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Mais uma breve atualização de como estou pensando sobre o corona.

Como sempre, lembro que meu objetivo é entender o que está acontecendo, não tomar partidos em polêmicas, e fazer correções progressivas e graduais nas minhas próprias ideias.
Cada vez mais me parece que avançamos pouco no ponto principal: entender o próprio vírus.

Há um foco excessivo em modelos preditivos. Os modelos dependem da qualidade dos dados. O futuro depende das nossas adaptações. Eles são úteis, mas não são a verdade última.
Lá em fevereiro, eu falava que era melhor passar para a repressão dura: fechar as fronteiras antes do vírus entrar.

Porém, o cenário mudou totalmente depois da transmissão comunitária. Agora, o único jeito de tirar o vírus de uma comunidade é por testes em massa seguido...
... de rastreamento. A ideia é boa, mas já em março eu estava me perguntando se seria viável. Dois meses depois, poucos dos países ricos conseguiram fazer isso.

Não foi (apenas) falta de vontade de política. Parece haver dificuldades operacionais intransponíveis.
E eis outro ponto pouco compreendido no debate brasileiro: a confusão entre "achatar a curva" e "esmagar a curva". A estratégia de achatar a curva é a estratégia da imunidade de rebanho: atrasar a circulação do vírus apenas o suficiente para evitar o colapso do sistema de saúde.
Esse é o cenário que me parece estar ocorrendo quase no mundo todo. O vírus não vai ser extinto globalmente (apenas em alguns poucos países, que precisarão então permanecer fechados no longo prazo). O resto do mundo vai conviver com o vírus até o desenvolvimento da vacina.
Então, é ainda mais importante entender a natureza do vírus e pensar em soluções de longo prazo.

Eu estava aqui falando sobre a seriedade do vírus desde o começo, mas também reconheci a seriedade da crise econômica. Não é que dinheiro seja mais importante que vidas -- isso é...
... um espantalho. A atividade econômica também é necessária para sustentar as vidas: manter cadeias de produção funcionando, serviços aberto, etc.

Em uma emergência, eu acho totalmente correto que o estado atue como o segurador de última hora e coloque o máximo de dinheiro...
... e tome o máximo de medidas para salvar vidas. Porém, essa situação é obviamente insustentável por vários meses -- especialmente se for durar um ou dois anos.

Os "talebistas", nesse sentido, acertaram muito ao observar os efeitos não-lineares do vírus, mas erraram...
... ao não perceber os efeitos não-lineares das respostas sociais (assim como não perceberam que o "timing" de certas medidas passaram).

Nesse sentido, como escrevi em alguns artigos, acho que o desafio agora é complexo e de médio prazo: como atravessar os próximos meses?
Parte dessa resposta depende das características do próprio vírus -- e esse é o grande ponto de incerteza.

Cada vez mais, acho que aquele cientista israelense tinha razão: a fatalidade vai ser umas cinco vezes a da influenza, com uma progressão de contaminação mais rápida.
Obviamente, isso é uma projeção apenas, mas gente inteligente está convergindo para isso (como o Peter Attia, por exemplo).

Se isso estiver correto, tanto o Átila quanto o Osmar Terra erraram em direções contrárias por ordens de magnitude -- o que radicalizou o debate-br.
Portanto, a fatalidade é alta e não-catastrófica ao mesmo tempo. O mundo não vai acabar, mas muita gente vai morrer e sofrer. Parece que esse cenário intermediário não cabe no debate.

Bom, mas aí volto às minhas dúvidas: o que fazer? O que vai acontecer?
Minha impressão (e vejam que uso o termo "impressão" sempre de propósito: são cenários onde meu nível de confiança está baixo) é a seguinte: a ideia de "pico" é enganadora. Toda comunidade terá picos diferentes nos próximos meses, seguidos de novas ondas menores.
Os motivos que me levam a pensar assim: o vírus sempre vai continuar se multiplicando até esgotar os hospedeiros possíveis. Os "hospedeiros possíveis" dependem de dois fatores: número de pessoas imunes e grau de interação social.
Se isso estiver correto, cada comunidade com diferentes graus de interação social precisarão de um número maior de contaminados para atingir imunidade de rebanho. Talvez seja 30% da população em São Paulo, mas apenas 10% em uma comunidade rural.
As medidas de isolamento rígidas (tipo o tal do lockdown) servem para desacelerar rapidamente a progressão da contaminação --- o que pode ser útil para evitar o colapso do sistema de saúde.

Porém, elas só transformariam os infectados potenciais se fossem permanentes.
Isso, obviamente, é impossível. Um lockdown de uma ou duas semanas é sustentável, mas além disso começa a provocar danos sociais também não-lineares: os conflitos vão aumentando, a saúde física e mental se deteriorando, etc.
Por isso, me parece que vai ser importante pensar em medidas mais leves de longo prazo -- como incentivar hábitos sanitários (lavar as mãos, usar máscaras) e mudanças sociais (evitar transporte público, adaptações no comércio) para diminuir o universo de infectados possíveis.
Essas medidas de longo prazo, por exemplo, poderiam reduzir o teto de uma comunidade de 30% para 15%, enquanto medidas de curto prazo (como o lockdown) serviriam apenas para atrasar o pico (ou seja, o mesmo teto seria atingido em quatro meses em vez de dois).
Obviamente, há uma lógica para cada uma dessas medidas, dependendo da situação local, o que requer uma análise de custo/benefício.

No fim das contas, toda sociedade precisará se adaptar dinamicamente, alternando estratégias para minimizar o dano até a chegada da vacina.
E esse é o grande problema do debate brasileiro. Tudo no país é 8 ou 80. Além disso, é uma sociedade com uma imensa dificuldade de execução.

Desde o início da crise, cada grupo optou por ver nela uma oportunidade de posicionamento -- seja derrubar o governo, seja...
... ganhar público como "divulgador", seja simplesmente o desejo de lacrar na internet.

Infelizmente, não sabemos usar a inteligência para compreender os diversos pontos de vista e planejar ações concretas.

No fundo, isso causa ainda mais dano que o próprio vírus.
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