Ok, eu sei que questões relacionadas à indústria cinematográfica empalidecem diante do horror do coronavirus (especialmente em um país como o nosso, no qual o distanciamento social vem diminuindo mesmo com o número crescente de casos), mas é minha área de trabalho.
Então…
Uma das disputas mais importantes para definir o futuro do Cinema é aquela entre distribuidores/produtores e exibidores. É uma história antiga que agora, em função da pandemia, vem ganhando contornos novos que podem mudar radicalmente o modo como consumimos a Arte.
Lááá atrás, no início da história do Cinema, os estúdios eram também donos das salas de exibição. Assim, os cinemas praticamente exibiam com exclusividade as obras dos estúdios aos quais pertenciam - e caso um estúdio quisesse lançamento mais amplo, precisava negociar com outros.
Isto também trazia implicações no desenvolvimento da tecnologia. A rigor, por exemplo, o som poderia ter chegado ao Cinema antes de 1927 (em 1912, Edison já havia desenvolvido sistemas de som primitivos, mas teoricamente viáveis); no entanto os estúdios resistiram a isso. +
Um dos motivos é que os gastos para produzir filmes sonoros seriam altíssimos, já que envolveriam investir em tecnologia tanto para produzir quanto para exibir - e os estúdios, como donos dos cinemas, teriam que fazer as duas coisas. Como não havia grande demanda, não fizeram.
(A questão é um pouco mais complexa, na verdade, já que existiam dois sistemas de som em competição, Vitaphone e Fotofilm - este último pertencia à Fox, era melhor, mas muito mais caro.)
No entanto, com a recessão pré-Crash de 1929 se tornando mais evidente, o público nos cinemas foi diminuindo e isto estimulou os estúdios a finalmente investirem no som como forma de atrair os espectadores de volta.
O fato de os estúdios serem também donos de tantos cinemas já era algo que incomodava a Justiça dos EUA há algum tempo por infringir o chamado Ato Sherman Antitruste, estabelecido no fim do século 19. Mas na prática nada foi feito até o fim da década de 1930.
Em 1938, o Departamento de Justiça dos EUA processou os cinco grandes estúdios (Warner, Fox, MGM, RKO e Paramount) por práticas ilegais envolvendo a integração vertical de produção e exibição. Como maior estúdio entre eles, a Paramount foi a ré principal(US x Paramount.).
O caso foi longo e dividido em etapas de acordos feitos, acordos quebrados, novos processos, novos acordos e novos rompimentos.
Mas para resumir a história, em 1948 o STF dos EUA decidiu que os estúdios deveriam se desfazer dos cinemas.
Durante décadas, a relação entre produtores e exibidores funcionou relativamente bem. Claro, sempre houve disputas pontuais sobre % na divisão da bilheteria - especialmente de superproduções -, mas algum tipo de acordo era sempre alcançado.
A relação, porém, começou a ficar mais tensa quando surgiu o home video na década de 70: os exibidores exigiram que houvesse uma grande janela de distribuição - um tempo entre a exibição nos cinemas e o lançamento em vídeo (betamax/VHS). Os estúdios aceitaram.
Quem se lembra de como as coisas eram na década de 80 sabe que se você perdesse um filme no cinema, teria que esperar pelo menos um ano para ver em vídeo; no caso da Disney, as animações chegavam a demorar mais de DOIS anos até serem lançadas em VHS.
A coisa se tornou mais tensa com o surgimento de mídias mais baratas como o DVD/BD, já que os estúdios começaram a lançar os filmes apenas seis meses depois dos cinemas. A janela foi encurtando cada vez mais; hoje, é comum que 90 dias depois da estreia o filme chegue em casa.
O que nos traz aos dias de hoje, quando a chegada do streaming tornou tudo ainda mais complicado (e essa longa história explica por que a relação entre Cannes e a Netflix, por exemplo, é tão conturbada, já que o festival defende os interesses dos exibidores).
Ok, eu precisava lembrar toda essa história antes de poder falar sobre o que está acontecendo agora para que pudessem entender a importância e o choque do que está para rolar nos próximos meses. Aliás, do que JÁ ESTÁ rolando.
Com a pandemia fechando os cinemas, os estúdios ficaram numa sinuca de bico: há lançamentos importantes se acumulando e sem previsão de estreia, mas lançá-los diretamente em streaming é algo arriscado do ponto de vista comercial e de relacionamento com os exibidores.
A exibição nos cinemas AINDA representa uma fonte importantíssima de renda para os estúdios - especialmente na bilheteria internacional. E um dos motivos para encurtarem a janela é aproveitar o marketing usado para estreia nos cinemas e que ainda está fresco na mente do público.
Assim, superproduções como Viúva Negra, o novo 007, Mulan, etc, estão sendo guardadas pelos estúdios para depois da pandemia (ao menos, por enquanto).
Mas - e aí vem a questão - eles decidiram fazer experimentos de lançamento com as produções mais modestas.
E o primeiro teste de um estúdio veio com Trolls 2, que tinha acabado de ser lançado nos cinemas quando veio a pandemia. Em vez de guardá-lo para relançamento, a Universal decidiu lança-lo em VOD. E com um preço salgado: 19,99 dólares.
E se eu fosse um desses sites picaretas que usam clickbait para ganhar views, neste momento eu diria apenas “E vocês não acreditam no que aconteceu a seguir”.
A aposta da Universal deu certo. MAIS do que certo: superou todas as expectativas. Neste fim de semana, Trolls 2 chegou aos 100 milhões de dólares exclusivamente em VOD (video on demand). Isso é inédito, um recorde absoluto.
