Coeso, intenso e sólido. Apesar de ter o melhor ataque e o artilheiro do campeonato, é na defesa que o líder vem se garantindo.
Hora de falar sobre o Inter de Coudet.
Mais uma vez, o campeonato é liderado por um treinador estrangeiro. Tendência que, se perdurar por algum tempo, pode fazer muito bem ao futebol brasileiro.
), é difícil fazer qualquer previsão, mas alguns padrões já começam a aparecer.
Todos os clubes foram afetados pela paralisação, mas nem todos foram afetados da mesma forma ou na mesma escala.
No geral, as primeiras rodadas do Brasileirão foram ruins. Os times pareciam bem abaixo do ideal tecnicamente, taticamente, fisicamente e mentalmente. Os jogos morriam no segundo tempo.
Mas o Inter de Coudet dava outra impressão...
Em inglês, "hit the ground running" significa, em tradução literal, "tocar o chão já correndo".
Parece ser exatamente o que aconteceu com o Inter. Enquanto todo mundo se preparava para a largada, o time já estava correndo. E correndo muito!
Nos primeiros jogos, a diferença de intensidade do Inter para os adversários era notável. O time corria mais, fazia mais ações e era muito mais eficiente.
(O único que se comparava em intensidade era o Atlético-MG de Sampaoli, mas esse é um assunto para outro post)
Com isso, a impressão não era tanto de um time refinado, que envolvia os adversários, mas de um rolo compressor que passava por cima.
E tudo começa pela defesa. O Inter se tornou um time que simplesmente não sofre lá atrás — e os números mostram isso.
Antes de mergulharmos (e vamos mergulhar profundamente) nos números, é importante fazer aquela ressalva de sempre: números são úteis no auxílio para entendermos padrões, mas não dão conta de tudo que acontece em um jogo de futebol.
É preciso usá-los com cuidado.
O Inter de Coudet é disparado o time que menos permite finalizações por jogo. Menos de sete chutes por jogo é uma coisa absurda. A bola simplesmente não chega a Marcelo Lomba.
Quando eu digo que não chega, podemos ir muito além das finalizações.
Falamos há algumas semanas sobre o FUNIL OFENSIVO, que divide o ataque do time em várias etapas para entender o que cada um faz bem e o que faz mal.
Podemos usar o mesmo conceito para montar um FUNIL DEFENSIVO. Ou seja, quanto o Inter permite de posse de bola aos adversários, quanto permite que eles progridam, qual volume de chutes, qualidade de chances e quanto eles conseguem converter.
Mas os números soltos não nos dizem muita coisa... A comparação com os outros 20 times é impressionante. Quanto menor o número, melhor. E o Inter é excelente em todos os aspectos! Vai "filtrando" os ataques adversários e, por isso, toma pouquíssimos gols.
Isso acontece porque o Inter é incansável na tentativa de quebrar a posse de bola do adversário constantemente.
Aqui, vemos quantas vezes o time faz a bola trocar de dono a cada minuto que não tem a bola. Quanto maior o número, significa que o jogo do adversário é mais picotado.
Ou seja, os adversários do Botafogo não só têm mais posse de bola que os do Inter, eles têm a posse de maneira mais contínua porque o alvinegro é um time mais "passivo" na marcação e não força essa quebra.
(*Um pequeno detalhe: quando eu digo "por minuto de posse de bola", estou normalizando todos os jogos como se todos tivessem 90 minutos de bola rolando. Não é exatamente "um minuto com a bola" na vida real, mas coloca todo mundo no mesmo parâmetro)
Ou seja, o Inter é um time chato de enfrentar. Fica mordendo o tempo todo. É o segundo que mais força erros de passe (o primeiro é o Atlético-MG) e o que mais faz faltas no campeonato.
E picotar o jogo com faltas realmente fazem parte do modelo de jogo. São pequenas faltas no meio-campo, longe do gol, as famosas "faltas táticas". Com isso, apesar de ser o time que mais faz faltas, o Inter é apenas o 9º em número de cartões.
Com isso — mas não apenas por isso —, o Inter de Coudet neutraliza completamente uma das maiores armas do futebol atual: o contra-ataque.
Com toda a intensidade pós-perda, os adversários simplesmente não conseguem finalizar esse tipo de jogada.
E assim, como um enxame de abelhas muito bem coordenado e com um preparo físico e mental acima dos demais, o Inter de Coudet não deixa os adversários jogarem. Se garante na defesa e parte para o ataque com segurança.
