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"Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade". Karl Marx

Jan 29, 2022, 23 tweets

Médicos cubanos são hostilizados por seus colegas brasileiros durante a cerimônia de abertura do programa "Mais Médicos". Fortaleza, 27 de agosto de 2013.

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Os profissionais cubanos foram vaiados e insultados com termos como "escravos", "incompetentes", "açougueiros", "macacos" e orientados a "voltar para a senzala" por médicos brasileiros que participavam de uma manifestação organizada pelo Sindicato dos Médicos do Ceará.

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O programa "Mais Médicos" foi lançado em julho de 2013, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, visando suprir a carência de médicos nos municípios do interior, em comunidades isoladas e nas periferias das grandes cidades.

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O programa consistia na contratação de médicos estrangeiros para ocupar vagas tradicionalmente rejeitadas pelos brasileiros. Embora o Brasil possuísse uma taxa de 2 médicos para cada mil habitantes — o dobro do recomendado pela OMS — a distribuição era muito desigual.

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Os médicos estavam concentrados no setor privado e nas áreas bem urbanizadas do Centro-Sul, ao mesmo tempo em que os estados do Norte e do Nordeste, bairros periféricos, vilarejos afastados, comunidades quilombolas e distritos indígenas sofriam com escassez de médicos.

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Os médicos recusavam até mesmo vagas com o triplo da remuneração média nessas regiões. Diante da resistência, o governo federal criou em 2011 o Provab, que oferecia bolsa de 8 mil reais para recém-formados atenderem nesses locais. Somente 29% das vagas foram preenchidas.

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Como o déficit de médicos persistia, o governo federal resolveu lançar o "Mais Médicos". A princípio, o governo tentou, novamente, privilegiar a contratação de brasileiros — público alvo das primeiras seleções. Entretanto, apenas 6% das vagas foram preenchidas.

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O governo passou então a contratar em massa profissionais estrangeiros. Foram selecionados 18 mil médicos do exterior — 11 mil dos quais eram cubanos. Eles receberam autorização profissional provisória e passaram por uma avaliação de três semanas.

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Em parceria com estados e municípios, o governo oferecia o custeio da passagem, bolsa de 10 mil reais mensais e ajuda de custo para moradia e alimentação em troca de uma carga horária de 40 h semanais. Os cubanos, entretanto, tinham um regime diferenciado de contratação.

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O contrato com Cuba seguia o modelo que o país caribenho já mantinha com a Organização Pan-Americana de Saúde e com Organização Mundial da Saúde, baseado na divisão do repasse entre o governo cubano (60%) e os profissionais (40%).

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O programa enfrentou feroz oposição da classe médica, que reagiu com evidente corporativismo, tentando obter reserva de vagas que não pretendiam ocupar. Diversas manifestações, paralisações e greves de médicos e estudantes de medicina foram organizadas por todo o Brasil.

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Associações médicas recorreram ao STF para tentar barrar o programa, acusando os estrangeiros de "prática ilegal da medicina" e alegando preocupação com a saúde dos brasileiros que eles mesmos se recusavam a atender.

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Os médicos estrangeiros — sobretudo os cubanos — tornaram-se alvos de xenofobia, insultos racistas e ataques. O presidente do CRM-MG, João Batista Gomes Soares, chegou a orientar os médicos brasileiros a não socorrerem ou prestarem qualquer auxílio aos estrangeiros.

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Políticos como Aécio Neves e Jair Bolsonaro atacaram o programa. Até mesmo partidos da esquerda autoproclamada radical - nomeadamente o PCB e o PSTU - rotularam iniciativa como paliativo ineficaz e denunciaram a suposta intenção de precarizar e terceirizar a saúde.

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Registrou-se intenso ativismo do poder judiciário contra o programa. O Ministério Público chegou a abrir investigação para apurar denúncia de que os médicos cubanos estariam sendo submetidos a "trabalho escravo" - embora recebessem 4 vezes mais do que a média da população.

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Igualmente virulenta foi a reação da imprensa, que alternou entre o reacionarismo e o conspiracionismo lunático. A Veja chegou a insinuar que os médicos cubanos seriam, na verdade, guerrilheiros comunistas articulando uma guerra civil no Brasil.

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A campanha de difamação do programa foi tão massiva que a própria população passou a enxergar a chegada de mais médicos como algo negativo. Em uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em 2013, a maioria dos brasileiros se declarava estar em desacordo com o programa.

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Malgrado a histeria, o "Mais Médicos" foi um sucesso e obrigou muitos a revisarem suas opiniões. Crítico do programa em 2013, Drauzio Varella admitiria 5 anos tempo depois que "nunca um programa alcançou tantas pessoas em território nacional e durou tanto tempo".

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O "Mais Médicos" passou a responder por 48% das equipes de atenção básica em cidades de até 10 mil habitantes e por 100% da assistência médica em mais de 1.100 municípios. Graças ao programa, mais de 700 cidades receberam um médico pela primeira vez na história.

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A humanização e dedicação dos cubanos também encantou a população, acostumada à frieza dos profissionais locais. Uma pesquisa realizada pela UFMG em 2015 revelou que 94% dos usuários aprovavam o programa. 85% dos brasileiros relataram melhoria da assistência médica.

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Após a vitória de Bolsonaro em 2018, Cuba optou por encerrar a parceria com o Ministério da Saúde e recolheu seus profissionais, em resposta à agressividade de Bolsonaro, que atacou violentamente o país durante sua campanha, prometeu expulsar os médicos cubanos.

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Com isso, o Brasil perdeu mais de 11 mil médicos distribuídos por quase 3 mil municípios. Em 2019, Bolsonaro extinguiu o "Mais Médicos", substituindo-o pelo "Médicos pelo Brasil".

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A oferta de profissionais, entretanto, não retornou aos patamares anteriores, resultando numa redução de 30% da oferta de médicos em relação à gestão Dilma Rousseff.

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