Para que tenham uma ideia, a Universal lançou depois quatro outros filmes em VOD: O Homem Invisível, The Hunt, Emma. e o maravilhoso Never Rarely Sometimes Always. Juntos, eles somaram 60 milhões de vendas. Sim, é muito, mas Trolls 2 SOZINHO chegou a 100 milhões.
E um detalhe importante: se na distribuição nos cinemas o estúdio tem que compartilhar parte da bilheteria com os exibidores, em VOD eles podem ficar com praticamente a receita toda.
Os executivos ficaram tão empolgados que o CEO da Universal já disse que “quando os cinemas reabrirem, esperamos lançar os filmes em ambos os formatos”.
Agora lembrem de tudo que contei nesta thread e imaginem a reação dos exibidores ouvindo isso.
A pandemia certamente resultará no fechamento de MUITAS salas - não só daquelas pertencentes a exibidores independentes, menores, alternativos (estes já estão condenados), mas também de muitos multiplexes. As grandes cadeias dos EUA já deixaram de pagar aluguéis, por ex.
Assim, o fim de uma janela de distribuição real (e que já era curtíssima com 90 dias) pode significar a falência de muitas outras salas.
Depois de sobreviver à televisão, ao homevideo, à TV a cabo e à Netflix, a exibição em cinemas pode finalmente sucumbir diante do coronavirus.
Não, não acredito que os cinemas acabarão de vez. Mas que certamente sofrerão o maior golpe de sua história e se tornarão muito encolhidos… não tenho dúvida alguma, infelizmente.
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(E desculpem pelo flood.)
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Bom... em primeiro lugar, a disputa já acabou. Oppenheimer vai sair da cerimônia carregado de troféus. A equipe de marketing da Universal pode até economizar na campanha se quiser.
Em segundo lugar, qualquer chance que Assassinos da Lua das Flores pudesse ter foi eliminada com a não-indicação a Roteiro Adaptado. O fato de DiCaprio também ter sido esnobado sugere, além disso, que o apoio da cadeira (ou branch) da categoria está longe de ser unânime.
Terceiro, que há chances cada vez maiores de Paul Giamatti finalmente vencer um Oscar depois de ter sido esnobado pela Academia ao não ser nem indicado por Sideways e Anti-Herói Americano, duas performances brilhantes.
Porque é uma das coisas mais horríveis que vi em toda minha vida. 11 mil pessoas mortas em um mês - mais de 4 mil crianças. E não só ninguém faz nada como vários países tentam REPRIMIR protestos contra os criminosos. Por uma questão humanitária básica, preciso(amos) gritar.
Daqui a vinte ou trinta anos (se eu chegar lá, o que duvido), não quero ter que ler os relatos sobre o horror do que está acontecendo e me envergonhar por ter ficado calado.
De mais a mais, eu nunca aprendi a ficar calado, mesmo em situações que eu sabia que me prejudicariam profissional ou pessoalmente. Se algo me choca/provoca inconformismo ou revolta, eu falo. E depois vejo como me ferrei. História da minha vida inteira. Tarde demais pra mudar.
Spielberg é um cineasta cujo judaísmo é presente em praticamente todos os seus filmes, de uma maneira ou outra. Em "Munique", há uma cena em que um membro da OLP expõe ao protagonista (ligado ao Mossad) por que os palestinos resistem à opressão de Israel - e é belíssima.
Infelizmente, Ali (Omar Metwally) acaba revelando um otimismo em relação à humanidade que estamos vendo ser injustificado.
Avner: Vocês não têm nada com o que possam barganhar. Nunca irão recuperar a terra. Morrerão de velhice em campos de refugiados esperando a Palestina. +
Ali: Nós temos muitos filhos. Eles terão filhos. Podemos esperar para sempre. E se precisarmos, podemos deixar o planeta pouco seguro para os judeus.
Avner: Vocês matam judeus e o mundo se sentirá mal por eles e achará que vocês são animais. +
Acabo de receber release informando que a produtora do filme O Som da Liberdade fechou “parceria” com o Brasil Paralelo. O filme foi abraçado nos EUA pela extrema-direita e pelos malucos conspiracionistas QAnon.
Agora querem saber uma coisa interessante? +
O protagonista do filme, vivido por Jim Caviezel (outro maluco amado pelo QAnon), é um sujeito chamado Tim Ballard (aliado de Trump, por sinal) que na última semana foi alvo de várias denúncias de assédio sexual, sendo afastado da organização que ele mesmo fundou.
É a hipocrisia típica dos ídolos da extrema-direita, que pregam moralismo barato em público enquanto fazem coisas indizíveis entre quatro paredes (ou mesmo em público, como a congressista Lauren Boebert fez na última semana durante um espetáculo infantil).
Vamos lá: quem sabe se eu desenhar esse pessoal entende?
1) Bruna Marquezine está muito bem em Besouro Azul. Inclusive com um inglês tão bom que, caso emplaque outros trabalhos, posso garantir que algum dia algum diretor pedirá que ela force um sotaque.
2) O filme em si é - sendo gentil - medíocre. Genérico, condescendente, previsível. O tipo de filme que traz alguém dizendo que o outro "deve ouvir seu coração".
3) Para a atriz, estrelar uma superprodução de um grande estúdio É uma conquista.
4) "Nosso" é um pronome coletivo.
5) O fato de Marquezine atuar em uma superprodução não é uma conquista coletiva. É dela e ponto final. Não acrescenta e não beneficia em nada nosso cinema, nosso país, nada.
6) Que fãs fiquem felizes por ela é compreensível; que acreditem se tratar de uma vitória nacional, não.