Com a proximidade do carnaval, o pagode da Djalmira tem enchido de gente. Haja feijoada. Aliás, a Djalmira talvez mude o esquema de feijoada e samba. Como ela mesmo diz, "estou repensando a proposta".
No outro dia, por exemplo, acabou a feijoada e ficou todo mundo sentado em volta da mesa comprida no quintal, ronronando. Em vez de samba só se ouvia a lamentação da Salete que, como sempre, tinha abusado da cerveja. Salete, todos sabem, é a viúva do Nelson Porém.
Estava contando a história do falecido pela centésima vez, só este ano. De como todo mundo lembra o Nelson Cavaquinho e o Nelson Sargento mas ninguém lembra o Nelson Porém, um dos caras mais importantes da história da música popular brasileira, seu esposo.
Nelson Porém estava na mesa ao lado quando o Paulinho da Viola compôs o samba sobre a Portela que tem aquela parte que começa "Porém...". Depois do "porém" tinha um vazio que o Paulinho não sabia como encher. Paulinho tinha empacado no "porém".
Foi aí que da mesa ao lado, quando o Paulinho cantou "Porém...", o Nelson, seu esposo, mais pra lá do que pra cá, lascou "Ai, porém!" e foi aquele sucesso. O Paulinho incluiu o "Ai, porém" do Nelson no samba e ele estava feito. Só que não pôde desenvolver seu talento de letrista.
"Ai, porém" foi a única letra da vida dele. Como vivia mais pra lá do que pra cá, um dia ficou lá. Morreu.
— Até hoje não posso ouvir alguém dizer "porém" que eu choro — disse a Salete. — Às vezes alguém diz "mas" e eu já me desmancho.
Foi quando o seu Cosme resolveu mudar de assunto.
— Grande feijoada, Djalmira.
— Obrigada, seu Cosme.
— Aliás, como sempre.
— Quié isso, seu Cosme. É um prazer reunir a fina flor do samba no meu quintal. O Ari Sem Braço, o Tavinho Meio Braço, o Neco Dois Braço...
E o seu Cosme Sete Cordas. Eu só alimento fera.
— Estava tudo bom, dona Djalmira. Desde o começo. Não é pessoal?
Todo mundo em volta da mesa fez "mmm" em uníssono.
— O limãozinho esperto... Os tira-gosto... Os torresminho... E o feijão, minha gente?
— Mmmm!
— Vocês merecem, vocês merecem. E como é? Vai sair um samba?
— Vai, vai. Cadê meu violão?
Seu Cosme olhou em volta sem muito entusiasmo. Depois gritou para o Ximbé.
— Trouxe o agogô, Ximbé? Acorda, Ximbé! Pega o agogô. Sem Braço, o tamborim...
Os outros começaram a se organizar para tocar. Lentamente. Seu Cosme continuou:
— Que feijoada, Djalmira. O que é que tinha no feijão?
— O de sempre, né, seu Cosme.
— Recapitule, pra acordar o pessoal.
— Lingüicinha... paio... costelinha salgada... costelinha de porco... rabinho de porco...
— Mmmm...
— Dê uma passada nas farofas... — pediu seu Cosme, de olhos fechados.
— Farofa com passas... farofa com ovo... farofa com toucinho...
— Mmmm...
— E a couve, gente?
— Mmmm!
— ... a laranja?
— Mmmmm!
— E pra pimenta, nada?
— Mmmmm!
— Obrigada, pessoal. Vocês merecem. Cumé, vamo ouvi um pouco de música, seu Cosme?
— Vamos lá. Ximbé, o agogô. Cadê o agogô, Ximbé?
O Ximbé estava dormindo com a cabeça nos braços, sobre a mesa.
— Alguém aí, procura o agogô do Ximbé — bocejou o seu Cosme. — E o meu violão.
— Vamos lá. "No pagode da Djalmira..." Cumé, pessoal? Mas o seu Cosme tinha desistido, depois de examinar suas tropas.
