2019 marca o centenário da primeira visita de um Presidente Brasileiro aos Estados Unidos da América.
Quer saber quem era o presidente e como foi viagem? Segue o fio
O ano era 1919 e o mundo havia passado pela maior guerra já vista até então, conhecida, já naquela época, como “A Grande Guerra”. Após quatro anos de destruição a paz estava para ser, definitivamente, assinada em Versalhes, na Conferência da Paz, convocada pelas nações vencedoras
O Brasil, único país sul-americano a lutar na guerra, teve participação especial na Conferência. A delegação chefiada por Epitácio Pessoa obteve ganhos importantes para o país, ajudando a aumentar o prestígio internacional do Brasil, naquele momento de construção do mundo moderno
Ao viajar para a França, em 02 de janeiro de 1919, a bordo do navio Curvelo, para chefiar a delegação brasileira na Conferência de Paz, Epitácio Pessoa deixou para trás um país às vésperas de uma crise relativa à sucessão presidencial
O sistema político era vulnerável à política do café com leite, pois os três maiores estados se desentendiam cada vez mais sobre a escolha de um sucessor presidencial, e já sofria com o surgimento de tensões trabalhistas e da pressão exercida pela classe média urbana e militar.
Com o falecimento do Presidente Rodrigues Alves, em janeiro daquele ano, o Vice-Presidente Delfim Moreira assumiu interinamente a presidência e convocou nova eleição para o dia 13 de abril de 1919.
Uma Convenção Nacional escolheu, em 25 de fevereiro, ainda durante a realização da Conferência da Paz, Epitácio Pessoa como o candidato oficial do governo brasileiro na disputa presidencial, que obteve 139 votos contra os 42 recebidos por Rui Barbosa.
Ao saber da escolha, o embaixador americano no Brasil indicou ao Departamento de Estado que na Conferência de Paz a delegação norte-americana teria a oportunidade de conhecer melhor o futuro presidente, que parecia ter intenção de cooperar com os Estados Unidos.
Mesmo com a campanha à milhas de distância de Paris, e sem sua efetiva participação, a intenção de Epitácio era de sempre trazer vantagens para o Brasil com suas ações, e, diante da certeza que seria o próximo presidente do Brasil, buscou maximizar os ganhos relativos para o país
Naquele momento já havia uma simbiose entre o diplomata e o presidente eleito.
Epitácio Pessoa foi o vencedor da eleição para o triênio 1919-1922, obtendo 249.342 votos, contra 118.303 recebidos por Rui Barbosa.
O Presidente eleito usou como plataforma de governo o discurso que proferira, ainda em 1918, no jantar que lançou o nome de Rodrigues Alves para a presidência, quando chamou atenção para dois temas principais: a economia e as disparidades regionais.
Ele alertou tanto os políticos quanto os homens de negócios de que o crescimento econômico pelo qual o Brasil estava passando era resultado dos novos mercados providos pela Europa durante a Guerra, mas não duraria para sempre.
Por este motivo, Epitácio Pessoa desenhou três vias pelas quais o país poderia se preparar contra a recessão:
que os homens de negócio se concentrassem em melhorar a qualidade de seus produtos para fazê-los competitivos no mercado mundial; a necessidade de se expandir o mercado interno; o Brasil certificar-se de obter o máximo de benefícios do seu comércio internacional.
O talento diplomático de Epitácio Pessoa foi determinante para o sucesso diplomático do Brasil, bem como sua relação pessoal com o Presidente Woodrow Wilson, que foi um grande defensor dos interesses brasileiros.
O sucesso diplomático do Brasil e a mudança da autoridade do chefe da delegação brasileira, bem como sua natureza de participação na condução da política externa do Brasil, podem ter sido determinantes para os convites que Epitácio Pessoa recebeu como Chefe de Estado:
Visitou a França, onde já se encontrava, Bélgica, Itália, Vaticano, Inglaterra, Portugal, Canadá e Estados Unidos, no que convencionei chamar de “Diálogo entre os Grandes”.
Após deixar a Europa, antes mesmo da assinatura do Tratado de Paz, Epitácio Pessoa e sua comitiva, ficaram à deriva no Oceano Atlântico quando o navio francês, Jeanne D´Arc que os transportava, quebrou.
