Recebi num grupo de zap as seguintes reflexões do @marceloguterman , que compartilho aqui:
"Ontem, o senador Randolfe Rodrigues nos brindou com um tuíte indignado, pedindo o “debate” sobre as nossas taxas de juros, pois teríamos algo completamente fora de proporção. No seu curto texto, o senador chama a atenção para o caso da Turquia.
Com esse tuíte, o senador presta um inestimável serviço ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ao chamar a atenção para a inflação da Turquia, o senador nos lembra a todos o efeito final de um Banco Central leniente com a inflação.
O caso da Turquia é de manual. Vejamos as etapas do desastre:
1) A partir de meados de 2018, o BC turco começa a elevar as taxas de juros, para combater a inflação, que vinha subindo há algum tempo.
2) Em 06/07/2019, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, demite o presidente do Banco Central turco.
Segundo Erdogan, as altas taxas de juros praticadas pelo seu banqueiro central eram a verdadeira causa da inflação. Em suas palavras: "Nós dissemos a ele várias vezes para cortar as taxas de juros em reuniões sobre a economia.
Dissemos que, se as taxas de juros caíssem, a inflação cairia. Ele não fez o que seria necessário". Essa história está na edição da @TheEconomist daquela semana (link abaixo).
3) O novo BC segue as ordens do presidente e corta as taxas de juros, que estavam em 25%, para 8% no início de 2020.
4) Com os juros muito mais baixos do que o necessário para conter a inflação, começam as pressões para a desvalorização da moeda.
Com o objetivo de conter essas pressões, o BC turco começa a vender reservas, que caíram praticamente pela metade (de US$ 80 bi para US$ 40 bi). Seria o equivalente a queimarmos algo como US$ 160 bilhões de nossas reservas para defender o real.
5) Como esse tipo de política tem um limite, o limite chegou. No final de 2021, a lira turca se desvalorizou de maneira dramática, saindo de 8 para 16 liras por dólar (ou 1,50 para 3,00 liras turcas por real).
É assim que as crises financeiras acontecem: primeiro, lentamente; depois, de repente. Em determinado momento, todo mundo quer sair ao mesmo tempo, e a porta é sempre estreita. Por isso, é sempre prudente evitar comemorar resultados de políticas econômicas heterodoxas.
As consequências podem não vir imediatamente, mas virão com certeza
6) Com a desvalorização da lira turca, a inflação, que já vinha subindo, explodiu: em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, a inflação mensal foi de 14% e 11% respectivamente. Em 2022, a inflação fechou em 65% (a inflação mostrada na tabela do senador Randolfe vai só até novembro;
como a inflação de dezembro de 21 havia sido de 14%, a inflação anual caiu em dezembro de 22, pois neste mês a inflação foi menor do que 14%).
Temos, então, o ciclo completo do populismo monetário: redução artificial das taxas de juros, pressão sobre a moeda, queima de reservas internacionais e, finalmente, inflação.
O senador Randolfe não colocou a Argentina nessa tabela, o que é uma pena, pois o processo foi exatamente o mesmo. Hoje, a inflação na Argentina está em 95%.
No caso da Turquia, o presidente tinha uma ideia fixa, a de que taxas de juros altas levam a uma inflação mais alta. Não descansou até que conseguiu levar à prática a sua, digamos, teoria.
No Brasil, a coluna de William Waack de hoje defende a tese de que o movimento de Lula contra o BC não seja somente a busca de um bode expiatório, mas que, na verdade, o nosso presidente, a exemplo de seu par na Turquia,
estaria se movendo por certas ideias no campo da doutrina econômica em combinação com o seu “tino político”.
Faria bem o presidente Lula em observar o experimento turco. Agradecemos o senador Randolfe por nos trazer esse caso de manual."
Está mais do que claro que o presidente Lula declarou aberta a temporada de caça a Roberto Campos Neto, agora sujeito a ataques sistemáticos não só do presidente, mas de parlamentares da base de sustentação do governo, para não falar das mídias sociais.
O resultado é o pior possível: as taxas de juros futuras, em particular para prazos mais longos, voltaram a subir, depois de queda visível logo após a reunião do Copom da semana passada.
Expectativas de inflação também se elevam, movimento que tende a aumentar também a inflação ao longo dos próximos meses.
Com isto, a estratégia adotada dificulta ainda mais o afrouxamento da política monetária, resultado oposto ao desejado pelo presidente.
Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação
Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevam o risco de desancoragem das expectativas de inflação, mantendo a assimetria altista no balanço de riscos.
“É um pacote de um amadorismo de ruborizar qualquer um que entenda a situação”, afirma Schwartsman. “Sabe quando o Paulo Guedes entrou e falou que acabaria com o déficit em um ano? É o padrão de falta de noção.”
O “sonho do mercado” de ter um governo como Lula I morreu?
Schwartsman – Se não morreu, é bom que morra. Não faltam indicações de que não será desta forma porque as condições iniciais eram muito diferentes. Em 2003, Lula recebeu a casa em ordem, com as contas públicas redondas.
Foi só não fazer a bobagem que o câmbio voltou e a inflação (...) caiu (...) Para colocar a casa em ordem ele vai ter que trabalhar muito. Quem quiser continuar sonhando vai acordar e descobrir que não é nada daquilo que se imaginava.
O texto abaixo foi recentemente recuperado em escavação arqueológica realizada da Universidade de São Paulo. Escrito originalmente em caracteres cuneiformes, aparentemente por estudantes de mestrado do IPE, numa toalha de papel+
durante uma noite quente regada a muito chopp no longínquo ano de 1988, foi agora traduzido e se mostrou incrivelmente atual, o que ressalta seu caráter profético, certamente inspirado pelo “Deus Mercado”.+
O MANIFESTO DA ECONOMETRIA POLÍTICA
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que um valor mais alto se alevanta+
Alguns comentários sobre o artigo cometido por Guido Mantega na @folha
“A inflação estará recuando dos 10% de 2021, para algo em torno de 6%, às custas de uma feroz política monetária contracionista, que vai paralisar a economia brasileira.”
O que o ex-ministro omite é que entre 2014 e 2015 a inflação subiu de 6,4% para 10,7% e só caiu em para 6,3% ás custas de um política monetária ainda mais contracionista que a atual, que levou a Selic para 14,25%% ao ano.
O juro real (já descontada a inflação esperada) para um ano, quer era de 4,5% ao final de 2014, bateu 7,5% já em maio de 2015.