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Dec 15, 2021, 14 tweets

“Floyd, branco”, por Demétrio Magnoli. Aqui vão algumas das falácias do texto publicado no Globo. 🧵🧶

1. Falácia causal entre bairros negros e criminalidade e violência. Aqui, Demétrio sugere que a polícia mate mais porque há mais crimes. Dois erros: não há correlação necessária entre crimes e violência policial + sufocar alguém não se justifica por criminalidade.

P.ex. Estudo do MP do RJ mostra que não há ligação entre cidades com mais crimes e menos violência policial, bem como há estudos que apontam que a polícia mata mais em certos locais por outros fatores (não é zona de milícia). mprj.mp.br/documents/2018…

2. Falácia do apelo à autoridade: aqui, Demétrio cita sem explicar um professor de Harvard para dar verniz de autoridade ao argumento. Não engana com a vasta literatura que contradiz a sua afirmação de que “inexiste predisposição racial nas mortes a tiros.”

P.ex. Há uma vasta literatura que afirma o super-policiamento em territórios majoritariamente negros e hispânicos nos EUA (fora a brutalidade). Demétrio ignora esta evidência, bem como ignora que crime, em si, é uma categoria socialmente construída e é racialmente seletiva.

P.ex. Um dos professores nos EUA que mais estuda esta questão é o Prof Jeffrey Fagan de Columbia. Neste relatório sobre NYPD ele prova que “negros e latinos são mais parados pela polícia até em áreas majoritariamente brancas e em áreas com pouco crime”. ccrjustice.org/files/Expert_R…

3. Falácia do falso dilema entre raça e classe. Aqui, Demétrio sugere que a literatura esquece classe. Isso simplesmente é falso. Há vários escritos sobre como crimes, capitalismo e racismo estão inter-conectados. Floyd, p.ex., foi morto por suposto crime financeiro (nota falsa).

P.ex. Faria bem ao Demétrio se atualizar no debate global sobre capitalismo racial e capitalismo carcerário (vide Jackie Wang) e sobre os achados da sociologia brasileira que, desde Florestan, Sueli e Hasenbalg, mostram como raça e classe estão inter-conectados.

4. Falácia do espantalho: via construção argumentativa tortuosa, Demétrio pinta um espantalho: de um lado, os identitários que só veem raça, e de outro ele que vê que é sobre raça e sobre policiar regiões com alta criminalidade. Pintar o debate assim é reducionista e falso.

P.ex.: Demétrio erra ao afirmar que brancos nos EUA “são as vítimas mais numerosas de disparos de policiais.” Ou ele leva a sério a maior probabilidade de negros serem mortos pela polícia (+2x mais) ou ele irá mascarar nos números absolutos uma maior probabilidade que inexiste.

5. Falácia da falsa oposição entre identitários e classistas. Demétrio, como sempre, faz uma oposição simplista entre “política identitária” (falar em racismo) na esquerda e foco no “povo” na direita. Esquece como direita articula identitarismo brancos supremacista.

P.ex.: há uma vasta literatura sobre como a direita conseguiu reunir símbolos que apelam para um nacionalismo policial supremacista branco. Quem são os identitários aqui? Até uma bandeira supremacista os policiais brancos fizeram para se contrapor ao BLM. theguardian.com/us-news/2020/a…

P.Ex. Wendy Brown é uma das principais autores que tem destrinchado essa conexão entre supremacismo, neoliberalismo e crise da democracia. Pintar uns de identitários e outros de “do povo” é simplista e enviesado.

Dito tudo isso, não posso deixar de ficar espantado como um texto tão ruim, no argumento, e ofensivo, no formato, pode ser normalizado. Há um certo ranço supremacista em utilizar o caso brutal de uma pessoa sufocada por 10min para afirmar que não estamos falando de racismo. Fim.

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