O ato golpista de hoje marca, na minha opinião, um novo momento na estratégia de mobilização bolsonarista, que se tornou um grande problema para a democracia brasileira.
Vem que é fio 🔌
1) Eu já cobri muitos atos bolsonaristas desde 2018, mas a de hoje teve aspectos inéditos. Pela 1ª vez, não foi preciso nenhuma convocação de figuras públicas do bolsonarismo. Nem Bolsonaro, nem os filhos, nem os deputados e senadores estavam pautando publicamente isso.
2) A mobilização para os atos ocorreu quase exclusivamente por meio de correntes de WhatsApp e Telegram. Guarde essa informação porque é importante. E elas eram bem específicas.
3) Dezenas de milhares de pessoas foram para as portas de quarteis. E não foram só os radicais, alguns nazistas, como em SC. Tinha muita gente normal no Rio. O perfil esteve bem distante dos atos de Copacabana: gente velha, rica e abertamente fascista.
4) Em comum, essas pessoas foram completamente capturadas pelo sistema de comunicação fechado do bolsonarista. Articulam apps de mensagem, YouTube e etc. Não pode ler jornal, nem ver TV. Até a Jovem Pan tinha "se rendido ao sistema" por causa das demissões dessa semana.
5) Essa rede não só se vende como suficiente para o público ficar "bem informado", como demoniza qualquer informação que venha de fora -imprensa, influencers não alinhados. Tudo. Vemos nos grupos que qualquer pensamento independente é reprimido, muitas vezes até com expulsão.
6) É um comportamento típico de seita: os participantes fazem um pacto de silêncio e são compelidos a se fechar para o mundo. Ao mesmo tempo, é claramente um movimento articulado e com comando central. Não fosse assim, as mensagens não seriam tão coerentes entre si.
7) As mensagens de convocação tinham instruções bem diretas: nada de menções a Bolsonaro, só chamar o golpe de "intervenção federal", não manifestar pautas abertamente golpistas, como fechamento do STF.
8) E as pessoas atenderam. As camisas e bandeiras do "mito" sumiram, os ataques ao STF baixaram de tom e o canto "intervenção federal" era constante. Não houve ênfase em ataques à imprensa. Não ouvi nenhuma vez cantarem "Globo lixo", algo que era regra nos protestos até aqui.
9) Muitos presentes eram evangélicos, por exemplo. Gente humilde e totalmente capturada por essa rede. Estão desesperados porque foi vendido que a derrota de Bolsonaro era, literalmente, a vitória do diabo. No vídeo abaixo, mulheres rezam e falam em línguas em frente ao CML.
10) Como não podia entrevistar ninguém para não ser exposto, fiquei bem atento às conversas nas rodinhas. Acreditam no fechamento de igrejas, satanismo e etc. Como sabemos, isso foi dito à exaustão por pastores e padres que fizeram campanha aberta nos templos religiosos.
11) O ambiente de desinformação é terreno fértil para teorias da conspiração. Muitas pessoas estavam convictas de que "eles" tinham cortado a internet. A realidade: tinha muita gente e, como todo mundo sabe, nessas ocasiões fica quase impossível usar a internet do celular.
12) Nos grupos de famílias e amigos, notei que sempre havia uma espécie de competição para mostrar que estava "mais bem informado" que os demais. Na prática, isso consiste em repetir mais campanhas de desinformação e com base nesse caldo de cultura, formular suas próprias teorias
13) A mobilização e coesão do movimento de hoje não dependeu de Bolsonaro, seus filhos e aliados publicamente falarem dele, inclusive usando a mídia tradicional. Dessa vez, as pessoas cobriram ou rasparam o nome de Bolsonaro do material que levaram porque a orientação era essa.
14) São atos menores do que já vimos o bolsonarismo realizar? Sem dúvida, mas as pessoas realmente acreditam que vão conseguir um golpe de Estado. Há até a crença, com base nas correntes, que se a mobilização durar 72 horas haverá respaldo legal para o Exército agir.
15) Aqui as pessoas estavam eufóricas comemorando porque o boato de que Bolsonaro havia decretado a tal "intervenção federal". Surgiu no WhatsApp, arrisco dizer que com o objetivo de reverter a desmobilização causada pelo temporal que caía nessa hora. Muita gente estava saindo.
16) Como disputar a arena democrática com quem está completamente apartado dela? Não sei a resposta, mas hoje vi gente chorar festejando um golpe que não passava de ficção. Esse é o desafio que a democracia brasileira vai precisar enfrentar.
Adendo 1: Gente, eu sei que tem áudio atribuído ao Eduardo Bolsonaro circulando nos grupos. Eu falei que não rolou PUBLICAMENTE. É completamente diferente mandar um áudio apócrifo e falar em discurso transmitido em rede nacional.
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