E aí entra um fator que não pode ser ignorado: o Inter abriu o placar em 8 dos 9 jogos até aqui. A única exceção foi contra o Bahia, no empate em 2x2.
Com a vantagem no placar, o time pode recuar um pouco mais, descansar com a bola e triturar sem ela.
E assim o Inter de Coudet segue firme. É difícil saber o que vai acontecer à frente, como o time vai reagir à maratona de jogos, ao verão, como as lesões podem atrapalhar e como pode se comportar em uma eventual sequência de jogos sem conseguir abrir o placar.
No futebol, não dá para ter certeza de nada. Em 2020, menos ainda. Por enquanto, podemos assistir um futebol coeso e encaixado, de muita estratégia e intensidade, que vem subindo o nível do campeonato!
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Um pequeno país em um canto da Europa tem um peso surpreendente na forma como a gente pensa e sente o futebol. Saíram da Holanda algumas das ideias mais importantes para a nossa compreensão do esporte.
Se hoje falamos tanto em espaço no jogo, é muito graças aos holandeses.
Como já falei aqui, tive a honra e o privilégio de ser o tradutor do livro @Zonal_Marking, do grande Michael Cox, lançado em pré-venda na semana passada pela @EdGrandeArea.
O livro começa falando sobre a influência holandesa no futebol europeu do início dos anos 1990 através de seu principal clube — o Ajax — e de dois ex-jogadores e então treinadores — Cruyff e Van Gaal.
O mais interessante, no entanto, é o mergulho no modo de pensar holandês.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 3: O QUE OS NÚMEROS DIZEM
Os números não são o jogo em si, mas ajudam a entender o que se passa dentro de campo. É preciso ter cuidado, colocar tudo em contexto, mas dá para entender muita coisa a partir deles. Vamos ao mergulho!
Dos 14 jogos disputados pelo Flamengo sob o comando de Renato Gaúcho, 7 foram pelo BR21 e 7 em competições de mata-mata (Libertadores e CdB). Como o time tem se comportado de maneira diferente, a ideia aqui é olhar para esses números de maneira separada.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 2: PORTEIRA QUE PASSA BOI
Meu antigo professor de história tinha uma espécie de frase de efeito. Não importava o assunto que estávamos estudando, em algum momento ele sempre dava um jeito de dizer: "porteira que passa boi, passa boiada".
Nesta série, pretendo explorar por diferentes ângulos a rotina atual de goleadas do Flamengo. Na PARTE 1 (
), detalhei as mudanças de estilo trazidas por Renato Gaúcho até aqui. Hoje quero falar sobre os contextos criados dentro dos jogos.
O 4x0 em cima do Grêmio é um bom ponto de partida. No fim de um primeiro tempo bastante instável, o Flamengo perdeu Bruno Henrique por lesão e Isla recebeu o vermelho. Parecia um cenário terrível, se encaminhando para um segundo tempo sofrido.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 1: CONTROLE E AGRESSIVIDADE
O assunto do momento é aquele: como o Flamengo consegue golear em jogos que nem parece estar dominando durante a maior parte do tempo?
Há muita coisa para falar, então decidi fazer uma série. Começa aqui!
De fato, é quase inacreditável.
Em 14 jogos desde a chegada de Renato Gaúcho, o Flamengo teve 12V 1E e 1D. Mais incrível que isso: fez 45 gols (3,2 por jogo) e sofreu 10 (0,71 por jogo)!
Das 12 vitórias, 8 foram por 3 gols de diferença ou mais.
É normal que um retrospecto como esse gere admiração, um certo choque e até mesmo confusão.
Primeiro, porque são números simplesmente altos demais. Quase impossíveis de se ver por aí — e de se manter no longo prazo.
Gabigol está imparável. Fez 7 gols nos últimos 5 jogos que disputou. Dois de pênalti (ele simplesmente não perde) e outros cinco gols com a bola rolando.
Todos seriam considerados fáceis. Mas será que são simples?
Além do segundo e do terceiro gol contra o Santos, há mais três nos dois jogos contra o Olimpia. Cinco gols depois da marca do pênalti, todos finalizados com apenas um toque! A marca de um artilheiro letal!
Em um mesmo lance, ele faz três, quatro, cinco movimentos. Sabe exatamente o momento em que o passe pode sair, sabe exatamente como os zagueiros tendem a se comportar.
Futebol não é sobre estar no lugar certo. É sobre chegar no lugar certo, na hora certa, do jeito certo.