Quando eu falo que é fundamental localizar o liberalismo no século 19, onde de fato ele nasceu, não é só preciosismo e precisão, mas é o cuidado de impedir que os liberais se apropriem da tradição iluminista como eles fazem para se legitimar (1/7).
Esse erro metodológico se chama "anacronismo"; Na época de Locke sequer havia a palavra liberalismo, mas a questão é que esse erro na verdade atende a uma demanda ideológica e de classe (2/7).
De novo, pela milionésima vez, o Liberalismo não é uma invenção britânica, mas Ibérica: é uma questão da Espanha e Portugal imediatamente posterior às invasões napoleônicas e que tem a ver com (1) não retorno ao absolutismo, mas (2) recolonização das Américas (3/7).
O debate que os ILUMINISTAS da escola CONTRATUALISTA fazem é a respeito da ideia de Liberdade e tem relação com a teologia protestante. Portanto, estamos falando de coisas que deram origem, arqueologicamente, ao Liberalismo, mas não ele em si (4/7).
Não que dizer que um escravagista como Locke não era, ainda, liberal seja uma grande questão por si, mas o é, na medida em que movimento liberal precisa ser desmascarado nessa fundação demasiado longínqua e profunda que ele pretende ter para se legitimar (5/7).
Sim, o Iluminismo e o Protestantismo, apesar de trazerem muitas inovações, igualmente não estavam livres de colaborar com o racismo, a escravidão, a opressão e o colonialismo (6/7).
Portanto, o Liberalismo ibérico PRECEDE o Liberalismo da anglosfera e está mais próximo de um "liberalismo verdadeiro": o liberalismo britânico é um desdobramento do movimento Whig -- este é mais plural e inclusive proto-democrático, apesar de suas limitações (7/7).
P.S.: "ah, mas Guedes não é um liberal 'verdadeiro" -- é sim, mais do que uma Liz Warren ou no passado um Keynes, os quais têm a ver com uma remota tradição Whig, o que permitiu o Liberalismo de lá dialogar com a Social-democracia.
P.S.2.: "ah, mas e o FHC?" -- FHC é um caso de um liberal ibero-americano que fez a Social-democracia dialogar com o Liberalismo, o que consiste na verdade em uma desgraça. Como nunca houve tradição Whig aqui, o Liberalismo é puro e elitista.
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O Brasil não foi criado como país por Portugal, mas como empreendimento de exploração colonial, sustentado pelo roubo dos indígenas, a exploração da massa europeia mandanda para cá e na escravização africana; a independência do Brasil foi sua criação enquanto país (1/7).
O Brasil tem menos a agradecer aos portugueses do que eles têm a agradecer aos romanos, os quais tomaram as terras da chefia celta que se misturava aos ibéricos originais -- ou aos bárbaros germânicos, aos alanos e, principalmente, árabes posteriores (2/7).
Os romanos, alanos e árabes, esses três em particular, ocuparam o que hoje é Portugal não como colônia, mas estabelecendo instituições políticas superiores ao que lá encontraram - coisa que Portugal não buscou fazer aqui, muito pelo contrário (3/7).
A valorização do real face ao dólar tem duas explicações: o dólar, em si, está perdendo valor em relação às principais e à maioria das moedas, enquanto o real ganha valor porque a taxa de juros está bem alta, atraindo capital financeiro para o nosso mercado de títulos (1/7).
O real ganhou valor também em relação ao euro, mas é menos do que ele ganha valor em relação ao dólar. Comparem os gráficos abaixo e entendam. O euro, inclusive, ainda está mais caro do que há 1 ano, mas não o dólar (2/7).
Como o dólar ainda tem uma posição de dominância no mercado internacional, ainda que em queda, isso produz um efeito de queda na inflação no Brasil: nossas exportações encarecem, enquanto as importações barateiam (3/7).
Trump estava decidido a terminar com a guerra na Ucrânia, mas antes ele tinha de fechar um acordo com seu setor armamentista e petroquímico. Não era fácil, mas piorou com a queda do preço do barril de petróleo causada trapalhada do tarifaço. Agora, ele deixa a guerra rolar (1/7).
A queda do preço do barril veio junto de uma queda do valor do dólar. Trata-se de um evento anômico que ilude: se Trump se vê obrigado a saciar a fome dos minotauros do petróleo, e supõe que lhe sobra espaço de manobra no momento, ele esquece que há tensão sobre os juros (2/7).
Ou seja, em um cenário em que o preço do petróleo desabou como "uma queda do disjuntor", se ele procurar deixar o petróleo subir por meio de conflitos, ele terá a tempestade perfeita que ele não teve sobre seu mercado de títulos - já tensionado (3/7).
Há muitas questões sobre Leão XIV, a primeira delas é que ele representa uma maioria pastoralista formada sob o papado de Francisco, mas também é uma busca de evitar um cisma - que seria liderada pelo campo conservador da Igreja dos EUA (1/5).
Essa coalizão "bergoliana" é grande e complexa, envolvendo grandes instituições da Igreja, que já tiveram suas questões inclusive entre elas: Francisco era jesuíta, Leão XIV foi prior-geral dos agostinianos - organizações que nem sempre andaram juntas, pelo contrário (2/5).
Leão XIV será um pouco menos progressista do que Francisco, mas poderá consolidar muito do que foi feito e suscitado nos últimos 12 anos. E é um meio de neutralizar setores conservadores perigosos, seja pela tomada do poder ou pelo cisma (3/5).
Trump tentou usar seu ministro da Fazenda, Scott Bessent, para abrir conversas com os chineses. Não deu. Ele mesmo teve de falar, já que o telefonema de Xi não veio, mesmo depois dele ter recuado várias vezes. Houve muita pressão interna também (1/5).
O assim chamado sistema do dólar não consiste apenas nos EUA. Ele envolve os países que ficam na outra ponta, possuem títulos da dívida americana e exportam para Washington [muitas vezes sediando fábricas americanas] (2/5).
É como o teatro: se o melhor ator do mundo não tiver público, a peça que ele encena simplesmente não existe. Trump blefou, mas a China mostrou capacidade de leitura de conjuntura e unidade para resposta. Trump não tem isso, nem na política, nem na economia (3/5).
Testemunhamos um choque no comércio global. A China se voltará para o mercado interno e para os outros países, isolando os EUA, coisa que ela já tem feito lenta e gradualmente nos últimos tempos. O médio e longo prazo favorecem Pequim (1/7).
A Europa não vai junto dos EUA, o que é um problema enorme para Washington. Musk sabia bem disso, por isso propôs uma não tarifação europeia - inclusive pelo bem dos próprios negócios dele, mas também do seu setor (2/7).
O problema interno dos EUA não são a China, nem o comércio global, mas como a acumulação de capital da sua elite está entrando em choque com a estabilidade e o crescimento (3/7).