Bom dia. A Folha publica uma pesquisa que lasca que estaríamos vivendo uma desdemocratização no mundo. Exagero total e falta de perspectiva analítica. Lá vai o fio. www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/09/…
1) Venho alertando para esta espetacularização das análises que parecem tragadas pelo sensacionalismo diário. Para se fazer análise de tendência é preciso o óbvio: perspectiva. Quero sugerir uma periodização que não sugere uma tendência nítida na política mundial
2) A década de 1990 foi considerada da democratização. Entre os anos 1954 e 1990 a maioria dos países na América Latina estive sob regimes ditatoriais militares. Ao longo dos 80´, isso inverteu: Bolívia (1982), Argentina (1983), Uruguai (1984), Brasil (1985) e Chile (1988).
3) Contudo, desde os anos 1970, já se percebia um movimento de rejeição popular à democracia representativa. Richard Sennett publicou, em 1974, seu "O Declínio do Homem Público", para citar apenas um livro de referência.
4) De 2001 a 2019 tivemos duas décadas de mobilizações de massa questionando a verticalização da tomada de decisão política. Mas, nada que pudesse sugerir uma direitização do mundo. Tivemos o o M11 na Espanha (que deu origem ao Podemos e Ciudadanos)
5) Tivemos, em 2008/2009 a Revolução das Panelas da Islândia (que deu na primeira Constituição do mundo feita pelas redes sociais com participação direta), o 2013 brasileiro (que adotou bandeiras e organização similar a 1980), a Primavera Árabe.
6) O atual século nasceu com a renúncia de Fernando de la Rúa, na Argentina, cercado pelo movimento "piquetero" e "assembleas populares" que se alastraram por bairros de Buenos Aires e cidade de referência do país. De la Rúa abandonou a Casa Rosada no helicóptero presidencial
7) Por outro lado, tivemos a origem do Movimento 5 Estrelas (Itália), Orban (Hungria), Trump e Bolsonaro. Vejamos um pouco do discurso dessas lideranças à direita. O 5 Estrelas surgiu em 2009, na Itália, sob a liderança do comediante Beppe Grillo
8) O discurso do 5 Estrelas focava na rejeição dos partidos tradicionais para colocar cidadãos comuns no poder e estabelecer uma democracia direta através do uso da Internet. Já comentei aqui como adotou uma visão de mercado para se relacionar com a população indignada
9) Analistas afirmam que o 5 Estrelas nunca adotou uma ideologia clara, sempre buscando a direção do vento para alinhar seu discurso.
10) Já Viktor Mihály Orbán, emergiu quase na mesma data que o 5 Estrelas. Líder do Fidesz, um partido de extrema-direita que se tornou o maior partido político da Hungria. Aqui temos uma nítida ascensão da extrema-direita, como ocorreu em países marginais
11) Recentemente, o parlamento húngaro conferiu poderes extremos à Orban para poder conduzir o combate ao COVID-19 brasil.elpais.com/internacional/…
12) A ascensão de Orban tem relação com a crise social no leste europeu e o medo de perderem renda para trabalhadores imigrantes. Este sempre foi o eixo do seu discurso. Sem esquecer que houve, em 2006, uma tentativa de golpe de Estado naquele país, que abalou a confiança interna
13) Trump e Bolsonaro são políticos do espetáculo. Adotam discursos extremados, mas, sua prática é instável, errática, além de serem desprovidos de capacidade de formulação. Não governam a partir de um projeto de governo, mas, apenas por retórica
PAUSA PARA LIGAÇÃO TELEFÔNICA (Já retorno para concluir este fio)
14) Peço desculpas pelo intervalo na postagem deste fio. Recebi uma ligação importante. Mas, para concluir: dá para cravar que há alguma tendência? Somente que há uma forte cultura antissistêmica, não que um movimento antidemocracia. A falta de rigor leva à esses exageros. FIM
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Bom dia. Por mais paradoxal que possa parecer, acho que Hugo Motta ajudou Lula a sair de uma arapuca. Explico a afirmação no fio que começa agora:
1) Até então, o Lula3 estava amarrado ao Centrão, praticamente paralisado. O medo que tomou conta de Lula tinha como fonte a capacidade de mobilização do bolsonarismo que poderia desmoralizar a sua história de líder de massas.
2) Eis que, de repente, o bolsonarismo coloca 12 mil pessoas na avenida Paulista e Hugo Motta resolve peitar o projeto de Haddad sobre o IOF. O IOF era a tábua de salvação para dar sobrevida às contas governamentais.
Boa tarde. O fio de hoje é sobre o calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro: agitam, mas não organizam. Lá vai:
1) Max Weber nos ensinou que há um tipo de líder que arrebata as massas pela paixão. Raramente se relaciona com as tradições e é ainda mais raro respeitar regras e normas. Trata-se do líder carismático.
2) Carisma significa “toque de Deus”. Por algum motivo, alguém é escolhido para se sacrificar ou para se distinguir dos outros humanos. Ele parece igual aos outros, mas algo o diferencia da multidão.
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai:
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas.
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado.
Bom dia. Postarei um fio sobre o Centrão. Minha leitura é que ele é uma ponta de lança do fisiologismo e da direita brasileira que necessita se aliar com governos progressistas. Explico:
1) O que não parece ter um encaixe equilibrado é a necessidade do Centrão se aliar à liderança de um polo progressista. Foi assim com FHC, puxado por ACM. O faz agora com Lula.
Fico pensando no que o move para este lugar.
2) Uma possibilidade é o fisiologismo que o marca, focado nos espaços miúdos e na fragmentação territorial. Por aí, o Centrão teria muita dificuldade para esboçar um projeto nacional.
Boa tarde. O fio de hoje é uma tentativa de leitura do que me parece um sistema político federal criado após o início do Lula3. Sei que qualquer leitura mais crítica ao governo Lula atrai uma enxurrada de ataques e desesperos, mas sinto que chegou o momento de abrirmos discussão
1) É conhecida a tese de Chico de Oliveira em sua “Crítica à razão dualista”: existiria um todo sistêmico que gerava uma especificidade da economia e sociedade brasileiras e que era interpretado por parte da intelectualidade brasileira como subdesenvolvimento.
2) A dualidade evitava compreender a lógica integrada entre atraso e pujança como um todo devido ao que sugeria ser proveniente de certo moralismo intelectual.
Bom dia. Farei um brevíssimo fio sobre um dos melhores livros da área da sociologia (estaria mais para o campo das teorias do pensamento social) dos últimos anos, o livro "Lugar Periférico, Ideias Modernas". Lá vai:
1) Este livro faz uma cartografia da sociologia brasileira, principalmente paulista, desde o famoso Seminário Marx, iniciado em 1958 e que envolveu Giannotti, FHC, Weffort, Fernando Novaes, Roberto Schwarz, dentre outros.
2) O livro, além de muito bem escrito e rigoroso, se diferencia no panorama recente de empobrecimento intelectual. O diagnóstico do país é hegemonizado pela raquítica leitura da microeconomia. As redações da grande imprensa aceleram este processo pragmático e reducionista