Thread by @ricardo_marcelo

Quais as razões pelas quais cogitar a cobrança de mensalidades em universidades federais é despropositado, inconveniente, absurdo?

Segue o fio: (1/13)

1) Imaginar hoje em dia que universidades federais são lugares das elites econômicas é algo simplesmente errado. Mesmo nos cursos como medicina, engenharias e direito isso já não é mais verdadeiro. O perfil das universidades e dos estudantes mudou muito nos últimos tempos. (2/13)

E nada melhor que DADOS para comprovar isso: o relatório feito em 2018 pela ANDIFES (associação que congrega as federais brasileiras) sobre o perfil socioeconômico de seus estudantes, demonstrou que 53,5% deles tem renda “per capita” familiar abaixo de 1 salário mínimo (3/13)

Demonstra ainda que 69,9% dos estudantes das federais tem renda “per capita” familiar até 1,5 SM. E aposto que esse cenário piorou desde 2018. Estes dados estão aqui: andifes.org.br/wp-content/upl…

Ou seja: a ideia de instituir a cobrança parte de uma premissa falsa (4/13)

2) Essa discussão sobre cobrança das mensalidades encobre o real problema: a contínua, dramática e cruel diminuição do financiamento público das universidades nos últimos anos. Tematizar cobrança dos estudantes parece cortina de fumaça para esconder essa nua realidade (5/13)

Do orçamento de 2016 até o de 2022 os valores para financiar o nosso dia a dia (o dito orçamento discricionário) diminuíram nominalmente em mais de 2.7 bilhões. Se inserirmos o IPCA do período, o corte de recursos é de 52,5%. Opção cruel que deixou de apostar no futuro (6/13)

3) Uma razão pragmática: a cobrança não resolveria o problema. Se os 30% dos 1,2 milhões de alunos do sistema (os que estão acima da renda de 1,5 SM) hoje pagassem em todos os cursos R$ 1.000,00 mensais, e com zero de inadimplência, teríamos 4.3 bi anuais a mais. É pouco (7/13)

É muito pouco em termos de orçamento. Seria valor um tanto maior que o orçamento anual da UFRJ (portaltransparencia.gov.br/orgaos/26245-u…). Só dela. E hoje temos mais de 70 federais (8/13)

Pra quem acha que o valor de 4.3 bi em termos de orçamento seja alto, é importante lembrar que o chamado “orçamento secreto” de 2022 chegou a 17 bilhões. E que orçamento geral da união foi de 4.7 trilhões.

Vale a bronca? (9/13)

4) Hoje a procura pelo ensino superior está numa baixa dramática. Os números do ENEM e dos vestibulares em todo o Brasil mostram isso. Boa análise das razões dessa tragédia brasileira está aqui: uol.com.br/ecoa/colunas/r…

Então: as mensalidades ajudariam neste problema? (10/13)

Parece óbvio que a resposta é NÃO. Ao contrário: havendo razões econômicas por detrás da redução da demanda (e que triste que é as pessoas deixarem de estudar para poderem sobreviver) isso desmantelaria e aprofundaria a crise do sistema. Seria má política pública (11/13)

5) Poderia ainda dizer várias outras coisas: como essa medida iria contra o pacto constitucional de 1988 e contra o projeto de nação ali construído; como uma medida assim deve ser precedida por um debate nacional qualificado, que não pode ser açodado, etc, etc (12/13)

Mas concluo dizendo que essa medida, para além de tudo o que está acima, é produto de uma leitura míope sobre prioridades nacionais, sobre o papel das universidades e sobre a sua racionalidade pública.

E sobre qual aposta fazemos no futuro. É perverso. (13/13)

#PEC206nao