Naquele momento, o Brasil, que havia perdido há poucos meses seu presidente, estava com o Presidente eleito em perigo no meio do oceano
Após um complicado resgate em alto mar, o navio americano, USS IMPERATOR, conduziu o presidente eleito à salvo para os Estados Unidos, adentrando a baía de Hudson no dia 20 de junho de 1919, seguido de destroyers americanos para a escolta do Chefe de Estado brasileiro.
Já no dia 21 de junho o Presidente eleito e sua comitiva viajam para Washington. Epitácio Pessoa foi recebido formalmente, na Casa Branca, como convidado do Governo Americano, pelo Vice-Presidente Marshall por indicação de Woodrow Wilson
À noite participou de um jantar oferecido pelo Vice-Presidente americano, na sede da União Pan-Americana, onde pronunciou um discurso declarando o Brasil um amigo dos Estados Unidos, enaltecendo os laços de amizade e respeito entre os dois países, “desde a formação
da nossa nacionalidade, resultado de laços morais, intelectuais e políticos, de sentimentos idênticos de dignidade e independência, traços característicos dos dois povos”, e que o o Brasil se alegraria em continuar desenvolvendo cada vez mais as relações que unem os dois países.
No dia seguinte viajou no iate presidencial “Mayflower” até Mount Vernon, para visitar a tumba de Washington, onde depositou uma coroa de flores e reconheceu o débito que o seu país e o resto do mundo tinham com o primeiro Presidente dos Estados Unidos.
Na segunda, dia 23 de junho de 1919, Epitácio seguiu para o Capitólio, onde visitou o Senado e a Câmara dos Representantes, que entraram em recesso por ocasião da visita.
Em um breve discurso na tribuna do Vice-Presidente, antes da recepção informal que se seguiu, Epitácio disse:
“I have no words to express all my thanks for the honor you tender to me by receiving me in this House. It is not remarkable that I have no words to express my thanks, because my thanks are very great and very extensive, and my English is very short...
But I can assure you that Brazil, the ancient friend in the life of the United States, will keep in her heart the memory of the cordial reception.”
À noite Epitácio retornou à sua residência temporária, e formalmente recebeu todos os membros do corpo diplomático Latino-Americano que estavam em Washington, na ocasião.
Posteriormente, ele e sua comitiva foram os convidados de honra na recepção dada pelo Secretário do Tesouro, Carter Glass, no Hotel Willard.
Discutindo a situação mundial, especialmente em relação ao continente americano, Epitácio disse que as condições difíceis do pós-guerra, juntamente com o trabalho de reconstrução da Europa resultariam...
em uma pesada imigração que afetaria tanto o norte como o sul do continente, e que empregaria toda sua força, quando voltasse ao Brasil, na aproximação dos países do sul e do norte com o Brasil...
solidificando seus interesses e suas relações em comum, sem nenhuma hostilidade com os países europeus, e com um desejo em particular de desenvolver as relações econômicas e comerciais do Brasil com estes países.
O dia de 24 de junho foi o último da visita oficial do Presidente Eleito à capital norte-americana. Neste dia, através do telegrama nº 48, endereçado ao Presidente do estado da Paraíba, informa que...
ainda não sabe se poderá passar por lá, como é seu desejo, mas que caso possa, deverá fazê-lo por volta de 17 de julho, em visita que não poderá exceder 24 horas.
Nova recepção foi organizada, desta vez em um almoço organizado pelo Secretário do Comércio, Willian C. Redfield, também no Hotel Willard. As relações cordiais existentes entre o Brasil e os Estados Unidos foram enfatizadas pelo convidado de honra.
As festividades em honra do Presidente eleito do Brasil terminaram à noite, em um jantar oferecido pelo Acting Secretary of State, Frank L. Polk, em sua residência, sucedido de uma recepção na sede da União Pan-americana.
em 25 de junho de 1919, matéria de jornal afirmando que a recepção foi um tributo ao Chefe do Executivo da grande república irmã. Um grande evento em que quase todo mundo importante na vida oficial esteve presente para homenagear Epitácio e sua esposa.
