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A tal "imunidade de rebanho" volta a ser discutida na mídia. Muitos cientistas porém apontam consequências graves que esse conceito mal compreendido (ou distorcido de propósito) gera.

O @wlcota deu uma clareada no assunto em comentários que junto aos meus num fio. Acompanhe 👇
Primeiro, para quem não sabe: imunidade de rebanho se dá quando o número de pessoas resistentes a um vírus (por já terem sido infectadas ou vacinadas) atinge uma parcela da população suficientemente alta para que o vírus não encontre pessoas suscetíveis a se infectar (+)
No caso do novo coronavírus, antes da vacina, essa imunidade seria atingida quando pelo menos 60% da população tivesse sido infectada. O que seria uma tragédia, com milhões de óbitos, sabendo que uma parte dos infectados desenvolve a forma grave e morre. (+)
O que se tem argumentado agora é que esse número mínimo (60٪) não é realista. Seria um número cru, que não leva em conta fatores como diferenças dentro da população (há pessoas que interagem mais, pegam transporte público, vão a bares, outras não e têm bem menos exposição. (+)
Isso tem que ser considerado dentro dum modelo que quer prever a taxa de infectados mínima numa população necessária para o vírus encontrar dificuldade em se transmitir (+)
É o que argumenta o texto que postei, do Fernando Reinach comentando artigo da Science. A taxa cairia para 43٪, usando um índice R0 de 2.5 (uma pessoa imfectada seria capaz de transmitir para outras 2,5 em média). (+)

science.sciencemag.org/content/early/…
Agora vamos aos problemas com esse raciocínio se transposto como solução para a realidade brasileira. Primeiro, mesmo imaginando que precisamos de 43٪ de infectados, já é um número gigante. Quase metade da população brasileira precisa pegar. Faça a conta do número de mortos. (+)
O @PauloLotufo lembra das desigualdades regionais. E que mesmo em quem sobrevive, a doença deixa sequelas graves.
"A maior soroprevalência em Manaus foi à custa de uma imensa mortalidade comparada à de SP. Isso sem contar as possíveis sequelas da COVID-19 nos sobreviventes." (+)
O pneumologista Fred Fernandes testemunha essas sequelas em seus pacientes. Ou seja, querer "pegar a doença logo para ficar imune" é uma cilada. Além de risco de morte, sua vida pode numca mais volta a ser a mesma. (+)

O Lotufo também aponta as disparidades sociais. É mais fácil para quem estar em situação privilegiada querer adotar a imunidade de rebanho como "política" pois está bem mais seguro que outras classes. (+)

Por fim, vou transpor aqui a explicação do @wlcota, muito elucidativa, e que está escondida lá num comentário ao meu outro twit. 👇
"A imunidade de rebanho depende de diversos fatores e pode ser realmente superestimada com modelos homogêneos. Isso não é novidade para nós que trabalhamos com esses modelos o tempo todo.

link.springer.com/article/10.100…

Vou citar alguns desses fatores, além dos citados na reportagem."
"1) Essa % depende fortemente das medidas de isolamento. Dá pra mostrar isso usando o modelo mais simples possível, o SIR e comparar cenários "achatando" ou não a curva:

facebook.com/photo.php?fbid… (@silviojrufv)"
"Ao contrário do que alguns pregam, achatar a curva diminui sim o número total de casos na população.
De qualquer forma, não adianta atingir essa % e liberar tudo como se a doença não existisse mais, acontecendo novos surtos, principalmente em populações locais não 'imunizadas'."
"2) Além da heterogeneidade citada na reportagem, se você passa de uma modelagem totalmente homogênea para uma de metapopulações, por exemplo, essa % é novamente reduzida.

medrxiv.org/content/10.110… (ver Fig. 2)



Não estão explícitas aí, mas vimos isso."
"3) Estocasticidade: o mundo real não é determinístico. Mesmo atingindo a % dada por modelos desse tipo, surtos podem acontecer e atingir tamanhos consideráveis. Não é um número mágico e precisamos continuar vigilantes e principalmente rastreando contatos."
"4) Não sabemos que de fato se essa imunidade é permanente. E como o
Paulo Lotufo disse, vai morrer muita gente."
"Enfim, como essa % depende muito desses fatores (e outros que não citei), pessoalmente acho irresponsável cravar uma % e dizer que se a atingirmos estará tudo bem. E certamente usam isso politicamente. Já vi que no Brasil o objetivo é ser líder no número de 'recuperados'."
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