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Dentro das pistas, o melhor amigo de Ayrton Senna, a thread 🧶

Imagina ter o privilégio de dizer que, mais do que um companheiro de equipe, você foi o melhor amigo de uma lenda. Que, ao se lembrar dele, você o vê sorrindo com roupas comuns.

Nosso protagonista de hoje pode falar tudo isso com tranquilidade. Deixa eu te contar sobre ele.

📌 Caminhos paralelos

Um filho de empresário que não tá muito afim de seguir o mesmo rumo do pai, então resolve tentar a vida nas corridas.

Com um ajuste aqui e outro ali, as histórias de Senna e Berger poderiam partir do mesmo parágrafo sem qualquer prejuízo de sentido.

A principal diferença, talvez, tenha sido o nível de incentivo dos pais nessa empreitada. Enquanto o Seu Milton Senna apoiava (ainda que relutante e com suas condições) o plano do filho, Hans Berger não queria saber de papo.

Mas ele tinha seus motivos. Quer ver? Pensa comigo.

Hans tinha uma empresa de caminhões onde seu filho, Gerhard, trabalhava com ele como mecânico.

Em 1979, uma outra empresa do mesmo ramo faliu e, por coincidência, Gerhard se tornou pai. Hans, então, a comprou e deu a ele, cheio de orgulho, para ajudá-lo a começar a própria vida.

Só que, ainda em 79, um amigo de Gerhard lhe emprestou seu Ford Escort para um evento automobilístico que teria na cidade vizinha. Foi sua corrida de estreia e já levou a vitória.

Quando Hans descobriu, ficou tão puto que parou de ajudá-lo na recém-começada vida de empresário.

Mesmo sem o apoio do pai, Gerhard seguiu nas corridas. Quatro anos depois, disputou uma etapa da F3 Europeia com um brasileiro que dominava a chuva tanto quanto ele.

“Já tinha ouvido falar de Senna: o campeonato absoluto, o melhor, o eliminador de obstáculos que vinha do Brasil”

“Ele ficou na minha frente nos treinos por quatro segundos, mesmo eu tendo passado por todos os limites do risco. Foi quando eu notei que era possível ser mais rápido.”

“Mas, de qualquer forma, já desde o princípio tive um certo respeito pelo cara”.

📌 Bem-vindo à Fórmula 1

Imagina ser um novato nos anos 80, quando Ayrton e Gerhard chegaram à categoria.

Tinha que mostrar serviço ao lado de Lauda, Prost, Piquet... Acho que se juntasse todos os campeões que corriam na mesma temporada, não sobrava espaço nem pra marcar ponto.

Mas os dois se estabeleceram muito bem, obrigada. Logo assumiram o volante das duas rivais: Ayrton na McLaren, Gerhard na Ferrari.

Não que Gerhard não tivesse tido a oportunidade de guiar pela britânica, mas “escolheu a Ferrari por pura emoção, já que sempre sonhou com ela”.

"Mas no final, fiquei um pouco cansado da Ferrari", contou.

"Precisava de um novo desafio, e eu via que as coisas estavam andando em círculos na equipe, um pouco como é agora: sempre com uma grande esperança no amanhã, sempre esperando pela próxima vez".

📌 O caótico 1989

Quando eu te digo que parece que esses dois seguiam caminhos paralelos, é disso que estou falando.

Acho que dá pra dizer que tudo ia bem para ambos, mas foi nesse ano que os dois, cada um à sua maneira, sentiram na pele que a Fórmula 1 não é um mar de rosas.

A começar pelo risco.

Em Imola, Gerhard Berger sofreu um impacto equivalente a 100 vezes a força da gravidade ao se chocar contra o muro da Tamburello. E, pra completar, sua Ferrari ainda pegou fogo.

O piloto austríaco teve queimaduras de segundo grau e uma costela trincada.

“Quando eu estava no hospital, ele me ligou e eu falei: ‘Ayrton, nós temos que fazer alguma coisa com esse muro. Algum dia, ele vai matar alguém’.”

Só que, infelizmente, havia um riozinho bem atrás da maldita parede, então nada foi feito. Ela continuou ali.

Na McLaren, Ayrton vivia uma verdadeira guerra interna. Ele e Prost só faltavam cuspir no capacete um do outro.

Foi aí que nossos protagonistas finalmente se uniram: quando Alain anunciou a saída da equipe, Ron Dennis não hesitou em chamou Berger para assumir o lugar do francês.

