Thread by @_ritmo_

10 DIAS COM BOLSONARISTAS

Por 10 dias acompanhei um grupo da campanha do Bolsonaro no Telegram. Nesta sequência relato a dinâmica dessa organização no Telegram para a propaganda pró-Bolsonaro. Nenhum dado pessoal que permita identificar usuários será publicado. Siga o fio 👇

Esse grupo já existia desde 24/11/17, mas cresceu rapidamente em número de usuários a partir de 18/10/18 como reflexo direto da publicação de reportagem na @folha denunciando o esquema de campanha ilegal via WhatsApp.

Os novos usuários no Telegram migraram em bloco do Whatsapp que então era alvo de denúncia de crime eleitoral. A maioria deles nunca tinha usado o Telegram antes, nem mesmo ouvido falar. O grupo seria um sessão de treinamento ao vivo para o engajamento de novos atores políticos.

A reportagem saiu na @folha em 18/10/18 às 2h. Até a véspera da publicação, esse grupo no Telegram possuía 1394 usuários, dos quais apenas 197 eram ativos trocando diariamente 1640 mensagens em média. A imagem mostra o pico de mensagens após a publicação da @folha:

A partir da publicação da reportagem sobre o esquema no WhatsApp, o grupo recebeu uma leva de 389 novos usuários em 19/10/18 com um pico de 463 usuários ativos em 20/10/18. No dia da eleição, 28/10/18, o grupo já contava com 3,3 mil usuários. A imagem mostra a evolução de users:

Qual o interesse da campanha em fugir dos holofotes sobre o Whatsapp e migrar para o Telegram, plataforma muito mais difícil de rastrear e sem base legal estabelecida no Brasil (veja nota)? Quem e como estava liderando esse processo? Quais dos usuários eram os líderes do grupo?

(Nota: o Telegram tem origem na Rússia e opera com servidores espalhados na www, e não tem sede no Brasil como o Whatsapp, que pertence ao Facebook Serviços Online do Brasil LTDA)

Desde a publicação do esquema de Caixa 2 da campanha de Bolsonaro financiando disparos em grupos e listas no WhatsApp em 18/10/18, a atividade no grupo alterou-se significativamente.

De um total de pouco mais de 14 mil mensagens que circularam no grupo, 13 novos usuários destacaram-se entre os mais assíduos no grupo, com um total de 3229 mensagens, equivalente a 23% de toda atividade no grupo no perĩodo de 18/10/18 a 28/10/18.

Estes gráficos mostra a dispersão de usuários no período anterior e posterior ao escândalo do Whatsapp segundo o tempo de participação no grupo e seu engajamento ativo em mensagens e respostas.

Como disse acima, 18 dos usuários mais ativos nesse período já eram líderes desde antes de 18/10/18. Dentre eles estão os 8 administradores do grupo, que mantêm uma conduta discreta. Postam pouca ou quase nenhuma informação nova, apenas monitoram a atividade dos demais usuários.

Mais do que líderes, são guardas que vigiam a atividade dentro do grupo, impondo regras de comportamento obrigatórias: nome e foto pessoal no perfil de cada usuário. Quem não publica sua foto tem ainda a opção de enviar uma foto por mensagem direta no privado a um admin.

CONCLUSÕES INICIAIS SOBRE A DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DESSE GRUPO PRÓ-BOLSONARO NO TELEGRAM:
Este grupo analisado é composto por membros majoritariamente orgânicos, pessoas reais, com abrangência territorial significativa, fora dos grandes centros urbanos RJ-SP.

A julgar como válidos os códigos de área (DDD) dos números de telefone de usuários, o alcance da mensagem de Bolsonaro via Telegram irradiava das capitais (e do exterior) para cidades pequenas no interior e em estados do Norte e Nordeste inclusive.

O engajamento é voluntário. Ia dizer "sincero", mas me corrigi, porque muitas (muitas!) vezes não se pode distinguir se um usuário acredita ou não no que os outros estão divulgando, ou mesmo no que ele próprio está divulgando.

Esse descuido com a veracidade das informações é normal no grupo, e o reforço mútuo das certezas improvadas é o motor que faz a boataria circular e crescer.

Mas a tônica mais marcante do grupo não é simplesmente a geração e emissão centralizada de propaganda, e sim o seu contrário: o grupo é um lugar seguro para os membros aderentes irem tirar dúvidas e "checar" informações da propaganda que circulam em outros fóruns.

"É verdade que o Mito disse isso mesmo? Posso divulgar?"
"Na minha cidade tem muito comunista mentindo dizendo que o Capitão é defensor de ditadura e tortura, me ajudem a desmentir esses canalhas, tem material fácil pra desmentir?" são tipos de frases comuns no grupo.

Neste ponto é interessante notar como o trabalho de esclarecer o usuário engajado voluntariamente é compartilhado entre os usuários assíduos e os administradores do grupo. Uma postura de autoridade claríssima é dada para aqueles mais ativos, que são respeitados pelos novatos.

Aliás, o único momento em que o administradores saem de suas funções de guardas do grupo é para tirar dúvidas de notícias e propaganda oficial, regularmente reforçando e disseminando as mesmas fantasias compartilhadas.

Concluo esta primeira publicação com o que pude levantar até o momento das eleições. No dia 28/10/18, houve muita apreensão de fraudes nas urnas, denunciando pesquisas como encomendadas, profusão de bordões como "Menos de 65% é fraude!", e daí pra mais.

Além disso, eram comuns falas de premonição de movimentos insurrecionais da esquerda para barrar a vitória do "Mito". Enfim, a fantasia compartilhada também era useira da paranóia defensiva entre os seus.

À notícia da vitória eleitoral, seguiu-se comemoração genuína e, claro, destilação contínua do ódio contra os derrotados. O entusiasmo transbordou em visões triunfantes que quase sempre eram tributadas a Deus.

Tenho mais material para continuar esta sequência, com o período pós-eleitoral, e neste interregno de fim de 2018. Alguém pode estar se perguntando, como aliás membros do grupo o fizeram: mas afinal, esse grupo continuará mobilizado após a vitória nas eleições?

A resposta é SIM, claro, garantem os próprios administradores do grupo. Se eu puder, contarei aqui como seguirá funcionando a máquina de propaganda pró-Bolsonaro num dos canais mais enraizados da sua comunicação online.

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