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— Brasa, episódio I: Um choque de capitalismo
Para entender a polarização que domina a política brasileira, talvez seja necessário voltar seis décadas no tempo, quando Senor Abravanel, aos 29 anos de idade, começou a adaptar para a TV os shows que apresentava no rádio.
Três anos depois, já como Programa Silvio Santos, o empresário conquistou os domingos da TV Paulista. Após migrar em 1965 para Globo, chegaria a atingir 89 pontos de audiência, o que o transformou não só em uma celebridade nacional, mas num potencial concorrente da emissora.
A batalha começou em plena ditadura. E rendeu uma primeira vitória ao apresentador ainda no governo Geisel, que concedeu-lhe o canal 11 carioca, dando luz à TVS. O prêmio principal, contudo, viria da caneta de João Figueiredo.
O último dos presidentes militares tinha em Roberto Marinho um amigo com quem dividia a apreciação por cavalos. Entretanto, temendo a concentração de poder do jornalista, achou por bem alertar o proprietário da Globo que não assinaria novas concessões ao grupo.
Assim, em 1980, Figueiredo extinguiu a TV Tupi, o que abriu caminho para que Adolfo Bloch inaugurasse a Manchete, e Silvio Santos, o Sistema Brasileiro de Televisão.
O SBT já nasceu em segundo lugar na audiência. Para Marinho, conforme relatos de um neto do general, aquilo fora a gota d’água:
"Foi a concessão a Silvio o motivo do rompimento definitivo de qualquer relação. Logo ao saber do fato, Marinho ligou desaforado e soltando os cachorros para o presidente, que não aturou e mandou o dono da Rede Globo 'tomar no centro do c*', nestes termos, com todas as letras."
Desde então, o apoio da Globo a Figueiredo minguou. Ao término da gestão, a emissora fazia oposição ao presidente. Ao ponto de, e diferente do que se espalhou mesmo em faculdades de jornalismo, cobrir as manifestações das Diretas Já.
Em São Paulo, Silvio não escondia o apreço por Figueiredo. Aos domingos, exibia A Semana do Presidente, quadro ufanista que por duas décadas tentaria ampliar a popularidade dos moradores do Palácio da Alvorada.
Quando um problema nas cordas vocais pôs em risco o trabalho na TV, o empresário passou a cogitar para si uma vida pública. Entre idas e vindas, a confirmação veio a apenas quinze dias da primeira eleição presidencial da Constituição de 1988, mas já entre os favoritos.
Líder nas pesquisas, Fernando Collor de Mello ouviu de Marcos Antônio Coimbra, dono do Instituto Vox Populi: “Você está praticamente no segundo turno, Fernando, e só perde se o Silvio Santos concorrer“.
O dono do SBT entrou na disputa liderando com 29% segundo o Gallup, dez pontos à frente de Collor. Outras pesquisas, no entanto, desenhavam cenários mais incertos. Pelo Ibope, Collor caía de 31% a 23%, com Silvio indo ao segundo turno cinco pontos atrás.
Pelo Datafolha, o segundo nome do segundo turno nasceria de uma disputa entre Lula (15%), Leonel Brizola (14%) e Silvio (10%). Mesmo assim, Brasília dava como certo que, se não vencesse já em primeiro turno, o dono do SBT derrotaria no segundo o candidato da emissora carioca.
Pelos motivos óbvios, e por outros mais obscuros, uma vitória de Silvio seria uma grande derrota para a Globo. Pois Marinho se habituara a referendar os nomes do primeiro escalão do governo Sarney.
Em Notícias do Planalto, Mario Sergio Conti narra o episódio em que a nomeação de Maílson da Nóbrega para o Ministério da Fazenda só se confirmou após uma sabatina com o jornalista.
amzn.to/2CeJmts
Minutos após o encontro com Marinho, e antes da ligação presidencial, o sabatinado soube por um plantão do Jornal Nacional que havia conquistado a vaga.
Marinho queria Jânio Quadros novamente no Planalto. Mas o 22º presidente do Brasil se retiraria da disputa por problemas de saúde. O proprietário da Globo foi, então, incentivado a apostar em Mario Covas, de quem desconfiava, por enxergar no tucano um comunista dissimulado.
