Pedro Cintra Profile picture
Mestre em física, amante de Legos, Ciência e Desenhos (Ele/Dele) / MSc in physics, passionate about science, drawings and Lego (He/Him)

Feb 16, 2022, 32 tweets

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E como essas estimativas são feitas? Como eu posso confiar nelas? Agora vou tentar destrinchar alguns detalhes de modelagem. Acredito que todos já estejam familiarizados com o conceito do numero de reprodução básico Rₜ (comenta nesse tweet se não estiver)

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Acima de 1, epidemia cresce. Abaixo de 1, epidemia decresce. Em 1, ela é estável. Acontece que esse numero muda com o tempo devido a todos os fatores mencionados nos tweets acima. O valor de R depende principalmente de 3 coisas:

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1 - O valor de Rₜ no início da epidemia, sem alterações comportamentais na população ou medidas de intervenção, o chamado R0.2 - A medida de intervenção ativa no momento ou a mudança adotada pela população

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3 - A aleatoriedade latente, ela trás as mudanças aleatórias que ocorrem em uma sociedade que alteram o Rₜ, como a população de um local aderir mais a uma medida de intervenção do que outro local

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Em termos matemáticos, isso é descrito da seguinte forma, os subíndices indicam que o valor de Rₜ é calculado em um instante específico “t” e uma localidade “l” para um conjunto “i” de intervenções.

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Em tese, o R0 é escolhido para representar o período pré intervenções e mudanças comportamentais. Mas, já que estamos interessados em medir o efeito das intervenções COM as mudanças comportamentais já na sociedade

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É interessante escolher um R0 de um período sem intervenções, mas mais para frente da pandemia. Assim a base de comparação do efeito das intervenções é já um período onde a população havia incorporado mudanças sociais devido à pandemia

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Nesse artigo, os autores escolheram como estimativa de R0, o período de Agosto de 2020, quando muitos países europeus liberaram as restrições e o fator que mais continha o crescimento de R0 era principalmente o próprio comportamento social da população.

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O efeito de uma intervenção é dado pelo parâmetro de efeito β. Os autores assumem que β depende apenas do tipo de intervenção e não muda entre locais ou o tempo.

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Isso poderia ser uma limitação forte no modelo, mas a latência aleatória é responsável por trazer mudanças aleatórias na redução de Rₜ, que podem ocorrer entre locais e entre instantes de tempo diferentes.

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A latência aleatória é dada por um random walk, ou caminhar aleatório que pode acabar representando dinâmicas diferentes para a intervenção. Ela pode ter seu efeito diluído com o tempo, ou aumentado, ou um local pode ter um efeito maior e mais duradouro.

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O random walk trás essa variação. Random walk é um ruído aleatório que é adicionado ao valor de Rₜ para representar possíveis caminhos que o Rₜ pode seguir

Agora que vimos como Rₜ muda, resta saber como ele se conecta com os casos e como extraímos ele dos nossos dados.

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O Rₜ nos diz a proporção de casos secundários que um infectado causa. Portanto, a princípio, seria apenas aplicar a razão (Casos hoje/Casos ontem), e teríamos o valor de Rₜ.

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Mas as coisas não são simples assim. Nem sempre um infectado infecta alguém já no dia seguinte. Isso leva um tempo. Esse tempo que leva entre infecções é chamado de intervalo entre gerações.

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Ele é dado em termos de uma distribuição de probabilidade que nos diz a proporção de infecções secundárias que ocorreram entre x e x+1 dias após a infecção. Essa é a forma da distribuição de intervalo de geração da COVID-19.

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Nela, a área da curva entre dois dias nos dá a probabilidade de que um caso secundário seja gerado entre os dois dias. Nessa distribuição abaixo, a probabilidade de um caso secundário ocorrer entre o dia 3 e 4 após a infecção é de 21.7%. Caso tenham duvidas, comentem aqui

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Levando em conta então o intervalo entre gerações, o numero de casos hoje Nₜ é dado pelo numero de reprodução Rₜ vezes a quantidade de casos nos últimos dias, multiplicados pelo intervalo de gerações em cada dia, para sabermos quantos dos casos passados geraram casos hoje

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Além disso, há outra coisa que precisa ser considerada. Uma vez infectado, uma pessoa ainda precisa ser testada e ter o resultado. Isso leva tempo. Por isso, o numero de casos hoje N só vai ser reportado após uma quantia de tempo Pc.

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Novamente, Pc é dado por uma distribuição que nos diz a probabilidade de um caso ser reportado x dias após a infecção.

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Ok, temos muitas coisas aqui. Mas notem que quase tudo já é conhecido. Sabemos a forma da distribuição do intervalo de geração, do intervalo entre infecção e notificação, temos acesso à quantidade de casos no passado

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Sabemos a quantidade de casos hoje e o valor de R0 antes das intervenções. Assim, o único real parâmetro desconhecido é o β.

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Levando tudo isso em consideração, calcula-se o valor de Rₜ para os períodos durante uma ou mais intervenções aplicadas e estima-se o valor de β para cada uma delas. Dessa forma, podemos saber o quão eficaz uma medida de intervenção foi (o quanto diminuiu a transmissão).

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Uma coisa interessante é que β não necessariamente é obrigado a ser positivo (a demonstrar efeito para a medida de intervenção). Ele pode ser 0 e até mesmo negativo, caso a medida seja realmente muito ruim.

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Isso é muito importante, pois restringindo β para valores positivos nós forçamos o modelo a encontrar alguma efetividade, o que é enviesar o resultado, por isso neste artigo β não é forçado para valores positivos. Isso é o efeito da escolha de priori no modelo

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Essa é honestamente a parte que eu mais gosto em artigos que envolvem modelagem matemática, entender o modelo e comparar com a realidade. Claro que ainda há fatores que podem ser inclusos, como a heterogeneidade por idade.

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Como cada faixa etária tem padrões de contato diferentes, seria mais justo estimar um Rₜ para cada faixa etária, afim de compor o Rₜ total a partir destes Rs.

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Ou então incluir um outro termo que muda Rₜ que esteja associado à presença de variantes. Por exemplo, pode-se dizer que do período de X até Y, R0 vale 1.7, já de Y para frente, R0 vale 2.1 devido à uma nova variante com transmissibilidade intrínseca maior.

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Entretanto, isso requer dados mais precisos, sabendo a quantidade de casos em cada faixa etária e sabendo a forma das distribuições mencionadas, bem como o R0 para cada faixa etária e específicos de cada variante. Aqui vemos uma barreira para fazer modelos + realísticos

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Frequentemente não temos dados que sirvam para eles. Modelagem matemática de fenômenos é um balanço entre modelos acurados com a realidade e a disponibilidade de dados para ajustá-los. Encontrar esse balanço com os dados disponíveis é incrível.

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A capacidade de uso desses modelos é o que nos permite quantificar e estimar as incertezas em torno de medidas no mundo real.

Perdão pelo fio longo 😅 (Se você chegou até aqui tome esse gif)

Percebi que os pedaços do fio não estão juntos (maldito twitter), o começo é aqui

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