1. Cumprindo minha promessa, começo as threads sobre a Oi. O foco é tratar da operação societária que quebrou a empresa. Mas, pra isso, precisamos tratar brevemente da sua história, que se confunde com a história do capitalismo recente no BR.
2. Aconteceu quase de tudo na Oi desde a privatização, menos a preservações dos interesses da empresa e seus acionistas. Controladores espoliaram a empresa, brigas de poder, influência política, desvios e operações mal explicadas. Vamos começar com a privatização, em 1998.
3. A Tele Norte Leste operava no Sudeste, Nordeste e parte da Norte. No leilão de privatização, foi arrematada por um consórcio que continha a Andrade Gutierrez, a La Fonte (família Jereissati), GP Investimentos, Inepar e fundos de pensão. O grupo foi chamado de telegangue...
4. AG e La fonte entraram com R$ 200M, enquanto que o BNDES emprestou por volta de R$1,5bi. Fundos de pensão entraram com o resto, em um negócio que totalizou R$ 3,5 bi. Em resumo, AG e La Fonte contraíram uma dívida significativa com o BNDES.
5. A empresa foi rebatizada de Telemar e a festa começou. Há uma lista grande de má práticas, quase sempre em benefício dos acionistas controladores. O caso mais conhecido foi a aquisição da Oi pela Telemar, uma operadora móvel então controlada pelos controladores da Telemar.
6. A Telemar então assumiu uma dívida de quase R$ 5 bi nessa transação. Com a chegada do PT, um novo problema surgiu e a Telemar foi usada para resolver. O Daniel Dantas controlava a Brasil Telecom (BrT) com os fundos de pensão. Os desentendimentos eram frequentes...
7. e o governo entrou no jogo pra resolver. Simples, bastaria a Telemar também adquirir a BrT. Vários problemas seriam resolvidos aqui. O inimigo Dantas estaria finalmente fora do negócio, seria formado um campeão nacional, os amigos da AG e La Fonte seriam beneficiados...
8. mais $$ sobrariam pra campanhas and so on. Vale lembrar que estávamos ás vésperas da eleição de 2010. E assim foi feito. A Telemar adquiriu a BrT por quase R$ 6 bi e formou a “SuperTele”. O nome escolhido pra ela foi “Oi”. A compra foi totalmente financiada pelo BNDES e BB...
9. e a BrT veio com passivos judiciais off balance de quase R$ 3bi. Pouco tempo depois os portugueses entraram no negócio (2010). A Portugal Telecom, que era mais mal gerida que a Oi (pelos mesmos problemas), colocou uns R$8 bi na Oi. Eles tinham acabado de vender...
10. sua participação na Vivo para a Telefônica e, por um acerto político, entraram na Oi. Mas, nada é de graça nesse mundo. Para entrar na Oi, capitalizar a Cia e pagar uns $$ aos controladores, ficou acertado que eles sacariam uns R$ 500M/ano de dividendos até 2014.
11. E, nesse cenário, encerramos essa 1 parte. Temos até aqui uma companhia controlada pela PT, La Fonte, AG e BNDES, considerada um campeão nacional e com as piores práticas de governança e gestão possíveis. Segue o jogo. Até amanhã.
PS: aviso aos novos por aqui que esses comentários têm finalidade de discutir práticas de governança e mostrar que isso é também um risco e deve ser considerado no processo de investimento. Abs!
PS2: essa é parte 1. Tem mais umas 4 ou 5 threads ainda até o final da história. Spoiler: piora muito
O art. 159 da LSA estabelece procedimentos para a ação de responsabilidade civil contra administrador de companhia, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. Em geral, essa atitude é tomada pela Companhia, desde que decidido em assembleia (segue)
Um dos casos disciplinado por esse artigo é a ação diretamente proposta pelo acionista. O acionista, em nome próprio, pode processar o administrador e solicitar reparação de danos DIRETAMENTE sofridos. É preciso denotar que o dano foi direto, ou seja, não foi sofrido...
indiretamente por dano praticado à companhia. E esse é EXATAMENTE o caso IRB, na minha opinião. A divulgação de informações sabidamente falsas por administradores gerou prejuízos DIRETOS aos acionistas, pois os negócios da companhia não foram afetados. É simples de comprovar isso
Como regulador, minhas atividades sempre foram ligadas a companhias. Direito societário, finanças corporativas, governança, responsabilidades de adms, controladores. Colaborei em análises, supervisão, elaboração de novas regras. Recentemente, me aproximei da gestão de recursos.
