Continuando a série de posts sobre as influências do Sistema Nervoso Autônomo (SNA, aquele que funciona sem nosso comando) no coração, agora vem fio sobre:
As manobras vagais - por que existem e qual o jeito correto de “enganar” o SNA pra quebrar o circuito de uma arritmia? 🧵
A maioria das arritmias supraventriculares (TPSV) depende do nó AV para perpetuação do seu circuito. O nó AV é ricamente inervado por fibras do SNA (tanto simpático, que acelera sua ativação e aumenta frequência cardíaca; quanto parassimpático, que faz o inverso).
Como não comandamos o SNA, não podemos fechar o olho e pensar “nó AV, fique mais lento”, como fazemos quando queremos mexer nossa perna. Não. Eu, no máximo, posso enganar o SNA para que ele receba mais estímulos parassimpáticos, o que reduziria frequência e quebraria a arritmia.
Aí é que entram as manobras vagais. São essas tais formas de enganar o nosso SNA. Quais manobras são essas?
- Compressão do seio carotídeo (CSC)
- Manobra de Valsalva (MV)
- Reflexo de mergulho (RM)
Há outras, mas são notadamente menos eficazes. Vamos ver cada uma?
1.1. Compressão do seio carotídeo:
- Consiste em aumentar propositalmente a pressão arterial (PA) nessa região onde há muitos nervos (baroceptores) que vão mandar mensagem para o cérebro:
“Ih caramba, PA aumentou muito. Reduz aí faz favor”.
Um forte estímulo parassimpático virá.
1.2. Problemas da CSC:
- Péssima eficácia: 10%.
- Risco baixo e dubitável de complicações neurológicas (mas existe o risco): 1%.
- Para reduzir esse risco, recomenda-se auscultar a carótida: sensibilidade 53%, especificidade 83%. Moeda pra cima?
1.3 Técnica:
- Localizar seio carotídeo na bifurcação das carótidas, logo abaixo do ângulo da mandíbula (não pode ser qualquer lugar do pescoço onde se sinta pulsação).
- Preferir o lado esquerdo (inerva o nó AV)
- Compressão gentil (sem ocluir a artéria) por 5 - 10 segundos.
2.1 Manobra de Valsalva.
Proposta em 1704 em “De aure humana tractatus” de Antônio Valsalva, que propunha realizar essa manobra para expelir pus e sangue do crânio pelo ouvido.
Em 1850, Ernst Weber publica que a realização da manobra nele próprio causou intensa bradicardia.
2.2 Depois disso, vários cientistas tentaram observar os efeitos cardíacos da manobra e concluíram que, se realizada na técnica correta, é uma manobra vagal.
Se realizada de qualquer jeito, só serve pra expelir hérnias.
2.3 A MV realizada corretamente tem 4 fases. É sendo bem metódico nas fases 1 e 2, que um paciente pode ter sua arritmia quebrada na fase 4, em que ocorre queda da FC.
Jeito correto: tem que durar 10 a 15 segundos de expiração forçada contínua.
2.4. Atualmente temos recomendado que o paciente assopre contra uma seringa de 10 ml com força suficiente para deslocar o êmbolo por 10 a 15 segundos (não precisa expulsá-lo).
Sucesso: 17%.
2.5. Proposta em 2017 a Manobra de Valsalva Modificada, que nada mais é do que uma potencialização das fases 1 e 2, para que a fase 4 venha ainda mais forte.
- Consiste em assoprar seringa por 15 segundos
- Depois deitar por mais 15 segundos com as pernas elevadas.
Sucesso: 43%.
3.1 Reflexo de Mergulho. Primeiro descrito em focas, reduz a frequência cardíaca quando mergulhamos, pra garantir uma manutenção da nossa PA.
É extremamente útil na população pediátrica que não consegue realizar MV, e também pelo sucesso que chega a 100% em algumas séries.
3.2 Consiste em mergulhar a face em um balde de água fria, ou mais simplesmente colocar um saco de água a 10º (ou água + gelo) na face (de preferência associando isso a segurar a respiração, algo que no balde já é automático).
- Deve, se possível, durar 10 segundos.
Esse post foi direcionado para médicos. Não é racional nem seguro fazer essas manobras em casa porque:
- Sua arritmia pode não ser essa que quebra com as manobras.
