A #CriseClimática e o tênue equilíbrio entre o pânico e a esperança: um fio(zão) sobre as últimas contribuições para o debate de mitigação, para além da 3ª parte do 6º relatório (AR6) do IPCC (@IPCC_CH). Vem conosco! 🧶👇
1. Não é mais possível esconder a gravidade da crise climática. Como bem demonstrou a 3ª parte do AR6/IPCC, o aquecimento global para 2100, calculado pelas trajetórias modeladas compatíveis com os esforços de mitigação até 2020 estava na rota de 3,2°C. Image
2. Na comunidade de Ciência do Clima sabemos bem o que representa um aquecimento de 3,2°C: significa perder o Ártico e todos os corais tropicais; alterar os El Niños; quebrar a correia da circulação meridional do Atlântico...
3. Significa empurrar biomas tropicais, como a Amazônia e os mantos de gelo da Groenlândia e do Oeste da Antártica ladeira abaixo dos seus pontos de não-retorno; significa entrar numa "zona climática" onde feedbacks como o do permafrost podem entrar de vez em cena!
4. Significa a multiplicação de extremos de calor, tempestades e chuva para muito além daquilo que a sociedade humana é capaz de lidar; secas extremas, perda de muitas áreas habitadas na zona costeira; significa, por baixo, centenas de milhões de refugiados climáticos
5. Se os países não promoverem uma redução profunda e rápida das emissões nos próximos anos, isso equivalerá a RASGAR o Acordo de Paris. Um dado muito ruim nesse sentido, segundo publicação na Nature, é que as emissões de 2021 foram no caminho oposto.
nature.com/articles/s4301…
6. Como previmos em vídeo no nosso canal (), o declínio recorde de 2020, associado à pandemia, se mostraria temporário.
7. As emissões da queima de combustíveis fósseis cresceram 1,6 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2) ou 4,8% de 2020 para 2021, chegando a 34,9 GtCO2, quase retornando ao patamar de 2019 de 35,3 GtCO2. As emissões de metano tiveram comportamento parecido. Image
8. O limite de 1,5°C, tido como o mais seguro, está, a cada ano, mais próximo de ser ultrapassado. As emissões de 2021 consumiram 8,7% do saldo de carbono restante para limitar o aquecimento global nesse patamar. No caminho atual, esse saldo é consumido em 9 anos e meio.
9. Os setores mais relevantes para a retomada do patamar de emissões foram eletricidade (+657 MtCO2), transporte terrestre (+513 MtCO2) e indústria (+256 MtCO2). Juntos, esses segmentos contribuíram com 89% do aumento de 2020 para 2021.
10. Embora em termos absolutos sua contribuição seja menor, nenhum setor cresceu proporcionalmente tanto quanto a aviação, setor que foi muito afetado pela pandemia: 25,8% (+65 MtCO2) no caso da aviação doméstica e 18,1% (+50 MtCO2) no caso da aviação internacional.
11. Do ponto de vista dos países que mais emitem, apenas o Japão manteve uma trajetória de redução continuada das emissões (-5% de 2019 a 2021). China, EUA, EU27 (Comunidade Europeia), Índia e Rússia viram suas emissões subirem entre 5,7 e 9.4%.
12. Mas dois textos publicados na Revista Nature neste mês de Abril mostram que podem restar alguns fios de esperança: o comentário de Hausfather e Moore (nature.com/articles/d4158…) e o artigo de Meinshausen et al. (nature.com/articles/s4158…). Image
13. Segundo esses trabalhos, cumprindo-se as promessas e compromissos apresentados na COP26, são reais as chances de conter o aquecimento global abaixo de 2°C, DESDE QUE APOIADAS EM POLÍTICAS DE CURTO PRAZO.
14. Hausfather e Moore lembram que, há uma década, as perspectivas eram totalmente sombrias, com indícios apontando para cenários de "business as usual" de altas emissões e temperaturas 4°C ou 5°C acima dos valores pré-industriais em 2100. Mas algo mudou.
15. Primeiro, as energias renováveis se mostraram viáveis, inclusive nos custos. Segundo, mesmo sendo muito insuficientes tendo em vista as metas do Acordo de Paris, a primeira rodada de NDCs (contribuições nacionalmente determinadas) abriram caminho para sair dessa rota.
