ACELERACIONISMO: um guia para quem não sabe o que é – e para quem acha que sabe, mas não sabe.
há duas linhas maiores no aceleracionismo: (1) a de prescrições políticas, que se ramificam em um amplo espectro, e (2) a da descrição prognóstica do processo de aceleração.
segue o🧵
o termo surge em 2010, quando benjamin noys diz que textos como o anti-édipo de deleuze e guatarri, economia libidinal de lyotard e a troca simbólica e a morte de baudrillard respondem à afirmação de marx que "o verdadeiro obstáculo à produção capitalista é o próprio capital" +
com uma política do quanto pior, melhor: se o capitalismo gera as forças de sua própria dissolução, então é necessário acelerar o capitalismo. apesar de ser discutível se essa é uma boa leitura de o anti-édipo, por exemplo, +
ela ao menos é viável: na imagem, o excerto hoje conhecido como fragmento aceleracionista de o anti-épido. +
em 2013, o "manifesto por uma política aceleracionista" de srnicek e williams elabora essa leitura a partir do complemento, também de o anti-édipo, que aquilo que o capitalismo desterritorializa de um lado, ele reterritorializa de outro, que ser seu próprio obstáculo significa: +
o crescimento econômico e o desenvolvimento técnico estão restritos ao enquadramento da axiomática de autovalorização do capital. contra isso – e também as políticas localistas de resistência –, o manifesto propõe que a plataforma material do capitalismo deve ser apropriada por +
uma rede de organizações que visam acelerar o potencial emancipatório dessa infraestrutura, através de iniciativas de planificação descentralizada em escala global, desvinculando a engenharia social da tecnocracia ao repaginar a ideia de hegemonia como um poder transversal. +
parte de sua inspiração remonta ao chamado comunismo cibernético. na urss, kantorovich propôs um modelo de planificação computacional de programação linear e glushkov uma rede cibernética descentralizada. ambos os projetos foram sufocados por stalin e seus sucessores. +
a história dessa ideia é retomada no chile de allende, com o projeto cybersin, também uma rede cibernética descentralizada, baseada na coleta de dados e seu tratamento estatístico em simulações econômicas, informando decisões que perpassavam desde as fábricas até o governo. +
quando estava em seus primeiros testes, porém, pinochet deu o golpe.
são ideias que diferem do simples desenvolvimentismo, pois aliam técnica e autogestão – o que tem atraído anarquistas. e que lenin talvez tenha entendido ao dizer: "comunismo = sovietes + eletricidade". +
é importante notar que, ao menos terminologicamente, o aceleracionismo surge na esquerda e se referencia nela. o proto-aceleracionismo francês dos 70s, com erros e acertos, foi, a seu modo, uma tentativa de elaboração do saldo de 68, sintetizado no insight do jovem cohn-bendit: +
questionado do porquê os 50 mil estudantes que passaram diante do parlamento e do palácio de eliseu não cogitaram tomá-los, como os bolcheviques fizeram com o palácio de inverno, respondeu que, ao contrário de 1917, em 68 o estado já não tinha um centro, estava em todo lugar. +
nesse sentido, o aceleracionismo de esquerda busca dar conta de um problema de escala e complexidade, já mapeado no "aceleracionismo" de marx, que srnicek e williams reivindicam. pois marx seria o primeiro a compreender que o capitalismo contém e obstaculariza sua superação. +
na primeira imagem, seu discurso na associação democrática de bruxelas. na segunda, o célebre fragmento sobre as máquinas, onde marx prognostica que o desenvolvimento tecnológico põe a humanidade como meio do processo no qual o maquínico é começo e fim da produção e do social, +
que, no limite, obsolesce o trabalho e colapsa o capitalismo. em o capital, isso é retomado em várias perspectivas, da consideração do potencial comunista da maquinaria "em si mesma" até o da contabilidade em escala social, do cooperativismo e da acionarização da riqueza. +
o aceleracionismo de esquerda também ressoa em agendas como as de gênero e raça. no xenofeminismo, por exemplo, a estratégia consiste na abolição tecnológica do gênero para além da corporeidade e subjetividade estética e individual, desnaturalizando tanto substratos biológicos +
quanto a pragmática normativa do gênero. não, porém, erradicando os marcadores de gênero e assim neutralizando os sexos, mas proliferando mais e mais sexos e assim neutralizando os marcadores de gênero. a igualdade, portanto, não vêm de menos diferenças, e sim de mais. +