- É interessante gravar um ECG da taquicardia para planejamento da ablação.
- Complicações podem ocorrer.
E aí, vamos respeitar as fases hemodinâmicas da Manobra de Valsalva pra conseguir de fato quebrar arritmias, não apenas expelir hérnias?
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“There is no need to change the STEMI-NSTEMI paradigm. I never see false negatives.”
We published the article “The no false negative paradox in STEMI-NSTEMI diagnosis” in Heart (BMJ), and I’ll explain this paradox with a story: José de Alencar sees a patient with angina. 🧵
José de Alencar does not know, but this patient has a thrombus acutely blocking one of his coronary arteries. Unfortunately, there is no ST-segment elevation.
José de Alencar, therefore, classifies the patient as NSTEMI. Could he have done differently?
Since the patient has NSTEMI, José de Alencar does not activate STEMI protocols. If the patient were lucky enough to show the sign that defines the disease, treatment would occur within 30-120 minutes.
But he’s unlucky and will be treated hours or even days later.
Mr. Uzendu estava jogando basquete quando caiu no chão. Os amigos achavam que ele estava fingindo de desacordado. Mas ele acabara de ter uma morte súbita.
Esta é a forma com que morrem 13% das pessoas do planeta.
Eu sou cardiologista e vou ensinar a reconhecer uma morte súbita.
Talvez por vermos tantas mortes na ficção, tendemos a pensar que a morte súbita é o simples e abrupto fechar dos olhos e perda do tônus muscular.
Mas, na vida real não é nada parecido com isso.
Primeiro, pode parecer com uma convulsão.
Muitos casos de parada cardíaca se iniciam com uma fase de elevado tônus muscular. A pessoa fica dura.
Isso ocorre em mais de 60% dos eventos de cessação da irrigação cerebral por causa definitivamente cardíaca registrados ao vivo em Tilt Tests.
O médico pede troponina, exame cardíaco que detecta infarto, e dá positivo.
Diagnóstico: Infarto.
Na verdade, Ednaldo tinha embolia pulmonar.
Os médicos nunca descobrirão este erro. Segue o fio para entender “a armadilha da troponina”.
Quando digo que “os médicos nunca descobrirão”, eu não estou falando dos médicos que o atenderam, mas me refiro a qualquer médico. O erro não é apenas diagnóstico, mas COGNITIVO.
A gênese do problema está em um viés chamado “viés da incorporação”.
Este viés existe quando o resultado de um exame dá nome a uma doença.
Lembra que falei que troponina aumentada aponta para infarto? "Infarto” é definido pelo aumento da troponina associado a clínica compatível.
Perceba que a troponina é o teste e é a definição da doença.
You've likely seen the term "slow R wave progression" in an ECG report.
But, is there a link to prior infarction? Our team conducted a Scoping Review to explore this.
Here's what we found in our study at @JElectrocardiol 🧵
Regarding accuracy, there are 4 studies (the most "modern" from 1981). After that, no further studies.
The main researcher, Zema, showed Sensitivity of 85-90% and Specificity of 56-75%. But don’t celebrate yet. We found a major issue in this analysis.
Zema's studies have a severe research bias: a selection bias where only people with slow progression were included. None of Zema’s studies is suitable for testing exam accuracy, which would compare people with the test versus those without.
Você certamente já viu o termo “progressão lenta de onda R” em um laudo de ECG.
Mas, existe relação disso com infarto prévio?
Nosso time conduziu uma Revisão de Escopo (Scoping Review) para revisar exatamente isso.
Eis o que descobrimos em nosso estudo na @JElectrocardiol 🧵
Pra termos mais robustez na análise dos estudos, sistematizamos a pesquisa da seguinte maneira: um dos pesquisadores (Eduardo Amorim) fez o que chamamos de title + abstract screening. Ele selecionou artigos que falavam sobre progressão lenta de R em doença coronária.
Depois, todos os pesquisadores avaliaram os estudos selecionados por Eduardo, determinando seus desfechos (acurácia, prevalência ou prognóstico), suas populações, vieses, etc.
Esta Scoping Review seguiu o Protocolo Prisma-ScR, uma diretriz para estudos com esta metodologia.