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Dentro de um campo de futebol, cada número tem seu habitat natural. A camisa 9 só parece confortável lá na frente, enquanto o número 1 tem sempre o dever de defender o prêmio sagrado.
Um número fora de lugar dói na alma.

Mas você já perguntou o porquê? Segue o fio!
É claro que há várias exceções. Nwankwo Kanu usando a número 4, Asamoah Gyan com o seu número 3, William Gallas usando a 10, Rui Patrício defendendo a meta com o número 11 e até mesmo Edgar Davids tentando lançar uma moda com o número 1.
Há também os casos bizarros em grupo, como a Holanda de 74, que usou uma numeração em ordem alfabética na Copa. O único que ficou de fora do esquema foi Cruyff, que deveria usar a 1, mas teve autorização para manter seu precioso número 14 do Ajax.
O próprio Brasil, campeão em 1958, usou uma numeração totalmente aleatória. Com isso, o goleiro Gilmar vestiu a número 3, Garrincha foi o 11, Zagallo o 7 e por puro capricho do destino a camisa 10 caiu nas mãos de um menino chamado Pelé…
Mas isso tudo é exceção. Estamos aqui para falar sobre as regras. Por que o camisa 9 é o centroavante no mundo todo? Por que os laterais no Brasil usam a 2 e a 6, mas em outros países não é assim?

A história é longa, mas tem lógica…
Quando os números foram introduzidos no futebol, a premissa básica era o esquema 2-3-5 do início do século. A partir dali, os números iam crescendo sequencialmente da defesa para o ataque, da direita para a esquerda.
Com a evolução do jogo, um dos homens de meio veio jogar mais atrás e dois atacantes passaram a recuar um pouco, formando o que ficou conhecido como esquema W-M (hoje seria chamado de 3-2-2-3).

A partir daqui, é fácil entender porque o 9 é sempre o centroavante, por exemplo.
No ataque de um 4-3-3, o 7 é obviamente o ponta direita e o 11 joga na ponta esquerda… Quando o futebol inglês seguiu no rumo do 4-4-2, esses números recuaram para a linha de meio e o 10 se tornou o segundo atacante.
Na América do Sul, no entanto, o camisa 10 era um meia criativo, ou o ponta-de-lança, enquanto as duplas de ataque ainda prosperavam. Isso fez com que as camisas 7 e 11 se tornassem mais polivalentes, às vezes aparecendo no ataque e outras vezes no meio-campo.
Mas a coisa fica realmente interessante quando se olha para a defesa. Ali, fica claro o processo que cada escola seguiu na construção do seu jogo.

