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May 11, 2022, 27 tweets

Yoñlu: o garoto de 16 anos que tirou a própria vida com a ajuda e influência de internautas ao redor mundo.

TW: o conteúdo desta thread envolve suicídio. A leitura não é recomendada para aqueles que se sentirem desconfortáveis com o tema.

Vinícius Gageiro Marques, nascido em 1º de setembro de 1989, em Porto Alegre, era filho único de um professor universitário, ex-secretário cultural do RS, e uma psicanalista. Aos 3 anos, sua família mudou-se para Paris, onde sua mãe iniciou o doutorado e ele aprendeu francês.

Aos 4 anos, ele aprendeu a tocar bateria, piano e violão. Voltou para o Brasil aos 7 anos, iniciou a terapia aos 9, a pedido do seu pai, e aos 10 já escrevia matérias em inglês. Com 13 anos, além de também falar em espanhol, dava aulas online de galês.

Vinícius vinha de uma família repleta de estímulos intelectuais e era descrito como “extraordinariamente inteligente", assim como “superdotado" e “extremamente sensível’’. “Ele tinha uma compreensão hiperbólica do mundo", disse seu psicanalista em uma entrevista.

“Era um menino que tinha uma capacidade de compreender profundamente o mundo, mas não tinha a consistência emocional para dar conta do que via, do que decodificava. Ele tinha uma hipersensibilidade ao mundo que lhe fazia bastante mal’’, completou.

Vinícius sofria de depressão e constantemente sentia que seu corpo estava se desintegrando e seu rosto deformando. Ele precisava se olhar no espelho nesses momentos, para ter certeza de que ainda estava ali, e levava um CD para a escola, para se olhar sem chamar a atenção.

Ele mantinha contato com alguns amigos virtuais através de fóruns internacionais sobre músicas e um blog no qual publicava sobre filmes, mulheres, música e, principalmente, frustrações da vida. Nesses sites, ele encontrou pessoas que o incentivaram a se suicidar aos 16 anos.

Um mês antes de morrer, ele pediu por dicas de métodos fáceis de suicídio e quatro pessoas responderam. A troca de informações persistiu até o dia 26 de julho de 2006, quando ele anunciou em seu blog que tudo aconteceria às 11h, horário em que seus pais estariam fora de casa.

Há 2 meses em internação domiciliar determinada pelo psiquiatra, Vinícius pediu aos pais para fazer um churrasco com os amigos e uma garota no dia 26. Ele chegou a sair para comprar a carne, mas o churrasco não estava realmente em seus planos. Às 11h os pais o deixaram sozinho.

Às 12h ele ligou para informar que os amigos haviam chegado e estava tudo bem. Às 13h os pais deixaram seu violão na portaria e, às 14h18, ele fez o primeiro post no fórum pedindo por orientações sobre como prosseguir com o método escolhido e com fotos das churrasqueiras que usou

Ninguém tentou fazê-lo desistir. Pelo contrário: “Espero que você consiga o que quer", escreveu um dos internautas. Reclamando do calor, Vinícius pediu dicas de como suportá-lo, e um bombeiro aposentado de Chicago o instruiu. Depois disso, ele não retornou mais ao fórum.

“Acredito que funcionou já que ele não voltou", alguém deduziu. O último post de Vinícius foi às 15h02. Às 15h45, a Polícia Federal recebeu uma ligação da Polícia de Toronto, no Canadá, avisando que um suicídio estava ocorrendo em Porto Alegre.

Lindsey, uma universitária canadense, foi quem denunciou. Ela conheceu Vinícius no fórum sobre música e, ao ver o anúncio do suicídio em seu blog, conseguiu o endereço do apartamento com um amigo em comum e entrou em contato com a polícia mas, infelizmente, era tarde demais.

Quando a Polícia Militar chegou ao apartamento, a zeladora demorou 15 minutos para liberá-los, pois achou a história absurda. Ela chegou a chamar o avô do garoto, que afirmou não ser possível, já que o neto estava com amigos, mas a cena que os policiais encontraram foi outra.

Na porta do banheiro havia uma carta colada (trechos abaixo) e, acima dela, um bilhete onde dizia: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono". Lá dentro, Vinícius havia se sufocado com fumaça. Os médicos tentaram reanimá-lo durante 1 hora, mas não tiveram sucesso.

Yoñlu, apaixonado por música, também havia deixado o som ligado, “Porque é bom morrer com música alegre’’, escreveu na carta. Cerca de 40 minutos depois da descoberta do cadáver, Lindsey ligou para a PF novamente, e o policial agradeceu seu esforço, mas informou a morte.

Vinícius já havia tido outras crises em que seu psiquiatra conseguiu intervir. Em uma, ele ligou para o profissional enquanto estava sentado na mureta de uma cobertura, perguntando se deveria ou não pular e pedindo razões para que sim ou não, mas não o fez por ouvir uma “voz".

Ela lhe dizia como se conectar com a vida, com os amigos e com a família, mas em sua última crise, do outro lado, as pessoas o incentivaram ao invés de ajudá-lo. “Quantas vezes um suicida sai do transe e pede por ajuda? Muitas vezes”, afirmou o psicanalista.

“[...] Para que o ato aconteça, é preciso haver uma energia negativa extra, que venha de fora". De acordo com o profissional, Vinícius mantinha um laço com a vida, com as produções dele, os pais e os amigos. Podia ter sido resgatado e continuar vivendo, se não fossem os estímulos

“Ele não teria feito isso, como não fez outras vezes. Sozinho ele não teria coragem. Ele precisava de um impulso extra e infelizmente conseguiu. Alguém o puxou pra baixo. Em um momento crucial, ao invés de um abraço, ele encontrou um empurrão", completou.

Vinícius tinha até mesmo pedido aos pais que comprassem ingresso para um show que aconteceria no dia 30 e iniciado um tratamento de pele para as espinhas, mesmo com o suicídio sendo planejando há tempos.

Mesmo tendo sido instigado por pessoas de diversos países, a polícia não considerou a morte de Vinícius um crime. O caso passou pela Delegacia da Criança e Adolescente, pela Polícia Federal e, por fim, para a Polícia Civil, mas o inquérito foi concluído sem indiciar ninguém.

O delegado concluiu que Vinícius tinha a intenção clara de se matar e admitiu que o fato dos diálogos na internet estarem em inglês tornou-se um problema. Nenhum dos internautas foi identificado. O ex-bombeiro, se indiciado, poderia ser condenado a até 14 anos de prisão.

Além dos desenhos e fotografias, Yoñlu também deixou um CD com todas as suas músicas, que foi lançado em 2008 por uma gravadora brasileira. Um ano depois, sua versão internacional foi lançada, e em 2017 sua história ganhou um filme intitulado YOÑLU – O filme.

"A propagação da obra de Vinícius não é um meio de minimizar o vazio que sua morte prematura acarretou. É um compromisso com a mensagem de vida de que toda grande arte é portadora", disse seu pai em uma entrevista. "Não há consolo para a morte de um filho", completou.

Na carta de despedida, Vinicius finalizou escrevendo: “Se conseguirem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada de especial aconteceu no dia de hoje. O mundo continua igual. (...) Espero que não tenha ficado nada pendente”.

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