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Eles eram jovens e condenavam tudo o que encontravam pela frente capaz de ofendê-los.

Ao final, muita gente morreu na caça às bruxas.

Aconteceu nos anos 1960. As pessoas também eram canceladas naquele tempo - e não apenas metaforicamente.

Conto aqui embaixo:
Esse cara aqui se chama Mao Tsé-Tung (毛澤東).

Se você só conhece de nome, Mao foi o líder da revolução comunista chinesa, chefe de Estado do país por quase três décadas e maior genocida do século vinte.
Em 1958 esse cara lançou um programa de governo insano chamado Grande Salto Adiante. Foi uma tragédia.

45 milhões de pessoas morreram em apenas 4 anos. É como se a população da Espanha sumisse do mapa no intervalo entre duas Copas do Mundo.

independent.co.uk/arts-entertain…
Essa aqui é a curva global de mortes entre 1950 a 2017.

Tá vendo essa ponta completamente solta na virada para os anos 1960?

Esse é o tamanho da destruição causada por Mao Tsé-Tung na China. O cara foi um predador da espécie humana.

repositori.upf.edu/bitstream/hand…
Como você deve imaginar, a galera não ficou muito contente com o que rolou.

Essa imagem aqui é da reunião partidária da Conferência dos Sete Mil (七千人大会), de 1962.

O prestígio de Mao começou a ser atacado a partir desse dia.

Mao precisava agir.

E foi o que ele fez.
E a resposta foi curta e grossa: dar um reboot no país.

Em maio de 1966, Mao montou um novo órgão no governo chinês - o Grupo da Revolução Cultural (中央文革小组).

A ideia era audaciosa: comandar um Grande Expurgo, apagar o passado e fortalecer sua imagem como uma divindade.
O primeiro passo foi transformá-lo numa febre. Mao projetou a maior campanha de propaganda da história.

4,8 bilhões de pins com seu rosto foram fabricados.

1,2 bilhão de retratos seus foram produzidos.

A China passou a respirar Mao Tsé-Tung nos jornais, nas artes e nas ruas.
Foi nessa época que o Pequeno Livro Vermelho (毛主席语录), uma coletânea de citações de Mao Tsé-Tung, passou a ser distribuído pra todo mundo.

Era preciso carregá-lo, empunhá-lo e recitá-lo em todas as ocasiões públicas.

À força, Mao virou um deus ateísta onipresente.
O segundo passo foi tacar o terror perseguindo educadores e intelectuais.

Essa era uma Revolução Cultural.

Mao convocou os estudantes para condenar seus professores por envenenar suas cabeças com “ideias burguesas” e incomodá-los com exames.

A única educação era a revolução.
Em 2 de junho, alunos de uma escola secundária de Pequim colaram um cartaz numa parede assinado como “Guardas Vermelhos” (紅衛兵).

A proposta do grupo era atacar os "Quatro Velhos" da sociedade (四旧): as velhas ideias, a velha cultura, os velhos hábitos e os velhos costumes.
Para garantir a total disponibilidade dos estudantes na Revolução Cultural, Mao mandou encerrar as aulas.

Os professores sofreram: os homens foram espancados e as mulheres estupradas.

As cenas se repetiram por toda a China, provocando uma onda de suicídios.
Depois do terror nas escolas, Mao orientou seus Guardas Vermelhos contra a sociedade chinesa.

Primeiro, os mais jovens passaram a destruir estátuas, placas de ruas, lojas, igrejas, imagens religiosas.

O passado passou a ser apagado porque era ofensivo à revolução.
E então os Guardas Vermelhos queimaram livros, destruíram pinturas, derrubaram obras arquitetônicas.

Os estudantes invadiam as casas das pessoas e demoliam qualquer objeto que considerassem ofensivo.

A geração de 1966 julgava ser capaz de condenar milhares de anos de História.
Em Pequim, dos 6.843 monumentos ainda de pé em 1958, 4.922 foram vandalizados.

Nós estamos falando de uma depredação de mais de 70% das obras culturais da capital da China em poucos anos.

economist.com/china/2016/05/…
E então os guardas passaram a perseguir escritores, pintores, atores, jornalistas, cantores, bailarinos.

Placas com insultos eram penduradas nos pescoços de intelectuais e artistas em humilhantes sessões de "autocrítica" (批鬥大會).

Eles eram espancados com socos e pontapés.
Hábitos e costumes da população foram perseguidos.

Cabelos longos, saias e sapatos com salto eram vandalizados.

Alguns chineses tiveram seus próprios nomes alterados para vangloriar a Revolução.

O plano era construir um país culturalmente deserto, com um povo sem identidade.
Em pouco tempo a histeria tomou conta da população.

Qualquer pessoa estava sujeita a ser uma vítima da Revolução Cultural.

Os incentivos se tornaram os piores possíveis: denunciar virou uma prática para se proteger dos demais agressores e subir de posição no partido.
Em chinês se chama dazibao (大字報) e significa “jornal mural afixado na rua”.

Durante a Revolução Cultural, essa era a rede social.

Os chineses usavam esses murais para incriminar uns aos outros em postagens anônimas.

Ser acusado era o fim: o mesmo que cancelar alguém.
Nomes eram denunciados clandestinamente por não apoiarem o partido, serem "capitalistas", "liberais", "pró-Ocidente", "burgueses", "direitistas", "anti-revolucionários".

Havia um achincalhe público, com sessões de tortura.

Era ofensivo pensar diferente do partido.
A Revolução Cultural durou até 1976, com a morte de Mao Tsé-Tung.

Há quem fale em 1, 3 e até 20 milhões de mortos por execução ou suicídio nesse período. Mas a verdade é que não dá pra cravar nenhum número, graças à falta de transparência do governo chinês.
Em 1981, o Partido Comunista da China condenou o "grave erro" da Revolução Cultural.
marxists.org/subject/china/…

Jiang Qing (江青), a viúva de Mao Tsé-Tung, foi condenada à morte após o fim da Revolução - e então à prisão perpétua.

Ela se suicidou em 1991.
A Revolução Cultural foi um dos capítulos mais tristes da História - e como tal, não deve ser apagado.

Este é o retrato extremo de um país dominado pela cultura do cancelamento, desavergonhadamente autoritário e mal resolvido com seu passado.

É tudo o que não devemos ser.
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