Havia um soldado com metralhadora ao lado do avião quando descemos em Istambul. Mais soldados com toda a parafernália de guerra espalhados pela pista. A ala de desembarque do aeroporto é um galpão sombrio. Os policiais em serviço eram homens sombrios.
Apresentei nossos passaportes com um mau pressentimento. Não falo turco e o policial não parecia disposto a falar qualquer outra língua que nos aproximasse. Vi tudo. Um mal entendido e acabaríamos na prisão pelo resto da vida.
Ou tentaríamos fugir, em pânico, e seríamos metralhados sem dó. “Visa”, disse o policial, entre outras palavras indecifráveis. Fiz aquela cara internacional de “sei lá”. Não tinha visa. Não sabia que precisava.
Sorri para me desculpar. Ele não aceitou as desculpas. Falou mais alguma coisa em sua língua infernal. Sempre de cara fechada. “Turista”, disse eu, querendo dizer “inofensivo” ou “débil mental”. Não adiantou. Precisava de visa.
Ou então — me explicou uma providencial funcionária do aeroporto em inglês, enfim uma língua cristã — teria de pagar 10 dólares.
Fui trocar dinheiro e deixei minha mulher, como garantia, cercada por turcos mal-encarados (redigi, mentalmente, o telegrama que mandaria para casa: “Mamãe vendida ao sultão. Segue carta”).
Depois, a Lúcia me contou que um dos policiais apontou para ela e perguntou, sério: “Argentina?”. Ao ser informado de que era brasileira, deu um sorriso, controlou uma bola imaginária com o pé, e exclamou “Pelé”.
- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto e "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te" e o "você" não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
Com a proximidade do carnaval, o pagode da Djalmira tem enchido de gente. Haja feijoada. Aliás, a Djalmira talvez mude o esquema de feijoada e samba. Como ela mesmo diz, "estou repensando a proposta".
No outro dia, por exemplo, acabou a feijoada e ficou todo mundo sentado em volta da mesa comprida no quintal, ronronando. Em vez de samba só se ouvia a lamentação da Salete que, como sempre, tinha abusado da cerveja. Salete, todos sabem, é a viúva do Nelson Porém.
Estava contando a história do falecido pela centésima vez, só este ano. De como todo mundo lembra o Nelson Cavaquinho e o Nelson Sargento mas ninguém lembra o Nelson Porém, um dos caras mais importantes da história da música popular brasileira, seu esposo.
É livre quem pode fazer o que quiser — dentro das suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só se é livre dentro de certos limites. Portanto, toda a liberdade é condicional.
Só é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a liberdade suprema só existe nas tiranias.
Dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal distribuída e o meu vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de liberdade, liberdade mesmo que tadinha?
A ― Primeira letra do alfabeto. A segunda é "L" e a terceira é "F".
AH ― Interjeição. Usada para indicar espanto, admiração, medo. Curiosamente, também são as iniciais de Alfred Hitchcock.
AHN? ― O quê? Hein? Sério? Repete que eu sou halterofilista.
AI ― Interjeição. Denota dor, apreensão ou êxtase, como em "Ai que bom, ai que bom". Arcaico: Ato Institucional.
AI, AI ― Expressão sarcástica, de troça. O mesmo que "Como nós estamos sensíveis hoje, hein, Juvenal?"
AI, AI, AI ― Expressão de mau pressentimento, de que em boa coisa isto não pode dar, de olhem lá o que vocês vão fazer, gente.
AI, AI, AI, AI, AI ― O mesmo que "Ai, ai, ai", mas com mais dados sobre a gravidade da situação. Geralmente precede uma reprimenda ou uma fuga.
A gente não faz aniversários. Os aniversários é que vão fazendo a gente. E depois, pouco a pouco, nos desfazendo.
Pode-se medir a passagem do tempo pelos diferentes significados da frase “Feliz aniversário!”.
Do “Feliz aniversário!” que quer dizer “hoje é seu dia, que alegria, mais um ano de vida, comemore porque você merece” ao “Feliz aniversário” que quer dizer “que chato, mais um ano da sua vida que se vai, mas não ligue e comemore - com moderação porque você não tem mais idade”.
ÁRIES Atrás de você, cuidado! Brincadeira. Você não sofrerá nenhuma ameaça. Nem tudo será perfeito, claro, mas quando a vida lhe sorri, não importa que ela não tenha alguns dentes. Agradeça o que você tem, pare de sonhar com o impossível e não chateie. Sua cor é o marrom.
TOURO Aquele seu plano envolvendo o bispo, o anão hermafrodita e o contrabando de alfajores do Uruguai – você sabe do que eu estou falando – não daria certo. Deixe para a semana que vem, quando a Lua será propícia. Seu número de sorte é impar, maior que três e menor que 725.
GÊMEOS Simplifique a sua vida. Pare de pagar suas contas. Ande de chinelo de dedo com meias e lixe-se para os comentários. Você comanda o seu próprio destino. Mas muito cuidado nos cruzamentos, porque pode vir outro louco.