16. Isso foi possível porque, bem ou mal, quase todos os países submeteram pelo menos uma NDC, vários as atualizaram e um número importante apresentou LT-LEDS (long-term low emission development strategies), alguns com metas de net-zero (NZE). Image
17. Usando dados mais recentes, os textos sugerem que podemos estar começando a "achatar a curva", apontando para valores de aquecimento menores que os 3,2°C da recém-publicada 3ª parte do AR6/IPCC que mencionamos no início do fio! Image
18. Segundo Hausfather e Moore, sob as políticas atuais a estimativa de aquecimento para 2100 fica em torno de 2,6°C (2°C-3,7°C). Com os compromissos de curto prazo das NDCs para 2030, a situação melhora um pouco mais e a tendência passa a 2,4°C (1,8°C-3,4°C).
19. Melhor que 3,2°C? Sim, mas ainda muito além de 2°C e, pior ainda, de 1,5°C. Já está na faixa de temperaturas da região de alto risco, com multiplicação extraordinária da ocorrência de extremos e risco de ultrapassagem de pontos de não-retorno, os famigerados "tipping points".
20. Meinshausen et al. chegam num resultado praticamente igual para as políticas vigentes: 2,6°C (1,9°C-3,7°C), mas abrem o leque quando se trata das metas para 2030, supondo dois limites de interpretação das NDCs para 2030: ‘low-end’ e ‘high-end’.
21. Neste caso, poderíamos estar apontando, já com essas metas, para 2,2°C (1,6°C-3,3°C) no melhor dos casos. Mas… no pior deles, iríamos para 3,0°C (2,2°C-4,4°C). Ou seja, o que temos de compromisso de curto prazo é absolutamente insuficiente.
22. E quando entram as promessas de "zero líquido" ("net-zero")? Em sendo cumpridas, quando elas entram em cena, a expectativa é que elas nos coloquem na direção de um aquecimento de 1,9°C/2,0°C em 2100.
23. A chance de excedermos 1,5°C, mesmo com as promessas de net-zero sendo cumpridas chega a 90-94%. A chance de ultrapassar 2,0°C ainda é perigosamente alta (42-52%) e até mesmo a chance de irmos além de 2,5°C não é desprezível (12-17%). "Net zero" não basta!
24. Incluindo, além do cumprimento das promessas de net-zero, a contribuição do Global Methane Pledge (GMP), existe uma melhora, mas é marginal, especialmente no final do século. Iríamos para 1,8°C (1,3-2,6°C).
25. Como o metano é um gás de vida muito mais curta, seu efeito é mais imediato. Sem enfrentar o grande vilão de vida longa (o velho CO2), essa curva mal se achata o suficiente para 2°C, então contribui pouco para 1,5°C.
26. Mas o que os trabalhos publicados na Nature sugerem, ao nosso ver, é que os alertas de cientistas, a luta de ativistas climáticos e os esforços de formuladores de políticas e tomadores de decisão minimamente preocupados com a emergência climática NÃO TEM SIDO EM VÃO.
27. É uma luta que sempre foi desigual, contra negacionistas e greenwashers, contra lobistas da indústria fóssil e governos antiambientais; batalha travada sem apoio de uma mídia incapaz de oferecer à emergência climática a cobertura devida.
28. Esses resultados mostram também que HÁ MUITA LUTA para ser travada nos próximos anos. A curva mudou sua direção, mas está longe de nos trazer segurança, pelo contrário. É absurdo ver o horizonte de 1,5°C sendo relegado a uma chance remota de 6-10%.
29. Sim, sabemos que às vezes cansa "correr na direção contrária", mas o fato é que "ainda estão rolando os dados" e nosso maior inimigo é a desmobilização, seja por negação do problema/indiferença, seja por uma postura fatalista que nos nega o papel de AGENTES da história.
30. Essa nossa AGÊNCIA (a mobilização, a pressão popular, o enfrentamento aos interesses econômicos escusos que se opõem às mudanças necessárias, a mudança da política) é fundamental para que o fio de esperança não arrebente e o céu não caia.

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