJ x Peter) +
+ em prol de fazer o leitor imaginar a MJ em contextos mais sexuais. Inclusive isso ainda distrai do fato de que o rosto da MJ tem uma expressão que não conta uma história: ela está aflita? Puta? Triste? Fodase, olha os peitão dela.
É isso que a SEMIÓTICA desses signos faz, e o JSC faz isso DE PROPÓSITO. E ele pode ser criticado por isso se você acredita que esse tipo de abordagem é datada ou prejudicial pro nosso contexto social. Eu também acredito que seja, mas isso não significa que a arte seja ruim.
A partir do momento em que você qualifica essas escolhas como "arte ruim" temos um problema. Porque isso permite que a discussão mude de "temos que conversar sobre sexualização na ilustração" pra "Olha como esses homens não sabem desenhar um torso anatomicamente correto!!"
E isso, meus caros, permite no fim das contas que os autores originais mudem a narrativa para ao favor: note como o JSC evitou entrar na discussão sobre a sexualização e PROPOSITALMENTE focou em corrigir a anatomia do "fix it", quando o problema nunca foi anatomia.
JSC é um artista inegavelmente bom a nível técnico. Se as suas escolhas estilísticas devem ser questionadas/criticadas por conta das suas implicações políticas, isso não significa que a gente deva abandonar o mínimo de cortesia e arrogantemente sair mexendo no trabalho do cara.
AO MESMO TEMPO eu acho um tremendo exagero um artista estabelecido como JSC responder um anônimo no tumblr não com o intuito de ensinar anatomia, e sim com a intenção de ironizar e humilhar a pessoa com um texto super sarcástico. Ele podia ter sido mais elegante ou...ignorar.
Mas ao mesmo tempo eu entendo ficar puto pq um aleatório na internet resolveu mexer no seu trabalho. Eu já passei por isso, n é um sentimento legal. Você sente como se estivessem vandalizando seu esforço.
Essa palhaçada de "ART FIX" é um desserviço para a por esse motivo. Existem várias outras maneiras de trazer atenção para esse assunto de forma mais educacional. A Iniciativa Hawkeye, por exemplo, evidencia muito o tema ao PARODIAR capas de quadrinhos sem mexer no original:
MAIS DO QUE ISSO, o que mais precisamos fazer para mudar a percepção do mercado quanto a isso é apoiar obras que não se utilizam desse tipo de design. Mostrar que outros tipos de representações também são boas, comercialmente viáveis. Ficar cutucando artistas individualmente +
+ só convida resistência por parte de artistas que não gostam que digam pra ele o que desenhar, e não os encoraja a tentar nada novo e diferente. Não contribuam pra isso!!! No mais:
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Eu preciso muito dividir essa informação com vocês.
É sobre essa pintura de uma bunda feita pelo artista Hieronymus Bosch
Vamos lá 👇
Essa bundinha faz parte de uma obra bem maior: O Jardim das Delícias Terrenas é uma das obras mais conhecidas de Bosch, um artista holandês do final do medievo!
A obra é um tríptico, representando o Jardim do Éden a esquerda, e o Inferno a direita. No meio estão cenas de "prazeres terrenos", sexo, bebida, etc.
"Ah porque tanta gente que quer pagar de artista gosta tanto de Van Gogh"?
Antes de tudo, isso nada tem a ver com Van Gogh em si!
Tal como outros artistas, Van Gogh foi escolhido para virar uma "marca", e é pesadamente promovido por museus e lojas como um produto. Aqui mora+👇
+ o problema: dentro do capitalismo marcas são,infelizmente, referências na construção da identidade pessoal de todo mundo, pra mais ou pra menos.
Então tem gente q acha q se "apresentar" com esses simbolos os dá algum nivel de identificação em relação ao q eles querem ser,+
+ e principalmente uma ideia de que se usar esses símbolos a pessoa será aceita pela "comunidade". O negócio é que a comunidade artística não funcionam exatamente como outros tipos de áreas de trabalho.
Eu tinha 30 anos quando descobri que existe um poeta romano chamado Gaius Valerius Catullus, que escreveu o que é considerado O POEMA MAIS OBSCENO JÁ ESCRITO EM LATIM. A coisa é tão séria que esse poema só foi traduzido oficialmente na sua integridade no SÉCULO 20 🤡👇Vem ver
Pelo que entendi, esse poeta tinha um namorado, um tal de Juventius, que traiu ele com um outro poeta chamado Marcus Furius Bibaculus. Esse Marcus, junto com um outro cara chamado Aurelius, criticaram os poemas do Gaius dizendo que eram "leves demais". Gaius ficou puto, +
+ não sei mais se pela crítica ou pela traição, e resolveu lançar esse poema que é catalogado como CATTULUS 16. Eis o poema traduzido em português 👁️👁️ O cara lançou o equivalente a "vou comer teu c& com farinha" antes de cristo sabe, uma lenda
Esse é "O Homem Chinês", um busto esculpido pelo francês Jean Baptiste Carpeaux, em 1872! E existe uma história bastante bizarra relacionado a ele, que foi apontado pela minha colega Teri Hu, em um grupo sobre descolonização:
Pelo que pude pesquisar, Carpeaux fez esse busto a partir de um modelo vivo! A escultura foi posteriormente usada como molde para um de seus trabalhos maiores, a "Fonte das Quatro Partes do Mundo", feita em colaboração com outro escultor, Eugene Legrain
A escultura tem quatro mulheres, que representam 4 partes do mundo. Inicialmente a escultura que representava a Ásia deveria ser um homem, mas por razões de "equilíbrio e harmonia" foi alterado para um corpo feminino. E é aí que mora a bizarrice: