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Muitos já devem ter ouvido sobre as teorias da conspiração do filme Tonari no Totoro.
Embora nenhuma seja comprovadamente verdadeira (porém convincentes), tem uma que diz que a obra foi baseada num caso de assassinato conhecido como Caso Sayama (狭山事件).
Segue o ~FIO~ (1/30)
AVISO: A thread é menos sobre Totoro e mais sobre o caso em si, mas ao final eu falo das semelhanças.
Bem, o resumo do incidente foi o seguinte: no dia 04/05 de 1963, foi encontrado o corpo morto de uma adolescente de 16 anos na cidade Sayama, na província de Saitama. (2/30)
O assassino foi capturado duas semanas depois, no dia 23/05, e apesar dele ter admitido o crime num primeiro momento, passou a negá-lo e declarar inocência quando foi sentenciado à morte na última instância do julgamento.
Eu vou destrinchar, mas pode pular pro tweet nº 12. (3/30)
Começando pelo começo: a vítima se chamava Yoshie, nascida como a 4ª filha da família Nakata, família rica por possuir propriedades agrícolas relativamente grandes dentro da cidade.
Tudo se deu início no dia 01/05, data em que Yoshie comemorava o seu aniversário de 16 anos (4/30)
Segundo relatos de seus colegas de classe, Yoshie teria ido embora da escola às 15h30 (as escolas japonesas são todas de período integral), porém, mesmo passando das 18h, ela não tinha chegado em casa para comemorar o aniversário com a sua família. (5/30)
Então, o primogênito dos Nakata, preocupado, foi até a escola em busca de sua irmã, apenas para ouvir dos docentes que todos os alunos já tinham ido embora. Assim que ele retornou para casa, lá pelas 19h30, uma reunião familiar foi convocada. (6/30)
Passados apenas 10 minutos, o irmão mais velho encontra algo preso à porta: era um envelope branco, que não estava lá quando ele chegou em casa. Para a surpresa de ninguém, era uma carta anunciando o sequestro da Yoshie e pedindo um valor de resgate. (7/30)
Na carta, o criminoso exigia que o dinheiro fosse levado até o local determinado no dia seguinte e por uma mulher, missão esta que foi incumbida à 2ª filha, pois a mãe já era falecida e a filha mais velha morava com o marido em outra cidade. (8/30)
Então, no dia 02/05, a 2ª filha foi até o local indicado com uma bolsa contendo notas falsas do valor do resgate, obviamente acompanhada de 40 (40!) policiais que cercavam escondidos o perímetro para capturarem o marginal. (9/30)
Porém, a cerca de 30 metros da garota, o sequestrador percebeu dois policiais que a acompanhavam, o que o fez fugir dali no mesmo instante. No fim, aquela equipe toda não foi capaz de prender ou sequer identificar o sujeito. (10/30)
No dia seguinte, a polícia destinou todos os seus homens para procurarem o sequestrador, sem sucesso. E, finalmente, no dia 04/05, o corpo da Yoshie foi encontrado enterrado em uma estrada de terra. (11/30)
O cadáver estava de olhos vendados, braços presos às costas e com sinais de estupro.
E é aqui que a história começa a ficar um pouco estranha.
Esta thread é para falar mais sobre algo que existia no Japão: sistema de hierarquia social e a discriminação em razão disso. (12/30)
Para quem não sabe, até a Revolução Meiji, existia uma classe social hierarquicamente inferior, chamada de “senmin” (賤民 = povo inferior). Ao longo da história japonesa, diferentes razões levavam a pessoa a pertencer a esta classe, desde a socioeconômica até religiosa. (13/30)
Não confundi-los com “cidadãos comuns” (heimin, 平民), que podiam ser pobres, marginais ou ricos, desde que não preenchesse os requisitos para ser senmin. A hierarquia social sempre foi muito forte no Japão, haja vista o Imperador, os senhores feudais e os samurais. (14/30)
E o que isso tudo tem a ver com o caso Sayama?
Bem, em 1963, mesmo depois de quase 100 anos desde a abolição do “sistema de castas japonesa”, a discriminação velada e institucional continuava muito presente, onde na prática, era como se ainda existisse. (15/30)
Ta-daaa, spoiler: o homem que foi preso no dia 23/05 e que confessaria o crime para então mudar de discurso após a sua sentença de morte, tinha origem “senmin”. E este incidente foi responsável por reacender o debate sobre as hierarquias sociais e diretos humanos. (16/30)
Reacendeu tanto que, o Miyazaki, grande defensor de ideias progressistas (ao menos na época), teria escrito a história de Totoro para chamar atenção ao incidente. (Esta é a ~evidência~ 1 da conspiração, mas falemos dela um pouco mais adiante.) (17/30)
Bem, além da gravidade do crime em si, o caso Sayama foi bastante noticiado principalmente em razão das controvérsias envolvendo a origem do suposto assassino (senmin) e todo o processo de busca e julgamento dele. Vou enumerar os pontos “estranhos” a seguir. (18/30)
1) A prisão de Kazuo Ishikawa, o assassino, se deu quando ele foi flagrado furtando no dia 23/05. Porém, na delegacia, a única coisa que lhe interrogavam era sobre a relação dele com a Yoshie, pois o homem era quem mais se enquadrava nas suposições da polícia. (19/30)
2) Porém, a polícia não encontrou nenhuma evidência sobre o assassinato na casa de Kazuo.
