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A COVID-19 e a Imunoterapia com Anticorpos Monoclonais - 🧶

Autora: Melissa Markoski (@melmarkoski)

Revisão: Larissa Brussa Reis (@laribrussa), Lilith Schneider Bizarro (@BizarroLilith)

Fonte da imagem: roche.com/strongertogeth…
Você já ouviu falar em Imunoterapia? Sabe do que se trata? Então, essa história é antiga… Tudo começou em 1891, quando um cirurgião chamado William Coley aplicou injeções contendo bactérias mortas em locais dos corpos de pacientes onde haviam sarcomas,
um tipo de tumor que ocorre nos ossos e tecidos moles e que frequentemente apresenta a formação de nódulos, que são lesões sólidas de fácil detecção pelo oncologista. Um tempo após a aplicação, o Dr. Coley observou que os tumores começaram a “encolher”.
Esse “encolhimento” dos tumores ocorreu devido à ativação do sistema imune, estimulada pelas injeções na região. Essa observação foi crucial para se entender que a ativação do sistema imune diretamente na região tumoral estaria, de alguma forma, envolvida com a resposta
terapêutica global aos sarcomas. Assim, este tipo de tratamento que ativa o sistema imune para combater a doença é chamado de Imunoterapia. Atualmente, a Imunoterapia vem sendo consolidada como uma ferramenta promissora no combate ao câncer, sendo aplicada tanto para estimular a
restauração e a ativação de células imunes e moléculas relacionadas do próprio paciente (Imunoterapia ativa), quanto pode ser feita administrando-se células exógenas (não próprias do paciente) ou anticorpos antitumorais, com a finalidade de reforçar a resposta imunológica contra
a doença (Imunoterapia passiva). Ambas as abordagens atuam para desacelerar ou inibir o crescimento tumoral através da estimulação das “ferramentas” do próprio organismo no combate às células tumorais. E aonde já vimos algo parecido? Isto mesmo! Você encontra a resposta no uso
da vacina, uma abordagem utilizada para gerar proteção imunológica (a imunização). Contudo, vamos voltar um pouco e entender porque a Imunoterapia tem sido aplicada com sucesso no câncer e porque ela seria uma abordagem interessante para a COVID-19.
Um dos maiores desafios no estabelecimento de terapias anticâncer eficazes é a capacidade das células malignas de evadir, ou seja, de “escapar” do reconhecimento dos componentes de defesa do organismo. No tratamento do câncer,
Imunoterapia tem sido usada para impulsionar o sistema imunológico do paciente através do estímulo de seus próprios componentes, na tentativa de combater as células malignas. Para isso, destacam-se diferentes condutas, como o uso dos inibidores imunes do ciclo celular,
que dependem que as células imunes se infiltrem no tumor [1]; a administração de células vivas, onde destacam-se as CAR-T, que são células T (um tipo de glóbulos brancos, também chamados de linfócitos) modificadas geneticamente para produzir um receptor “artificial”
(receptores de antígeno quiméricos) que seria mais facilmente identificado por outras células de defesa [2,3]; e, finalmente, a Imunoterapia baseada no uso de anticorpos monoclonais [4], que é a que iremos nos ater aqui.
A Imunoterapia à base de anticorpos monoclonais é considerada um componente importante e promissor na terapia contra o câncer, ao lado de cirurgia, radiação e quimioterapia. Os anticorpos monoclonais, desenvolvidos em laboratório (Figura 1), possuem um conjunto diversificado de
mecanismos de ação, que são clinicamente bastante importantes. Por serem bastante específicos, os anticorpos podem atingir diretamente as células tumorais, ao mesmo tempo em que promovem a indução de resposta imune antitumoral de longa duração [4].
É o caso, por exemplo, do Rituximab, um anticorpo monoclonal quimérico usado para leucemias e linfomas e que atua se ligando a uma proteína da superfície celular, a CD20, encontrada em linfócitos B. Neste caso, a ação do anticorpo induz a célula B “defeituosa” a ativar um tipo de
morte celular programada, denominada apoptose. Devido ao grande potencial do procedimento, a técnica de produção de anticorpos monoclonais rendeu aos seus inventores, César Milstein, Georges Kohler e Niels Kaj Jerne, o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1984.
A produção dos anticorpos monoclonais para fins medicamentosos é hoje obtida através da Imunoengenharia, uma área que cria e aplica ferramentas e princípios de engenharia para investigar e modular o sistema imunológico [5]. Assim, a Imunoengenharia tem sido aplicada no
desenvolvimento de insumos para a Imunoterapia e vem sendo utilizada para tratar com eficácia e segurança inúmeras doenças, desde o câncer a doenças infecciosas, diabetes e doenças autoimunes. E no que a Imunoterapia, afinal, poderia ajudar ao combate à COVID-19?
A COVID-19, hoje (30 de julho), representa um grave problema em todo o mundo através dos seus mais de 17 milhões de infectados e com 670 mil mortos (worldometers.info).
A doença, causada pelo vírus SARS-CoV-2, embora tenha diversos estudos clínicos sendo conduzidos em busca de medicamentos e vacinas para seu combate, ainda não dispõe de tratamento. Enquanto isso, o que pode ajudar a proteger as pessoas não infectadas tem sido as medidas de
prevenção, como o uso de máscaras faciais, medidas de higienização (principalmente das mãos) e o distanciamento social (de, pelo menos, um metro e meio). Conforme já discutido aqui na Rede Análise COVID-19, o vírus possui uma proteína (Spike, S)

redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/07/22/a-i…
no seu envoltório, cuja porção RBD (de receptor binding domain – domínio de ligação ao receptor) se liga a uma proteína receptora nas células humanas, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2). Este é basicamente o mecanismo que o vírus utiliza para entrar nas células
e se reproduzir. Como esse domínio da proteína S viral é relativamente bastante conservado (sofre poucas mutações), ele tem sido alvo intenso de buscas de estratégias para sua inativação ou bloqueio. Assim, recentemente, um grupo de pesquisadores buscou identificar anticorpos que
poderiam bloquear o domínio RBD e publicaram na revista Nature o estudo intitulado “Anticorpos humanos potentemente neutralizantes e protetores contra SARS-CoV-2” [6]. Sabe-se que os anticorpos humanos produzidos contra a porção RBD são neutralizantes, ou seja, capazes de
inativar o SARS-CoV-2. Contudo, já foi reportado que o vírus procura “fugir” dessa neutralização, similar ao que acontece nos tumores, através da exposição alternativa de alguns resíduos (aminoácidos que compõem uma pequena fração da proteína) para “despistar” os anticorpos [7].
Assim, os autores identificaram que algumas dessas combinações de resíduos causavam também uma competição entre os anticorpos neutralizantes, ocasionando, por sua vez, um atraso na ação efetiva da resposta imunológica ou uma fraca ação da imunidade do tipo humoral
(mediada pelos anticorpos). No pior cenário, em que o sistema imune está “procurando” o vírus e ativando intensamente células e moléculas efetoras, o SARS-CoV-2 acaba se ligando à ACE2, conseguindo entrar nas células, se multiplicar e “fazer a festa”. Que vírus “espertinho”, né?
Bom, essa “esperteza” é o que chamamos de estratégia adaptativa. Então, os pesquisadores tiveram a ideia de testar diferentes combinações entre os resíduos da porção RBD utilizados pelo vírus, com os anticorpos que conseguem reconhecer cada combinação. E foi assim que eles
conseguiram identificar quais combinações seriam capazes de ativar a neutralização. Nessa “queda de braço” entre a estratégia adaptativa do vírus contra a neutralização pelo nosso sistema imune, quem venceu foi a ciência! Através de experimentos envolvendo mutagênese (processo de
criar mutações genéticas, de forma espontânea ou direcionada), caracterização estrutural (estratégia de detalhamento da estrutura de compostos) e desafio em modelos animais (testes para ver como o organismo irá responder ao tratamento), os pesquisadores conseguiram observar que
a ação de anticorpos neutralizantes selecionados para as combinações de resíduos do RBD puderam regredir tanto o dano no tecido pulmonar quanto a inflamação causada pelo SARS-CoV-2, pois a resposta foi mais rápida e eficaz. E tudo isso foi para mostrar a vocês que estratégias
terapêuticas baseadas na ação de anticorpos, como o uso do plasma convalescente e o desenvolvimento de anticorpos monoclonais, podem ser bastante relevantes e efetivas contra a COVID-19. Dentro dessas conformações (formas “alternativas” da proteína em nível estrutural)
que o SARS-CoV-2 utiliza, que também contribuem para a ligação de sua porção RBD à enzima ACE2, uma delas é fortemente reconhecida por um anticorpo monoclonal selecionado em laboratório e denominado H014. Assim, conforme artigo publicado recentemente na revista Science,
intitulado “Base estrutural para neutralização do SARS-CoV-2 e SARS-CoV por um potente anticorpo terapêutico” [8], os autores observaram de que forma a neutralização do RBD pelo anticorpo H014 ocorre e qual seu impacto quando testado em modelo animal.
Primeiramente, os pesquisadores mostraram que a ligação do anticorpo H014 à proteína S sobrepunha praticamente toda a extensão do domínio RBD, não permitindo que aquelas mudanças de conformação que provocam a competição entre os anticorpos e a evasão ao sistema imune, ocorressem.
Depois, também foi observado que o anticorpo monoclonal foi capaz de realizar a chamada reatividade cruzada, pois pôde bloquear tanto a RBD do SARS-CoV-2 quanto à do SARS-CoV, neutralizando ambos os coronavírus. Adicionalmente, conforme observado através de ensaios competitivos
de ligação, este bloqueio faz com que os vírus não consigam se ligar na ACE2, ou seja, são impedidos de entrarem nas células humanas (sem “festa” dessa vez para vocês, vírus!). Finalmente, quando o anticorpo monoclonal H014 foi testado em camundongos contra placebo
(solução salina-fosfato), a análise da patologia pulmonar (exame que avalia a estrutura tecidual do pulmão) mostrou que animais do grupo que receberam o placebo e foram infectados com o SARS-CoV-2, apresentaram diversos danos, como pneumonia intersticial, caracterizada por
infiltração de células inflamatórias, espessamento septal alveolar e lesão do sistema vascular; entretanto, não foram observadas lesões de células epiteliais alveolares ou hemorragia focal nas seções pulmonares de camundongos que receberam tratamento com o anticorpo H014.
Assim, os autores do artigo da Science concluíram que o anticorpo monoclonal H014 apresenta um indicativo de papel terapêutico potencial no tratamento da COVID-19, mostrando que a Imunoterapia pode ser explorada na busca de ações contra a doença.
Que venham mais anticorpos monoclonais e testes clínicos!

Referências disponíveis em: redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/08/01/a-c…
Figuras construídas a partir de imagens do BioRender (app.biorender.com).
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