São realidades distintas, mas comparáveis: ambas estão sob escrutínio público, legal e regulatório e possuem deveres formais e materiais a serem cumpridos. A diferença é de tempo: o gestor de uma companhia é avaliado trimestral ou anualmente, enquanto o gestor, diariamente.
Vou tratar das responsabilidades de cada um. Do ponto de vista legal, a responsabilidade do adm de uma companhia é medida por uma “régua” chamada business judgment rule. Resumindo, o adm de uma companhia não é avaliado pelo retorno que gera à empresa, mas sim pelo processo...
1. A operação de Log-In gerou discussões sobre o aumento de capital, apesar de ser um instrumento frequentemente usado pelas companhias para se capitalizar. Do que li sobre o aumento de K de LogIn, 99,99% estava errado. Então, vamos lá entender esse negócio.
2. O capital rege a relação entre acionistas e credores de uma companhia. Não dá para os acionistas terem 1% das fábricas da Cia, assim é mais fácil eles terem 1% de algo que a represente . Esses pedaços são frações do K, os quais também limitam a responsabilidade do acionista.
3. Por sua vez, o K é uma garantia de existência de ativos na Cia para os credores. Afinal, aquele valor foi integralizado pelos acionistas e convertido em ativos que irão satisfazer o objeto social da empresa. Assim, os credores podem satisfazer seus direitos caso de errado!
1. Continuando com os crimes contra o mercado, vamos tratar de manipulação de mercado. Além de ser tema quente, é pouco compreendido. As barbaridades que leio por aqui sobre manipulação me motivaram a escrever essas threads.
2. Assim como o insider, a manipulação é ilícito administrativo e penal. Na esfera adm, está prevista na Instrução CVM 08/79 e é definido como a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor...
3. mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda. Para manipular, é necessário (i) a utilizar de qualquer processo; (ii) com o objetivo de alterar a cotação de um valor mobiliário; e (iii) induzir terceiros à negociação. Assim, o agente precisa cometer ato doloso com...
1. Começamos a analisar os crimes contra o mercado de capitais pelo insider trading. O insider é chamado no BR de “uso indevido de informação privilegiada”. É infração administrativa e penal. No âmbito adm, compete à CVM penalizar. No penal, ao judiciário.
2. Antes de analisar essas instâncias, vamos definir os dois tipos de insider: primário e secundário. É considerado “primário” aquele que obtém a informação de fonte primária. Ou seja, trata-se de alguém de “dentro” da Cia. É o caso dos administradores que se valem de infos...
3. da Cia para negociar com ações da própria. O secundário é aquele de “fora” da Cia, que se vale de informação passada pelo agente primário para negociar e obter vantagem. O primário é chamado de tipper, enquanto o secundário de tippee. Se o tipper passa a informação ao tipper..
1. Como vimos, o anúncio da Oi CorpCo gerou uma reclamação à CVM, realizada pela Tempo Capital. A Tempo entendia, entre outras questões, que os acionistas controladores da Oi não poderiam votar na assembleia que deliberaria a transação (segue)
2. A tese da Tempo é conhecida como “conflito formal”. A ideia é a seguinte: um acionista que pode obter um benefício particular em determinada transação, está impedido de votar nela. No caso da CorpCo, os controladores seriam beneficiados na 1 etapa da transação.
3. LF e AG receberiam capitalização da PT e usariam essa grana para quitar a dívida com o BNDES. Ou seja, a operação poderia estar sendo feita também para beneficiar esses acionistas. Bom, a área técnica da CVM optou por esse entendimento e recomendou aos acionistas...