O neoliberalismo morreu. Como aquela planta que está com as raízes podres: continua de pé, mas já morreu. Morte matada pelo capital, o que significa que não temos nada a comemorar. Vou compartilhar nessa MEGA thread hipóteses abertas que demandam investigação mais cautelosa. 👇
1. O neoliberalismo, como uma fase do capitalismo, nascido dos escombros da crise dos anos 1960/70, se consolidou COMBINADO com outros dois processos: revolução tecnológica e globalização.
2. Por um lado, a revolução tecnológica (microeletrônica, informática, WWW) eliminou barreiras técnicas que impediam o espalhamento mundial dos processos de produção, operando como força centrífuga nas cadeias produtivas.
3.Por outro, essa globalização produtiva e o surgimento das CGV, combinando-se com a alteração profunda pró-capital nas lutas de classes a nível mundial, pressionam os governos nacionais por reformas estruturais liberalizantes (abertura econômica e desregulamentação dos mercados)
4. As maiores empresas do mundo passam a contratar fornecedores via terceirização (outsourcing) e aqueles que tinham menores custos conseguiam contratos e grana. A concorrência forçou salários para baixo facilitado pela expansão mundial do exército industrial de reserva.
5.Isso aí explica porque o neoliberalismo é marcado, nos países com tradição SD, por ataques duríssimos aos sindicatos, reformas trabalhistas, etc. Explica também porque a abertura comercial nos anos 90 é vida ou morte para os países dependentes com tradição desenvolvimentista.
6.Ou seja: não existe neoliberalismo em abstrato nem apenas como um conjunto de políticas, mas como uma estratégia de desenvolvimento COMBINADA com outros processos que mencionei anteriormente, especialmente a globalização. Por isso neoliberalismo=globalização neoliberal para mim
7.Essa configuração neoliberal com defesa de relações econômicas transnacionais foi possível em um mundo concretamente hegemonizado pelos EUA, que exerciam uma liderança indiscutível na rede de relações imperialistas. Falo sobre isso aqui: academia.edu/26409250/Imper…
8. To chegando nas evidências que sugerem que esse mundo acabou. Existem tendências desglobalizantes em vigência desde a crise de 2008. A mais clara é a estagnação do comércio mundial como proporção do PIB, como pode ser visto no gráfico do economista Maurice Obstfeld. 
9. Se o comércio internacional travou em determinado patamar, a atuação das CGV também. O último relatório da Unctad mostra que o índice de transnacionalidade das 100 maiores empresas do mundo estacionou na última década.
10. A literatura especializada está chamando de reshoring o processo de renacionalização das cadeias produtivas. O mundo está se desglobalizando, não existem mais tantas pressões materiais para a adoção de políticas liberalizantes.
11. Se a ascensão neoliberal foi combinada com a globalização, o oposto também é verdadeiro: a desglobalização acaba com a força material pró-liberalização. O que está por trás disso? Uma nova revolução tecnológica, que a Unctad chama de “nova revolução industrial”.
12 Marx chamaria de “revolução de valor”. Trata-se das novas tecnologias de IA, robótica avançada, impressora 3D, etc. São revoluções que estão em curso reduzindo relativamente a necessidade de trabalhadores e funcionam como forças centrípetas nas cadeias produtivas.
13. Além da maior lucratividade para as empresas inovadoras, assistiremos a criação de novos valores de uso, novas necessidades, novas demandas. Parece ser essa a força que empurrará o capitalismo adiante. Não, o capitalismo não vai entrar em colapso.
14. Não parece ser por outro motivo que o fundamento da guerra comercial em curso é a guerra tecnológica do 5g, que permitirá operacionalizar em grande escala essa revolução de valor. A disputa geopolítica parece ter como fundamento a apropriação dos futuros fluxos de valor.
15.A crise da pandemia, que é um “acontecimento monstro” nos termos do filósofo Paulo Eduardo Arantes, acirra essas tendências em curso. Em tom especulativo, arrisco o seguinte.
a) A revolução de valor permite criar as condições materiais para o isolamento social no processo de produção (particularmente lucrativo se novas pandemias estão por vir). b) O reshoring diminui a importância do comércio exterior e, assim, impulsiona o protecionismo.
c) O avanço do protecionismo tende a impulsionar fluxos de investimento estrangeiro direto, alimentado pela concorrência entre os trustes capitalistas cada vez mais nacionais. d) O contexto disso é o fim da liderança indiscutível dos EUA.
16.Além do protecionismo econômico, força material do racismo e da xenofobia, os Estados nacionais estão reassumindo grandes empresas produtivas, sendo promotores de gigantescos processos de centralização do capital.
17. Um exemplo: “Todos os meios que temos serão usados para proteger as grandes empresas francesas”, disse o ministro da economia francês, resumindo o que está em curso atualmente no coração do imperialismo. istoedinheiro.com.br/guerra-economi…
18 Finalmente,por que eu disse que é o capital quem está matando o neoliberalismo?Pq a dinâmica desglobalizante e a revol tecnol são resultados da concorrência capitalista. Capitais estão disputando frações do mais-valor global em um ambiente de baixa histórica nas taxas de lucro
19. Precisamos acompanhar as implicações disso sobre as decisões dos governos, mas tudo indica que a hegemonia neoliberal no plano das políticas econômicas está acabando. Ah, mas e a austeridade? Parece ser a última trincheira do neoliberalismo.
20. Mas não é bem assim. Ela é muito mais geral, integrante de outras fases do capitalismo, do que específica do neoliberalismo. A implementação do keynesianismo na política econômica decorre de um evento muito específico, a ascensão do mundo comunista, concentrado no pós guerra.
21. Antes de 1929 e depois de 1979 o discurso da austeridade foi hegemônico. Ora, se a austeridade não é específica do neoliberalismo, não é sua continuação que indica que o neoliberalismo não morreu.
22. O que importa é constatar, creio eu, que suas raízes morreram. Podemos até continuar vendo suas folhas e frutos por algum tempo, mas ele já morreu, embora ainda continue de pé.