3) Em 17/06, Kazuo foi liberado pela polícia (estava encarcerado na delegacia), apenas para ser preso de novo no mesmo dia, como suspeito de homicídio. (20/30)
4) A polícia novamente fez uma busca em sua casa e não encontrou nada que fosse decisivo. A partir disso, os policiais começaram a propor o seguinte acordo: “se você confessar o crime, só precisará ficar 10 anos na prisão”. (21/30)
5) Então, Kazuo “concordou” em dizer onde “escondeu” a mochila da Yoshie e fez um mapa, a qual foi de fato encontrada.
Mais tarde, porém, descobriu-se que o mapa tinha sido desenhado por cima de um modelo feito pelos policiais e que a mochila não batia com a da vítima. (22/30)
6) Além dessas duas “evidências”, Kazuo disse também onde tinha deixado a caneta que usou para escrever a carta pedindo o resgate, caneta esta que era originalmente da Yoshie. Curiosamente, ela estava na casa do suspeito, vasculhada 2 vezes. (23/30)
7) Finalmente, o relógio da Yoshie que o Kazuo teria se apossado também não era o mesmo que a garota tinha. Ou seja: TODAS as evidências tinham sido plantadas.
Quando tudo isso veio a público, vozes questionando a competência e idoneidade da polícia ficaram bem altas. (24/30)
Existem mais coisas estranhíssimas envolvendo o caso, como a morte repentina e injustificada de 6 (SEIS!) pessoas próximas à família Nakata, uma seguida da outra logo após a prisão de Kazuo.

Mas o ponto já deve ter ficado claro: alguém queria incriminar um inocente. (25/30)
Hoje em dia, a suposição mais aceita é de que foi obra de um dos rivais políticos do patriarca Eisaku Nakata (que, como disse antes, era dono de grandes propriedades agrícolas), mas que ele mesmo não poderia contar a verdade porque isso implicaria vazar “podres” sobre ele (26/30)
Mas a questão central não é sobre os Nakatas, e sim, sobre ter grandes chances da cidade Sayama toda ter incriminado um inocente que, não por acaso, tinha origem senmin. As controvérsias do incidente resultou numa reflexão em escala nacional sobre hierarquias sociais. (27/30)
O caso Sayama foi um marco na história do Japão por ter trazido à tona um problema que a sociedade toda fingia que não via, qual seja, a discriminação infundada de cidadãos japoneses por uma convenção social arbitrária. (28/30)
Infelizmente, mesmo assim, no Japão ainda existe muito elitismo nos dias de hoje (nós vemos isso a toda hora nos animês e mangás) e preconceito com pessoas de origem humilde, mas não se pode negar a eficácia do governo no amparo dessas pessoas. (29/30)
Miyazaki era sindicalista quando jovem e participava de movimentos sociais (a esquerda japonesa tinha muita força no pós-Guerra).
E isso nos leva ao que falei antes: a inspiração dele de fazer Totoro. (30/30)
LEMBRANDO QUE É SÓ UMA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO, o Miyazaki não só nunca confirmou como a Ghibli já negou que a obra tenha relação com o caso Sayama.
Dito isso, vamos às “evidências”:
1) Miyazaki participava de movimentos esquerdistas, grupo que mais criticou todo o cenário do caso Sayama;
2) O palco da história de Totoro é o município de Matsugou (松郷), um local real que fica na cidade Tokorozawa (所沢市), a cidade *vizinha* de Sayama;
3) O hospital onde a mãe das meninas está internada chama-se “Nanakokuyama” (七国山), que foi inspirado em um hospital que fica em “Hachikokuyama” (八国山) na cidade Sayama;
4) Lembrando que as mães são ausentes nos dois casos, uma porque está internada, outra porque já faleceu;
5) Há uma cena onde mostra escrito “chá Sayama” (vide imagem);
6) Os nomes das irmãs, Satsuki e Mei, ambas significam “maio”. Satsuki (皐月) é o “mês de maio” em japonês, e Mei é a pronúncia de “May”, do inglês. O sequestro da Yoshie aconteceu no dia 1º de maio;
7) A soma da idade das irmãs (12 + 4) dá 16, que é a idade em que Yoshie foi assassinada;
8) Outra teoria da conspiração diz que a irmã mais nova, Mei, já está morta, assim como a Yoshie (mulher caçula da família Nakata);
9) O Studio Ghibli postou em seu blog oficial negando que Totoro tivesse relações com o caso Sayama no dia 01/05.
@marcelogfx dívida paga
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