Esse lance de "fundo árabe" no futebol é uma cloroquina danada.
Se você solta isso no ar, imediatamente se imaginam os grandes "fundos soberanos" de teocracias do Oriente Médio.
São esses países controlados por monarcas ou emires, que controlam as reservas nacionais, definem investimentos estratégicos e usam clubes de futebol para finalidades geopolíticas.
"Fundos soberanos" árabes, portanto, são bem poucos no mundo - e há várias formas de atuação. 1/
O pioneiro foi Abu Dhabi, que formou o City Football Group. Logo depois veio o Catar, na aquisição e injeção brutal de recursos no Paris Saint-Germain.
Recentemente foi a vez da Arábia Saudita, principal país da região, que controla o Newcastle United - em seguida também fazendo um megaprojeto na liga local.
O Bahrein já ensaiou brincar de futebol, mas parece que largou a ideia pelo caminho.
Então... 2/
Então, "Fundo árabe", dito assim, a esmo, aparenta ser "fundo soberano".
Nada pode soar melhor a um torcedor do que a imagem dos ricaços e politicamente bem relacionados Manchester City, Paris Saint-Germain ou Newcastle United. Mas são bem poucos casos, de fato.
Daquelas coisas maneiras de cidades, comunidades e futebol.
O que o estádio Tomás Adolfo Ducó (Huracán 🇦🇷) e o estádio Manuel Barradas (Vitória 🇧🇷) têm em comum?
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O Huracán é chamado pelos rivais pejorativamente por "Quemero". Sua barra de chama "La Banda de La Quema".
Isso vem porque lá na década de 1920, quando o "Palácio Ducó" foi inaugurado, estava colado na extinta "Quema Municipal" de Buenos Aires - o local onde o lixo era queimado.
O Vitória é atacado pelos rivais com termos como "lixão" e "Barralixo" porque o Barradão foi construído na década de 1980 ao lado do então Aterro Sanitário de Salvador, posteriormente desativado. Por anos, tubos nos terrenos ao redor queimaram os gases do antigo lixão.
Quase todos os estudiosos do futebol recomendam pensar a violência do no futebol a partir de práticas como essa aqui.
Isso diz mais sobre uma cultura masculina urbana do que sobre rivalidade clubística/esportiva. Futebol é só um pretexto.
Toda cidade tem sua versão de prática de "lúdica" de violência. Pode ser gangue, pode ser bonde, pode ser usando festas ou rivalidades de bairros como pretexto. Nada de novo na história da humanidade. Vide o "baile de corredor" no Rio de Janeiro.
Aliás, o futebol como jogo nasceu praticamente como uma grande rinha entre centenas de homens de cidades diferentes.
O jogo durava dias, deixava inúmeros feridos e consistia em levar uma bola para um arco na cidade do adversário. O que muda isso é a normatização (esporte).
St Pauli se tornou, por razões até nobres, uma grife de "clube de esquerda" em um futebol altamente mercantilizado e contraditório.
Coube reforçar, algumas vezes, que a origem do clube nada tem a ver com "esquerda". Pelo contrário, é um clube de raízes aristocráticas e militares, com um passado de muitos membros adeptos ao nazismo.
A mudança de figura do St Pauli tem correlação com o movimento altermundialista e com a tática das ocupações.
O clube foi "ocupado" e isso foi possível por ser um clube pequeno.
Fiz esse vídeo há alguns anos pra traçar as diferenças entre St Pauli, Livorno e Rayo Vallecano, pra facilitar a discussão. Uma coisa é o clube e sua história pregressa, outra coisa é a forma como a torcida consegue transformá-lo.
Talvez coubesse falar do Celtic.
O apoio irredutivel dos ultras do St Pauli (e de várias outras curvas da Alemanha, especialmente as de esquerda) - com inexistência de gestos de solidariedade aos mortos civis inocentes palestinos -, é um fenômeno propriamente alemão. Difícilmente isso vai acontecer em outros países.
Há um padrão no processo de constituição das SAFs no Brasil. Quanto mais fechado e anti-democrático o clube, menos transparente é o processo de sua venda.
O caso do Galo beira ao escândalo, pela forma que vem sendo tocado. Não à toa qual a torcida criou o #ManifestodaMassa. 🧶
Em clubes mais democráticos, como o Bahia, qualquer conselheiro eleito junto aos sócios poderia pedir acesso ao contrato, para avaliar as condições da venda da SAF. Isso forçava os dirigentes do clube e as firmas representantes do lado da venda e da compra a serem escrutinados.
O Galo segue um padrão muito parecido com a SAF do Cruzeiro em sua condução. Além da pouca transparência, há atropelo nas competências do conselho deliberativo e tentativa de estabelecer mecanismos de pressão externas aos críticos (mídia, influencers, política).