Dimensão espiritual, integrante das paisagens urbanas, morada de Exú, depósito de estereótipos racistas e ponto de partida para uma nova filosofia. Quem vem aí é ela: a Encruzilhada.
Nas religiões de matrizes africanas, a encruza conecta a esfera material ao aspecto espiritual. Esse caminho que se divide em dois ou mais serve de morada de Exu, orixá guardião da comunicação, e suas falanges, como as Pombagiras.
Ogum, orixá dos caminhos, é o dono do meio das encruzilhadas.
Oferendas, entrega e respeito
A dimensão espiritual das encruzilhadas não são acessadas apenas ao pisar em sua dimensão física. De acordo com as orientações de cada corrente, a entrada e a saída do território espiritual das encruzilhadas se dá ao seguir uma série de rituais.
Nelas, é possível fazer as entregas, ofertas para se livrar de um quiumba (espírito obsessor), e as oferendas, que são pedidos ou agradecimentos ofertados aos orixás e falanges já citadas.
No meio do caminho, tinha o racismo
No YouTube, é possível encontrar uma matéria sobre um caso de exorcismo liderado pela clarividente Márcia Sensitiva; com uma atmosfera que investe na narrativa "sobrenatural", a matéria acompanha a ida de Márcia e mais médiuns à residência +
de uma dona de casa que mora próxima a uma encruzilhada. Na ocasião, Márcia afirma que "a encruzilhada é rota de espíritos trevosos", e, com uma cruz de madeira na mesa, ensina um combinado feito com limão, "a planta do demônio", segundo ela.
A construção de narrativas como essa da Rede Manchete estão conectadas ao racismo religioso e suas diversas formas de oprimir, ofender, violentar e distorcer as religiões de matriz africana. A encruzilhada é tão mal dita quanto o seu morador Exu. oglobo.globo.com/brasil/casos-d…
De acordo com o Brasil de Fato, 1.400 casos de crimes do tipo foram registrados só no estado do Rio de Janeiro em 2020. E uma matéria do O Globo discute casos em que a intolerância contra religiões de matrizes africanas têm pautado perda da guarda de filhos por mães praticantes.
Cruzando possibilidades filosóficas, pedagógicas e poéticas
Tão múltiplos quanto os caminhos que uma encruzilhada pode apresentar são os domínios que ela pode compor e reger. Sua propriedade espiritual também pode indicar um projeto revolucionário.
O livro "Pedagogia das Encruzilhadas" (2019), de Luiz Rufino, aponta a encruzilhada como "um projeto político, poético e ético, porque é educativo, é um projeto de educação, encarnado por Exu, tem Exu como o seu fundamento".
"A encruzilhada não é antiocidental. Não é antibranca. Ela é, a rigor, um signo negro africano. Tem essa identidade política. Trabalha não com a exclusão do outro, e sim com a presença desse outro".
A encruzilhada implica na dinâmica da perspectiva, é composta pelos cantos, atravessamentos, e transforma qualquer lugar em mais uma esquina do mundo, sem centros nem periferias. Afinal, de acordo com Rufino, ela "contesta a dimensão de um mundo partido".
A encruzilhada nos convida a quebrar a lógica da evolução pautada nas retas, num "caminhar pra frente" que segue apenas um sentido. “"Qual é a possibilidade do ser diante à grande engenharia do estado colonial?…”
“Essa é a questão que, para nós, encontrarmos caminhos enquanto possibilidade, a gente não vai poder apostar nos caminhos retos, nos caminhos de obsessão positivista (...). Eu acho que a gente precisa ir tomar uma inspiração de Exu [de] que nós vivemos numa espiral do tempo".
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