— Desculpe, Djalmira, não vai dar. Sem o agogô do Ximbé, não dá.
Depois inclinou-se para a Djalmira e perguntou:
— Tem certeza que o agogô do Ximbé não entrou no feijão?
Foi então que a Djalmira decidiu. A partir dali, primeiro o samba, depois a feijoada. Durante muito tempo se ouviu em volta da mesa as lamentações da Salete. E os roncos.
- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto e "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te" e o "você" não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
É livre quem pode fazer o que quiser — dentro das suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só se é livre dentro de certos limites. Portanto, toda a liberdade é condicional.
Só é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a liberdade suprema só existe nas tiranias.
Dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal distribuída e o meu vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de liberdade, liberdade mesmo que tadinha?
A ― Primeira letra do alfabeto. A segunda é "L" e a terceira é "F".
AH ― Interjeição. Usada para indicar espanto, admiração, medo. Curiosamente, também são as iniciais de Alfred Hitchcock.
AHN? ― O quê? Hein? Sério? Repete que eu sou halterofilista.
AI ― Interjeição. Denota dor, apreensão ou êxtase, como em "Ai que bom, ai que bom". Arcaico: Ato Institucional.
AI, AI ― Expressão sarcástica, de troça. O mesmo que "Como nós estamos sensíveis hoje, hein, Juvenal?"
AI, AI, AI ― Expressão de mau pressentimento, de que em boa coisa isto não pode dar, de olhem lá o que vocês vão fazer, gente.
AI, AI, AI, AI, AI ― O mesmo que "Ai, ai, ai", mas com mais dados sobre a gravidade da situação. Geralmente precede uma reprimenda ou uma fuga.
A gente não faz aniversários. Os aniversários é que vão fazendo a gente. E depois, pouco a pouco, nos desfazendo.
Pode-se medir a passagem do tempo pelos diferentes significados da frase “Feliz aniversário!”.
Do “Feliz aniversário!” que quer dizer “hoje é seu dia, que alegria, mais um ano de vida, comemore porque você merece” ao “Feliz aniversário” que quer dizer “que chato, mais um ano da sua vida que se vai, mas não ligue e comemore - com moderação porque você não tem mais idade”.
ÁRIES Atrás de você, cuidado! Brincadeira. Você não sofrerá nenhuma ameaça. Nem tudo será perfeito, claro, mas quando a vida lhe sorri, não importa que ela não tenha alguns dentes. Agradeça o que você tem, pare de sonhar com o impossível e não chateie. Sua cor é o marrom.
TOURO Aquele seu plano envolvendo o bispo, o anão hermafrodita e o contrabando de alfajores do Uruguai – você sabe do que eu estou falando – não daria certo. Deixe para a semana que vem, quando a Lua será propícia. Seu número de sorte é impar, maior que três e menor que 725.
GÊMEOS Simplifique a sua vida. Pare de pagar suas contas. Ande de chinelo de dedo com meias e lixe-se para os comentários. Você comanda o seu próprio destino. Mas muito cuidado nos cruzamentos, porque pode vir outro louco.
Finalmente liberadas as gravações que a NASA fez das experiências realizadas com o tenente da Marinha John Smith para testar o comportamento humano em condições de isolamento por longos períodos de tempo, iguais ao que o homem terá que enfrentar na exploração do espaço.
O tenente Smith foi escolhido pelas suas perfeitas condições físicas e mentais. Foi colocado dentro de um simulador de voo com comida bastante para dois anos e os instrumentos que normalmente levaria numa missão, inclusive um computador.
Todos os dias Smith teria que fazer um relatório verbal para que seu estado fosse avaliado. O que segue são trechos das gravações feitas dos seus relatórios. Primeiro dia. “Meu nome é John Smith. Estou ótimo. Passei todo o dia me familiarizando com este meu pequeno lar.