em reflexões sobre raça, como na negraceleração, o afrofuturismo se articula ao afropessimismo na leitura da base diaspórica do capital. na modernidade ocidental, a negritude é pós-humana, ou seja, a oposição capital/humanidade nasce falsa, e, portanto, passível de superação. +
tudo somado, as prescrições do aceleracionismo de esquerda não são do quanto pior, melhor, ou uma aposta acrítica na tecnologia, mas o mapeamento das potencialidades emancipatórias que, à revelia do capital, este produz. não é, pois, uma aceleração incondicional, mas seletiva. +
no entanto, e ainda no âmbito da política, "aceleracionismo" tem ganho sentidos adicionais. qualificar essas variantes como distorções não é só inútil, mas paroquial, purista, com tanto que se observe que as afinidades eletivas que o termo estabelece são sobretudo lexicais. +
o primeiro caso, vindo de pequenas células da direita supremacista ou mesmo de ações de indivíduos, mas com alguma repercussão midiática, consiste na ideia de que atos terroristas contra grupos minoritários acelerariam as polarizações políticas existentes. +
enquanto esse primeiro caso, e só ele, aposta no quanto pior, melhor, o segundo, e só ele, é parcialmente uma aposta acrítica na tecnologia. chamado aceleracionismo eficaz, ele surge como contraposição ao altruísmo eficaz e suas preocupações com os riscos da emergência das ias. +
em parte, o aceleracionismo eficaz é uma atualização da ideologia californiana dos 90s, agora em um vale do silício fragmentado de incertezas, às quais esse aceleracionismo propõe uma aceleração incondicional, que, de um lado, crê na positividade da técnica para a humanidade, +
mas de outro, rejeita o transhumanismo e subscreve uma agenda singularitana, a tese de que a vindoura inteligência artificial geral se descontinuaria da humanidade. o aceleracionismo eficaz, porém, ainda crê, seja quanto ao antes ou depois disso, em algum agenciamento humano. +
em linhas gerais, o aceleracionismo do tipo (1) é um amplo espectro que em menor ou maior grau se baseia na ideia de uma agência humana capaz de formular prescrições políticas de intervenções em tendências sociais passíveis de intensificações direcionadas, inventando o futuro. +
a ideia de um futuro a ser inventado ecoa em trabalhos como de mark fisher, para quem o "realismo capitalista" ideologiza não haver alternativa, e reza negarestani, que investiga as possibilidades de navegarmos politicamente a artificialização de nossa própria inteligência. +
e por fim, o começo: land. é land que nos 90s subverte marx a partir de o anti-édipo. é land que, ao lado de marx, o aceleracionismo de esquerda situa como pensador aceleracionista paradigmático, mesmo que criticado. é land que comparece como inspiração, mesmo que parcial, do +
xenofeminismo, de fisher, negarestani e do aceleracionismo de direita e do eficaz. para land, porém, o aceleracionismo do tipo (1), como prescrição política, é simplesmente um oxímoro – ou ao menos para land nos 90s. pois a política é uma das coisas que a aceleração anacroniza. +
não no sentido liberal de que o capital nos conduz para uma utopia solarpunk (imagem 1) de “high-tech, high-life”, que dispensaria a política, mas de uma distopia cyberpunk (imagem 2) de “high-tech, low-life”, na qual o agenciamento humano sobre o social é desativado. +
no revolucionarismo clássico, o capital é uma fase necessária da emancipação humana, mas também um obstáculo a ser destruído. nesse sentido, há uma aliança entre humanidade e meios de produção, contra o capital, na medida que a automação obsolesce o mundo do trabalho. +
em land, a humanidade é uma fase necessária, mas também um empecilho a ser superado, na emancipação dos próprios meios de produção. nesse sentido, há uma aliança entre meios de produção e capital, cuja dinâmica autorreforçadora (processo de aceleração) obsolesce o mundo humano. +
land recusa, assim, tanto a posição de que o capital é aliado da humanidade (liberalismo), quanto a de que esse aliado são os meios de produção (revolucionarismo clássico), bem como recusa a recusa humanista de ambos (tradicionalismo reacionário). a revolução é das máquinas. +
daí a posição de land, e só dele, no aceleracionismo do tipo (2), como descrição do processo de aceleração. seu singularitarismo é prognosticamente um anti-humanismo. o social é horizontalizado ao ponto de inviabilizar seu controle. e "nada humano sobrevive ao futuro próximo". +
no "resuminho", é isso.
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para quem quer se aprofundar no assunto, sugiro dar uma olhada no canal do cpc (circuitos de pesquisas contemporâneas) no youtube e também no canal do @transehub. seguem os links:
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