My Authors
Read all threads
No mesmo dia em que comecei a ler o ensaio do antropólogo Mércio Gomes recomendado pelo colega Peter Fry sobre o exótico caipira do Planalto, calhou de eu ter terminado de ler o Livro de Histórias, de João Ubaldo Ribeiro. É um livro de causos que reproduz a fala do itaparicano...
afastado da vida urbana. Um dos últimos causos é a do homem honesto que enriqueceu com a política. O narrador explica que o conhecido dele recebeu um dinheiro de um político que queria que ele arranjasse votos. Ficou embasbacado em princípio, sem saber o que fazer; mas, dotado de
senso prático e experiência comercial, montou uma banquinha e começou a pechinchar votos. Comprou todos os votos do pedaço, deixou o cliente satisfeito, expandiu o negócio para outras cidades da Bahia e reinvestiu no negócio precedente de beijus, que também expandiu para outras
cidades da Bahia. Era sujeito muito correto: às vezes apareciam políticos cobrindo a oferta, mas ele não fazia feito a China com os respiradores e respeitava o contrato.

É cômico? É. Mas dá pra entender a moral da pessoa que pensa assim? Dá: cada qual pode fazer o que quiser
com o seu voto, inclusive vendê-lo. Errado, mesmo, é roubar. Uma falcatrua que deixa pobre doido com o político é roubo de merenda.

Dentro desse esquema moral, a gente entende por que a rachadinha de Flávio Bolsonaro não comove. Traduzindo a lei em termos particularistas, Flávio
fez coisa errada porque ele pegou para si a parte que cabia aos funcionários dele, mas ele e os funcionários dele faziam isso de comum acordo. Fazer as coisas de comum acordo em desobediência à lei, sobretudo em relações de trabalho, é coisa mais do que corriqueira no Brasil.
Além disso, pro comum do brasileiro, uma Wal do Açaí (que na prática era o pagamento de um caseiro) também não é nada de mais. O fulano, ao conseguir um cargo político, ganha uma série de benefícios do qual pode dispor à vontade. Errado, mesmo, é roubar. E roubar, para o
brasileiro médio, é subtrair recursos que estavam fora desse prêmio de benesses que o político ganha ao se eleger: pegar o dinheiro das obras, das escolas, dos hospitais.

Desde Lula, o brasileiro sabe que pode votar em homens simples. Bolsonaro, outro simples, é o primeiro
presidente de luz própria eleito após Lula. (Dilma era poste.) Creio que os brasileiros continuarão elegendo homens simples com base nessa moralidade; logo, devemos seguir com incompreensões entre a moral de elite e a moral comum por muito tempo.
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Enjoying this thread?

Keep Current with Bruna Frascolla

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!