“Eu tinha propostas melhores que a da McLaren, mas eu queria tentar algo novo. Só esqueci que no outro carro estaria o próprio Ayrton Senna.”

(Literalmente)

📌 Fiel escudeiro

Gerhard é um dos poucos que aceitaram de bom grado o papel de segundo piloto, mas levou algum tempo para que ele entendesse que Ayrton não era como os outros.

E não só pelo talento, mas também porque o brasileiro não estava lá em seus dias mais simpáticos.

Mas vamos dar um desconto, vai. Era o começo da temporada de 1990, da qual ele quase ficou de fora por causa do imbróglio com Prost e Balestre. Qualquer um estaria carrancudo.

Só que o mau humor dele não contava com a simpatia de Berger, e os dois logo se tornaram ótimos amigos.

Quando tudo se acalmou nas garagens da McLaren, o senso de humor dos dois se encaixou como duas pecinhas de quebra-cabeça, e as histórias das pegadinhas vivem até hoje.

A minha favorita aconteceu na Austrália, em um feriado em Queensland. Deixa eu te contar, prometo que é boa.

Começou quando Ayrton fez o “favor” de colocar todas as roupas de Gerhard na água quente, manchando todas elas. E o austríaco, claro, não deixou barato.

Pagou cem dólares para que um funcionário do hotel trouxesse 40 sapos gigantes (que, segundo Berger, chegavam a pesar 4kg).

Ayrton encontrou todos eles no próprio quarto de madrugada, e saiu gritando de desespero. Na manhã seguinte, Gerhard não deixou a piada morrer:

“E onde você encontrou a cobra?”
“Seu filho duma puta, eu não encontrei nenhuma cobra!”

Senna trocou de quarto. Se recusou a voltar 😂

E a parceria continuava dentro do carro, também. O episódio mais famoso foi em 91, no Japão.

Senna, já campeão, liderava a corrida e, num gesto que evidenciou o quão grande era, deixou Berger passar na última curva para ter, pela primeira vez, o gostinho da vitória.

📌Vida pós-Imola

A amizade foi forte o bastante para resistir à loucura da F1. Mesmo quando Berger voltou pra Ferrari, em 1993, o carinho permaneceu intacto. E foi assim até o final, no dia primeiro de maio de 1994.

Mas, pra falar daquele dia, vou passar a palavra a Gerhard.

“Eu era da Ferrari, então tinha uma grande torcida italiana gritando.”

“Olhei para Ayrton, já dentro de sua Williams, e ele estava rindo sob o capacete. Porque eu ficava feliz quando era algo bom com ele e ele ficava feliz quando algo era bom para mim. Foi nosso último contato.”

No velório, a assessora de Ayrton, Betise, tinha a mais absoluta certeza de quem é que deveria ir na frente para levar o caixão de Ayrton.

“Não havia nenhuma dúvida em minha mente que Gerhard tinha de estar bem na frente, pole position absoluta”, e assim foi.

Sem o amigo, Gerhard Berger seguiu como piloto da Fórmula 1 até 1997. Somou, ao todo, 10 vitórias - e pera lá antes de me dizer que é pouco.

Em época de Senna, Prost e Schumacher, vencer dez corridas foi um grande feito, sim.

Depois, aposentado, foi chefe da BMW até 2003. Em 2006, comprou metade da Scuderia Toro Rosso.

Gerhard ainda aparece no padoque com o senso de humor de sempre, mas sem o companheiro de equipe que não conseguiu superar.

Até hoje, ele lembra de Ayrton com todo o carinho do mundo.

“Conheci Ayrton como poucas pessoas o conheceram. Cheguei a percebê-lo, a indagar dos seus segredos, até me tornar o seu único amigo na Fórmula 1, como ele foi o meu.

Com ele eu aprendi muito sobre o nosso esporte.
Comigo, ele aprendeu a rir.”

-Gerhard Berger.

Essa é a quarta thread de um especial dos 30 anos sem o Ayrton que vai rolar até 01.05 - e a ideia não é lembrar da morte, mas da vida e das pessoas com quem ele conviveu.

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E se você estiver chegando agora e quiser ler mais sobre o nosso maravilhoso (e um tanto quanto caótico) mundinho da Fórmula 1, dá uma olhada aqui que tem bastante conteúdo legal pra te ajudar a entender:

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