A ausência do Presidente Wilson foi muito sentida, já que ele ainda estava na Europa, mas entre as figuras mais destacadas estiveram o Vice-Presidente Marshall e esposa, o Secretário da Marinha Daniels e sua esposa, o Secretário do Comércio Redfield, além de diversos diplomatas
Após deixar a cidade de Washington, o Presidente brasileiro chegou à cidade de Nova Iorque. Depois da recepção, no desembarque, dirigiram-se ao prédio da Prefeitura, onde foram oficialmente recepcionados, em uma cerimônia organizada pelo Prefeito Hylan,
Após discursos de boas vindas e agradecimento, dirigiram-se ao Waldorf-Astoria, onde lhe foi oferecido um jantar pelo Comitê de Recepções para Convidados Ilustres de Nova Iorque
No dia 26, foi realizado um almoço no Hotel Astor, oferecido pela Sociedade Pan-Americana dos Estados Unidos, onde Epitácio Pessoa foi novamente o convidado de honra.
Entre aqueles que deram as boas-vindas ao Presidente eleito estavam o ex-Secretário do Tesouro, Willian G. McAdoo e John Basset Moore, Presidente da Sociedade Pan Americana
no dia 27 Epitácio e sua comitiva visitam o Canadá, em viagem de 3 dias (a primeira de um presidente brasileiro ao país). No retorno visitam Boston, no dia 30, permanecendo poucas algumas horas, sendo recebidos pelo Prefeito, Andrew J. Peters e pelo Governador Channing H. Cox
Em seu discurso Epitácio disse que o Brasil e os Estados Unidos tinham as mesmas aspirações de amizade e os mesmos ideais de justiça. Para ele, o Brasil admira o espírito liberal das instituições americanas, sua Constituição, “que pode ser considerada o maior monumento...
de sabedoria política da história, e o maior título a glorificar um povo que foi capaz de oferecer ao mundo um exemplo de respeito pelos direitos e liberdade do homem”.
No dia 4 de julho escreve ao Presidente Wilson, em resposta à mensagem de que havia sido impossível chegar a Nova Iorque antes de sua partida de volta ao Brasil.
Este gesto foi noticiado pelo The New York Times no dia 5 de julho, na matéria “DR. PESSOA SAILS TOMORROW – Brazil’s President-Elect Thanks Wilson for Welcome Here”.
Neste telegrama Epitácio declarou que estava convencido que era dever dos dois países fortalecer as relações de amizade que já existiam:
“Vou cada vez mais convencido de que é dever dos dois governos, já ligados por uma amizade que se tornou tradicional, estreitar o mais possível as relações entre os dois povos, tarefa fácil pelas afinidades de toda ordem, pela comunhão de interesses e pela sincera simpatia...
já os aproxima. Para isto, basta que os façamos mais conhecidos um do outro, mostrando as vantagens que os dois países se podem oferecer reciprocamente e os resultados que lhe advirão da propugnação de interesses que se não colidem e antes se combinam e se completam.”
No dia 6 de julho, escreve para seu correligionário, Camilo de Holanda, Presidente da Paraíba, dizendo que seguia naquele dia a bordo do dreadnougth IDAHO, com destino ao Rio de Janeiro, mas que abriria exceção apenas à Paraíba, onde chegaria entre os dias 17 ou 18 de julho
“O Regresso de S. Ex. Para trazê-lo foi necessário o maior navio do mundo”. Foi com essa manchete que, no dia 26 de julho de 1919, a revista “O Malho”, em sua edição nº 880, publicou em sua capa a notícia sobre o regresso de Epitácio Pessoa, o Presidente-eleito ao Brasil
A chegada ao Brasil aconteceu, efetivamente, no dia 17 de julho de 1919, tendo como primeira parada a Paraíba
O The New York Times publicou nos dias 19 e 20 de julho daquele ano duas matérias. A primeira reportagem, intitulada “DR. PESSOA VISITS BIRTHPLACE”, e a segunda intitulada “PESSOA VISITS BIRTHPLACE – Giving Picture of Wilson to Brazilian State an Incident”,
Quatro dias depois da visita à Paraíba, a última que fez à sua terra natal, o Presidente eleito chega ao Rio de Janeiro a bordo do navio norte-americano U.S.S Idaho, para tomar posse definitiva como Presidente do Brasil.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, o Brasil encontrava-se representado na Europa ao lado das nações vencedoras. A Conferência da Paz foi a oportunidade perfeita para as pretensões brasileiras nas relações internacionais. Sua participação em Versalhes foi o retrato fiel do que
era a política externa brasileira na época, , que, segundo Eugênio Vargas Garcia, “era o resultado da mútua interação entre o discurso idealista-principista (legado de Rui Barbosa) e uma visão realista pragmática das relações internacionais (legado do Barão do Rio Branco)”.