Na maior parte da Europa, por exemplo, o camisa 5 recuou entre os zagueiros para formar o primeiro W-M.
Depois disso, com a introdução das linhas de quatro na defesa, o camisa 4 também recuou no miolo da zaga. Por isso, é comum ver laterais usando a 2 e a 3, enquanto zagueiros ostentam a 4 (em especial pelo lado direito) e a 5 (pelo lado esquerdo).
É por isso que em muitos países o camisa 6 ainda joga no meio-campo. Xavi e Iniesta talvez sejam os exemplos mais marcantes. Ambos queriam usar o número, mas como Xavi chegou primeiro, deixou seu companheiro usá-lo na seleção.
Isolada do continente, a Inglaterra fez um processo parecido, mas em vez de recuar o número 4, trouxe o 6 para a zaga. Assim, o camisa 5 normalmente joga do lado direito da defesa e o 6 no lado esquerdo.
Com isso, Steven Gerrard usava a camisa 4 na seleção inglesa. Patrick Vieira foi o 4 no Arsenal e Claude Makelelé foi o 4 no Chelsea. Quando jogaram juntos na seleção francesa na Copa de 2006, Vieira ficou com a 4 e Makelelé foi usar a 6.
Holanda e Bélgica optaram por uma abordagem mais simples. Por que partir do 2-3-5? Lá, a numeração é sequencial na linha de quatro, com o número 5 jogando na lateral esquerda.
O Flamengo usava essa numeração nos anos 80, com Junior usando a 5 na lateral e Andrade ostentando o número 6 no meio-campo. Tradição que alguns defendem que deveria ser mantida até hoje
Diferentemente da Europa, na América do Sul, o 5 se manteve no meio-campo. Mas os esquemas também são variados. Na Argentina, o número 6 recuou para o miolo de zaga, enquanto o número 4 foi para a lateral direita.
Já no Uruguai, os dois homens “de fora” do meio-campo recuaram “por fora” da defesa. O número 4 foi para uma lateral e o 6 para a outra. Convenhamos: olhando o resultado final, parece ser o modelo que mais faz sentido…
Até hoje o Botafogo usa o esquema uruguaio (Honda pegou a 4 e quebrou o padrão agora) e o Santos usa o esquema argentino, o que levanta certa curiosidade dos torcedores de outros clubes ao perceberem. Afinal, o esquema brasileiro é um tanto diferente.
Por aqui, o primeiro a recuar foi o número 6, pelo lado esquerdo da defesa. Com isso, o número 3 passou a ser conhecido como “zagueiro central”.
Mas Flávio Costa introduziu ao W-M um tempero brasileiro: as tão famosas diagonais, que tornaram o quadrado do meio-campo uma espécie de losango, aproximando o 10 do ataque e o 4 da defesa.
A linha de quatro na defesa foi o próximo passo lógico no processo, com o volante mais recuado entrando entre os defensores. De fato, a ideia de organização defensiva que se espalhou pelo mundo tem um DNA brasileiro.
Talvez o natural fosse o camisa 4 entrar pelo lado direito da defesa (como aconteceu em todos os outros países), mas possivelmente para manter a numeração sequencial, ele foi jogar pelo lado esquerdo. O camisa 4 se tornou, então, o “quarto zagueiro”.
Foi assim que nasceu a tradição. Por isso é tão estranho para os brasileiros ver as camisas 2, 3, 4 e 6 fora da linha de defesa.

Além disso, até outro dia o futebol brasileiro não usava números fixos, o que significa que os jogadores não “carregavam” seus números pela carreira.
Cesc Fabregas, por exemplo, viu seu ídolo Pep Guardiola usar o número 4. Foi jogar no futebol inglês, ainda nas categorias de base, como um volante recuado, portanto o 4 lhe caía bem. Conforme foi avançando ao longo da carreira, manteve o número.
Felipe, por outro lado, começou na lateral esquerda do Vasco. Quando chegou ao Flamengo para jogar como meia-atacante, obviamente não se manteve apegado à camisa 6 e foi usar logo a 10. Algo parecido aconteceu com Leonardo, por exemplo.
É claro que tudo isso é uma leve simplificação. O processo é um tanto mais caótico e menos linear que isso. Mas é interessante ver como cada país se refere a cada posição por um número e, muitas vezes, as barreira cultural impede o entendimento.
Com a globalização do futebol, tudo isso vai se borrando. Há cada vez mais volantes com a camisa 5 na Europa, zagueiros com a camisa 4 na Inglaterra e assim por diante. No Brasil, os números seguem mais ou menos preservados em suas posições, mas parece ser uma questão de tempo.
Jogadores cada vez mais versáteis atuando em elencos de numeração fixa também vão sempre criar certa confusão. A ideia de “improviso” fica limitada quando um mesmo jogador pode atuar em três, quatro ou cinco posições diferentes com fluidez…
Além disso, cada vez mais jogadores se identificam com números altos, acima do 11.

Convenhamos, a maior parte dessas camisas não têm qualquer identidade. Se aparecerem em qualquer lugar do campo, não levantam muitas sobrancelhas.
Os mais puristas querem mesmo ver seu time jogando do 1 ao 11, do goleiro ao ponta esquerda. Mas é bom a gente se acostumar.

É possível que, em um futuro não tão distante, essa seja a exceção.
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