Marcos Queiroz Profile picture
Calango do planalto central. Prof. @sejaidp. Editor da @JacobinBrasil. PhD @unb_oficial. Sanduíche @UNALOficial. Alumni @fulbrightbrasil na @DukeU. Vasco.

May 21, 2021, 11 tweets

Milionário e José Rico, a China e a intelectualidade brasileira

Em meados da década de 80, Milionário e José Rico eram uma das principais duplas do sertanejo brasileiro, gênero que estava em vias de se nacionalizar e virar o grande fenômeno musical do país. 👇🏾

Em 77, lançaram o seu maior sucesso, Estrada da Vida, clássico do cancioneiro nacional, embasado na rancheira mexicana. Com o estouro, em 81, a música e a carreira da dupla inspiraram filme homônimo, de Nelson P. dos Santos. Apesar da bela estréia, o sucesso foi relativo.👇🏾

No entanto, naquele momento, final da Ditadura Militar, o Brasil estava reatando relações com o bloco comunista. Aproveitando isso, a película foi exportada para a URSS, onde participou do Festival Internacional de Filmes de Moscou, e para a China. Aí a coisa fica boa. 👇🏾

Em 83, o filme chegou na China e foi um absoluto sucesso, junto com as músicas da dupla (músicas que eram atacadas pela crítica musical no Brasil). Pois bem, diante do fenômeno, o Partido Comunista Chinês quis levar o duo para uma turnê e propôs um intercâmbio com o Itamaraty. 👇🏾

A dupla iria para a China e a Orquestra Sinfônica de Pequim viria ao Brasil em 86. O governo brasileiro não entendeu foi nada. Os chineses sabiam quem era Milionário e José Rico, os burocratas e intelectuais brasileiros não. O empresário da dupla, José Raimundo, resolveu agir. 👇🏾

Foi conversar com o então Ministro da Cultura, Celso Furtado, fina flor da elite intelectual brasileira. Como narra Gustavo Alonso, Furtado parecia que vivia em outro país, pois nunca tinha ouvido falar de Milionário e José Rico, bem como não sabia nada sobre sertanejo. 👇🏾

Vejam o quiprocó nas palavras de Gustavo Alonso: 👇🏾

Diante da ignorância e da recusa de Celso Furtado, a Continental arcou com os custos da viagem e o resto é história. Milionário e José Rico foram cantar o Brasil que os chineses conheciam e eram apaixonados, mas que nossa elite desconhecia e continua ignorando arrogantemente. 👇🏾

Por que gosto dessa história? Bom, ela demonstra o descolamento de certa intelectualidade nacional do próprio Brasil. Mas sobretudo: pensar história e estética do sertanejo brasileiro desmonta a grande maioria da produção acadêmica feita nas "principais" universidades do país. 👇🏾

Como o próprio Gustavo diz, apesar de ser o gênero mais popular do país, o sertanejo continua sendo um "mistério" para nossos intelectuais, que, muitas vezes, pensam o Brasil como mero desdobramento de uma certa visão do Sudeste e, quando muito, de algumas capitais nordestinas.👇🏾

Lembrei desse caso terminando texto sobre sertanejo e raça que vem aí. Mas para quem tiver interesse, recomendo os trabalhos do Gustavo Alonso. A história da thread, inclusive, foi tirada do artigo "O Rodeio e a Roça: o mistério da música sertaneja". 👇🏾

academia.edu/31360008/O_rod…

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