O senador lançou a candidatura em um discurso enérgico redigido por José Serra: “O Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios“.
acervo.oglobo.globo.com/incoming/o-bra…
Os próprios tucanos criticariam o texto por notarem afagos à direita. Contudo, O Globo o elogiou em editorial. E o Jornal Nacional separou 90 segundos para a fala, causando ciúmes em Collor, que na Europa cumpria agenda com o Papa João Paulo II e Margaret Thatcher.
À imprensa, o ex-governador de Alagoas comentou em off: “Quem está por trás do discurso do Covas é o Roberto Marinho, que quer ter dois finalistas no segundo turno. Mas eu não quero: é só eu contra a esquerda“.
Collor procurou Marinho. No desabafo, denunciou Covas como um esquerdista disfarçado, fez promessas jamais cumpridas, como dar fim à Voz do Brasil, e garantiu que batalharia pela retorno da capital federal ao Rio de Janeiro.
Mas a decisão da Globo veio de números. Enquanto o candidato no PSDB engatinhava em 5% na corrida presidencial, o do nanico PRN mantinha a intenção de votos em um patamar oito vezes acima.
A nova aposta de Marinho, no entanto, pegou tão pesado com José Sarney que o presidente da República veria com bons olhos a possibilidade de passar a faixa ao dono do SBT, de quem recebeu a garantia de que venceria “em uma semana” de campanha.
A fofoca foi ouvida por Aureliano Chaves, que contou a Jânio, que contou ao lobista Jorge Serpa, que contou a Marinho, que se organizou para atrapalhar os planos do concorrente antes mesmo de o próprio Chaves renunciar à candidatura em benefício de Silvio.
Coube ao outsider disputar a presidência pelo Partido Municipalista Brasileiro na vaga de um pastor evangélico. O improviso era tamanho que as cédulas, já impressas, ainda trariam o nome de Armando Corrêa.
No horário eleitoral, o próprio candidato explicava a confusão aos eleitores.
Lula, por sua vez, começava a aceitar a ideia de ficar fora da etapa final. E lamentava ao New York Times: “É altamente possível que as eleições brasileiras sejam disputadas entre os dois maiores grupos de televisão do Brasil“.
Conforme registrou Conti no Notícias do Planalto, por mais que alguns chefes tivessem uma postura conservadora, as redações eram tomadas por socialistas.
Talvez por isso, a candidatura de Silvio foi bombardeada em uníssono na imprensa. Contudo, nada chegava ao tom belicoso adotado pelo grupo Globo, que via a articulação com o Palácio do Planalto escapar na reta final.
A solução, no entanto, veio no comitê carioca da campanha de Collor. No caso, da parte de um baterista graduado em economia que mergulhava fundo em enfadonhos textos jurídicos.
Em tempo hábil, o fã do Led Zeppelin descobriu um problema no registro do partido de Silvio. Era a mesma falha corrigida por Collor em 1987 no Partido da Reconstrução Nacional quando ainda se chamava Partido Jovem.
A legislação exigia que os partidos, até um mês antes do pleito, mantivessem diretórios em um mínimo de nove estados, meta que o PMB não atingira.
Desta forma, não só a candidatura de Silvio findou inviabilizada pelo TSE, como a própria sigla deixaria de existir. Somou-se à decisão o fato de o empresário não ter se desligado do SBT dentro do prazo estipulado pela lei eleitoral.
Marinho respirava aliviado. Analistas calcularam que a entrada na disputa do patriarca da família Abravanel serviu para atrapalhar o crescimento de Covas, que terminaria o primeiro turno em 12%, apenas 5 pontos percentuais atrás da vaga para o segundo.
Em dezembro de 1989, Collor derrotaria Lula, se tornando o primeiro presidente eleito por voto direto desde Jânio.
Como prêmio pela descoberta, Paulo Cesar Farias, o tesoureiro da campanha de Collor, indicaria o economista carioca à presidência da Telerj, a estatal telefônica do Rio de Janeiro.
Vinte e sete anos depois, aquele baterista ficaria famoso não pela banda que tinha com amigos, mas por conduzir o processo de impeachment de Dilma Rousseff. O nome dele? Eduardo Cunha.
Continua no próximo episódio.
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