o mais importante para o Brasil, em termos de interesse mundial, foi ter sido nomeado ao primeiro Conselho da Liga das Nações, um dos poucos resultados tangíveis do Tratado com evidentes implicações internacionais, o Brasil deu uma pequena, e notável, contribuição para a Liga...
sendo este um sinal de que o caminho estabelecido por Rio Branco em direção a uma maior disponibilidade para desempenhar um papel no cenário mundial ainda estava sendo seguido, e que o nível de habilidade de negociação...
e de conhecimento jurídico empregado por Epitácio na Conferência da Paz foi, aliado à ajuda norte americana através de Woodrow Wilson, fundamental para este sucesso.
Epitácio Pessoa, chefe da Delegação Brasileira na Conferência da Paz, em Versalhes. 1919
in: The war of the nations
Epitácio Pessoa imprimiu um estilo diplomático característico, conforme se observa na sua atuação na Conferência da Paz e nas viagens enquanto Presidente eleito. Agiu como um estadista, afeito às questões mundiais e realista nas suas análises, pois tinha consciência da posição...
brasileira nas relações internacionais, empregando, naquele jogo político, os padrões da política externa brasileira, que nortearam sua conduta, buscando maximizar os ganhos relativos que aquela posição de destaque poderia trazer para o seu governo.
Ao adquirir prestígio na Conferência da Paz e após as visitas e receptividade dos países europeus e da América do Norte, o Brasil demonstrava uma maturidade natural para a elite oligárquica que conduzia a Jovem República, moderna, mas dependente, que mudou de posição
no concerto das nações, ao ligar o pan-americanismo aos laços culturais e econômicos que o Brasil mantinha com a Europa desde o período colonial. Do pan-americanismo de Joaquim Nabuco, ao universalismo de Rui Barbosa, passando pela consolidação dos padrões de Rio Branco...
na política externa brasileira, o Brasil, quando em que Epitácio Pessoa, desembarcou no Rio de Janeiro para assumir a Presidência, ñ era mais aquele que deixara em janeiro de 1919, mas sim a grande nação da América do Sul, c/ participação efetiva nas grandes questões mundiais
O padrão aristocrático da República Velha, que distanciara o país daquele isolacionismo político do Império, o colocou em uma posição de maior prestígio nas relações internacionais e nas relações comerciais após a Guerra, de maneira coerente com a percepção de mundo daquela época
Diante destes fatos, o que se percebe da passagem do Presidente eleito pela Europa e pela América, é que podem ser identificadas algumas condutas semelhantes na recepção à comitiva brasileira, por parte dos países visitados e que se apresentavam como padrões:
cordialidade, tanto oficial quanto popular, interesse na figura do Presidente eleito do Brasil e, principalmente, interesses comerciais de ambas as partes. Também ficou claro que a visita àqueles países representavam um “diálogo entre grandes”.
Concluindo: o Brasil nunca tivera oportunidade de dialogar, na história republicana, diretamente com todas as grandes potências europeias, além dos Estados Unidos, através de seu representante máximo e em condições tão favoráveis.
Para celebrar a visita aos Estados Unidos, foram cunhadas medalhas comemorativas, pelo famoso escultor Paul Manship. No anverso, a figura alegórica de Concórdia simboliza as relações comerciais e os laços diplomáticos entre as nações.
No verso, um cargueiro que navega nas ondas simboliza as matérias-primas (borracha, óleo e fibra de corda) fornecidas aos EUA por seu parceiro comercial. O golfinho representa a paz, harmonia e cooperação, enquanto o vaso em forma de chifre (cornucópia) a agricultura e o comercio
tem um "em" a mais aí, foi mal...
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